quarta-feira, 27 de outubro de 2021

.: Morte de Gilberto Braga encerra fase de ouro na teledramaturgia


Autor de novelas de suscesso como "Escrava Isaura", "Dancin' Days" e "Vale Tudo", Gilberto Braga fez história na teledramaturgia brasileira. Foto: Globo / Márcio de Souza

O consagrado autor Gilberto Braga faleceu na noite de hoje, dia 26, no Rio de Janeiro. Vítima de complicações por conta de uma infecção sistêmica, o autor tinha 75 anos. Gilberto era casado com Edgar Moura Brasil, decorador e seu companheiro por quase 50 anos. A morte de Gilberto Braga encerra uma fase de ouro na teledramaturgia brasileira, que vem se reinventando com os novos hábitos dos telespectadores.

Carioca, Gilberto Braga nasceu no dia 1º de novembro de 1945. O autor perdeu os pais cedo. Primeiro o pai, quando tinha apenas 17 anos. Uma década depois, se despediu de sua mãe. Por necessidade de tomar as rédeas de casa e de satisfazer o desejo da mãe, Gilberto chegou a cursar Direito e a prestar concurso para o Itamaraty. Mas não avançou em nenhuma das duas carreiras. Atuou como professor de francês e foi crítico de teatro e cinema no jornal O Globo, entre outras funções. Tudo isso antes de se dedicar exclusivamente à teledramaturgia.  

O novelista assinou - sozinho ou em parceria com renomados autores – grandes sucessos, como "Água Viva", "Dancin' Days" e "Vale Tudo", e tinha como um dos traços mais marcantes em suas obras a crítica social afiada. Normalmente, suas histórias eram ambientadas na cidade do Rio de Janeiro, por onde tinha o prazer e o hábito de caminhar pelas ruas, o que fazia dele um grande entendedor da vida carioca.   

Seu primeiro trabalho na Globo foi em 1972, com uma adaptação de "A Dama das Camélias" para o programa "Caso Especial", com direção de Walter Avancini. A história foi protagonizada por Glória Menezes. Depois, vieram alguns outros episódios para o "Caso Especial". Um deles, especificamente, fez muito sucesso na época: "As Praias Desertas", que tinha no elenco Dina Sfat, Yoná Magalhães e Juca de Oliveira.   

A experiência de escrever uma novela veio em 1974. Sob o título "A Corrida do Ouro", Gilberto assinou a trama ao lado de Lauro César Muniz e Janete Clair. Ele tinha apenas 29 anos e sua grande fonte de inspiração e formação foi Janete, como fazia questão de dizer em entrevistas que concedeu ao longo de sua carreira. Ele foi um de seus discípulos.   

Vieram, então, as adaptações: "Helena", de Machado de Assis, e "Senhora", de José de Alencar, ambas exibidas em 1975. Nesse mesmo ano, assumiu o desafio de dar continuidade à novela "Bravo!", de Janete Clair. A autora precisou se dedicar a um novo projeto e Gilberto passou a assinar autoria da trama, que foi ao ar no horário das sete.  

Seu primeiro grande sucesso, no entanto, foi "Escrava Isaura", adaptação da obra de Bernardo Guimarães, exibida em 1976. Um marco de nossa teledramaturgia. Gilberto assinou a adaptação que o tornou muitíssimo conhecido quando tinha apenas 31 anos. "Escrava Isaura" é uma das obras mais vendidas e exibidas no mercado internacional.   

Em 1977, ele escreveu "Dona Xepa", que narrava a história de uma popular feirante, vivida por Yara Cortes. Exibida no horário das seis, a obra obteve o melhor desempenho de audiência da faixa até então. A estreia no chamado horário nobre, das 20h, foi em 1978, com "Dancin' Days" e a moda das meias Lurex e das discotecas. Sonia Braga despontava no papel principal – que tinha a personagem de Joana Fomm como antagonista. Em 1980, escreveu "Água Viva", que contou com a coautoria de Manoel Carlos a partir do capítulo 57. Na novela "Brilhante", de 1981, Gilberto teve a contribuição de Euclydes Marinho e de Leonor Bassères como colaboradores. O autor repetiu a parceria com Leonor em suas duas obras seguintes: "Louco Amor" (1983) e "Corpo a Corpo" (1984).  

Gilberto escreveu em 1986 sua primeira minissérie, "Anos Dourados", com direção de Roberto Talma. Tratava-se de uma história ambientada durante o governo JK. O casal protagonista foi vivido por Malu Mader e Cássio Gabus Mendes. Gilberto também assinou a produção musical da minissérie. Aliás, o autor nunca escondeu a sua ligação com o universo da música. Ele escolhia grande parte das trilhas sonoras de suas novelas, e os temas dos personagens muitas vezes serviam de trilha para Gilberto enquanto escrevia suas histórias.  

A inesquecível "Vale Tudo", em parceria com Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, veio dois anos depois. Uma discussão sobre a ética no país, que costurava a história de uma mãe, papel de Regina Duarte, enganada pela própria filha, vivida por Gloria Pires. A novela fez sucesso e teve grande repercussão tanto na primeira exibição quanto nas reprises, a exemplo do que aconteceu há alguns anos no canal Viva. 'Vale Tudo' foi um marco da TV e criou enorme expectativa em sua reta final, com o mistério "quem matou Odete Roitman (Beatriz Segall)?". As gravações foram feitas em total clima de sigilo e a identidade do assassino foi revelada só no último momento.  

Na criação das tramas, Gilberto Braga experimentou estilos e funções diferenciadas. Em 1988, fez a adaptação de "O Primo Basílio", de Eça de Queiroz, que ganhou formato de minissérie por suas mãos. Nesse mesmo ano, foi colaborador de Silvio de Abreu em "A Rainha da Sucata". Foi ainda convidado para cuidar da produção musical de "A, E, I, O... Urca" e supervisionou "Lua Cheia de Amor", escrita por Ana Maria Moretzsohn, inspirada em uma de suas obras, "Dona Xepa".  

Em 1991, o autor voltou a escrever uma novela, novamente jogando luz em uma discussão sobre dignidade, cidadania e valores. 'O Dono do Mundo' teve a colaboração de Leonor Bassères, Ângela Carneiro e Ricardo Linhares, que assinou com Gilberto a coautoria de suas derradeiras obras.   

As difíceis décadas de 1960 e 1970, sobretudo as lutas políticas, foram retratadas em "Anos Rebeldes" (1992), minissérie de Gilberto Braga e Sérgio Marques. Na sequência, escreveu "Pátria Minha" (1994), que encerrou a sua trilogia sobre a corrupção no país, ao lado de "Vale Tudo" e "O Dono do Mundo". Então vieram a minissérie "Labirinto" (1998) - que seguiu, pela primeira vez, um gênero predominantemente policial - e "Força de Um Desejo" (1999), novela cuja autoria foi dividida com Alcides Nogueira.   

A temática sempre tão atual era outra importante característica de suas obras. Um bom exemplo disso foi a novela "Celebridade", de 2003, que falava essencialmente sobre a busca pela fama. No elenco, nomes como Malu Mader, Cláudia Abreu, Fábio Assunção, Marcio Garcia e Marcos Palmeira. Aliás, falando em elenco, Gilberto, em parceria com seus diretores, fazia questão de escolher cada um dos atores. Ele conhecia esses artistas em cena, especialmente como seus textos eram interpretados por eles e, uma vez escalados, escrevia os diálogos pensando em quem iria interpretá-los. Essa dobradinha "personagem/elenco" era fundamental no processo criativo do autor.   

"Paraíso Tropical" e "Insensato Coração", exibidas em 2007 e 2011, respectivamente, foram escritas em parceria com Ricardo Linhares. Em 2012 Gilberto assinou a supervisão de "Lado a Lado", novela das seis escrita por Claudia Lage e João Ximenes Braga, obra que trouxe para a Globo um Emmy Internacional.  

A última novela de Gilberto Braga foi "Babilônia", em parceria com Ricardo Linhares e João Ximenes Braga. Exibida em 2015, ela foi dirigida por Dennis Carvalho, um parceiro e amigo com quem trabalhou desde 1988, em "Vale Tudo". Desde então, Dennis se tornou habitual diretor dos trabalhos de Gilberto, comandando as equipes de "O Dono do Mundo", "Celebridade" e "Insensato Coração".  

Gilberto nunca escondeu que escrever para os vilões tinha um tempero especial. Talvez, por isso, somado ao seu estilo e talento ímpares, o autor colecione uma lista memorável de vilãs, como Odete Roitman e Maria de Fátima, vividas respectivamente por Beatriz Segall e Gloria Pires, em "Vale Tudo". Aliás, Gloria fez parte do elenco de suas duas últimas tramas exibidas na Globo, como Norma, de "Insensato Coração", e Beatriz, de "Babilônia".


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