domingo, 24 de outubro de 2021

.: Crítica: "O Ovo de Ouro" traça paralelo entre Brasil de hoje e Alemanha nazista


Último espetáculo de Sérgio Mamberti nos palcos trata sobre o conflito vivido por judeus que eram obrigados a auxiliar na aniquilação de seu próprio povo e, ao mesmo tempo, ter que conviver com o medo da morte. Duda Mamberti substitui o pai em cena ao lado de Leonardo Miggiorin, Rita Batata, Ando Camargo, além do autor Luccas Papp. A direção é de Ricardo Grasson. Foto: Kim Leekyung

Por Helder Moraes Miranda, editor do Resenhando.

Uma apresentação histórica marcou a reabertura do Sesc Santos em apresentações teatrais. O espetáculo "O Ovo de Ouro", em primeira apresentação fora da grande São Paulo, foi memorável por diversos motivos. O primeiro deles é Duda Mamberti, cujas lembranças da infância em Santos ainda vivem no grande artista que se tornou. Ele reviveu o personagem que até pouco tempo era defendido pelo pai, Sérgio Mamberti, falecido recentemente, em uma peça que fala sobre o holocausto.

No espetáculo, sob a direção competente de Ricardo Grasson, é possível estabelecer vários paralelos com a realidade em que se vive nos tempos contemporâneos e, sim, traça um paralelo entre o Brasil de hoje e a Alemanha nazista. "O Ovo de Ouro" fala sobre uma série de questões que hoje, ainda mais, depois de 605 mil mortos só no Brasil, são urgentes e coloca o dedo na ferida a respeito do genocídio - intencional ou não, ele não deixa de ser a mesma coisa, já que os resultados de uma tragédia acabam recaindo sobre as famílias que perderam seus entes ou nos traumas de quem ficou para repassar uma história que não pode, não deve e muito menos precisa ser repetida.

Todo o elenco se destaca no texto forte e repleto de maturidade de Lucas Papp, que desponta como um dos grandes autores do teatro hoje. Ele também brilha em um papel da peça, ao lado de Leonardo Miggiorin e Rita Batata, grandes atores que vêm encontrando papéis à altura no teatro. A força das imagens e pistas falsas permeiam o espetáculo. 

Nada é o que parece ser e neste oráculo de cenas fortes há, como pano de fundo, um tempo psicológico que é o narrador obssessivo que engana, distorce e, no fim das contas, entrega ao espectador uma verdade dura, mastigada e digerida. Parece repetir: "não faça isso novamente, n]ão compactue com isto". Destaca-se, também, o ator Ando Camargo pela naturalidade com que fala os absurdos do personagem que interpreta. No final, uma homenagem a Sergio Mamberti. 

Ao que tudo indica, bons tempos estão soprando. É o teatro como agente mobilizador e conscientizador de mentes. Não há doutrinação, mas uma espécie de esclarecimento para que ações - as mais absurdas - não voltem a acontecer. Nunca mais. Em cartaz até este domingo no Sesc Santos.


Serviço:
"O Ovo de Ouro" no Sesc Santos
Domingo, dia 24 de outubro, às 19h.
Classificação: 12 anos.
Duração: 90 minutos.
https://www.sescsp.org.br/unidades/20_SANTOS

Sesc Santos - Rua Conselheiro Ribas, 136, Aparecida - Santos. Telefone - (13) 3278-9800
Ingressos - R$ 40 inteira. R$ 20 meia (estudante, servidos de escola pública, +60 anos, aposentados e pessoas com deficiência


Ficha técnica
Texto: Luccas Papp. Direção: Ricardo Grasson. Elenco: Duda Mamberti, Leonardo Miggiorin, Rita Batata, Ando Camargo e Luccas Papp. Voz em off: Eric Lenate. Cenografia e visagismo: Kleber Montanheiro e Edgar Cardoso Desenho de Som e Trilha sonora original: L.P. Daniel. Desenho de luz: Wagner Freire. Videomapping: André Grynwask e Pri Argoud (Um Cafofo).  Figurinos e adereços: Rosângela Ribeiro. Assistente de Direção: Heitor Garcia. Operação de Luz: João Delle Piagge. Operação de Som: Karine Spuri. Camareira: Elizabeth Chagas. Posticeria Facial: Feliciano San Roman. Assistência de Palco: Pedro Didiano e Hel Prudencio. Cenotécnico: Alicio Silva. Aderecista: Ronaldo Dimer. Costureiras: Vera Luz e Noeme Costa. Alfaiataria: JC. Assistente de iluminação: Alessandra Marques. Assistente de Figurino: Eduardo Dourado. Supervisão de Conteúdo: Vinicius Britto. Conteúdo Histórico: Lucia Chermont, Marcio Pitliuk Franthiesco Ballerini e Priscila Perazzo. Assessoria Linguística e Fonética de Liturgia Judaica: Beto Barzilay. Idealização: Luccas Papp e Ricardo Grasson. Produção: NOSSO cultural. Direção de produção: Ricardo Grasson. Produção Executiva: Heitor Garcia e Fernando Maia. Gestão de Projeto: Lumus Entretenimento. Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes. Fotos: Leekyung Kim.


"O Ovo de Ouro"
Com direção de Ricardo Grasson, peça traz no elenco Duda Mamberti, Leonardo Miggiorin, Rita Batata, Ando Camargo, além do próprio autor. O público também poderá adquirir o livro "Sérgio Mamberti: Senhor do Meu Tempo" (Edições Sesc), escrita pelo ator, junto ao jornalista Dirceu Alves Jr.

O espetáculo que estreou em 2018 celebrando os 80 anos de Sérgio Mamberti, morto em setembro de 2021, trouxe à tona a função do Sonderkommando ou comandos especiais, unidades de trabalho formadas por prisioneiros selecionados para trabalhar nas câmaras de gás e nos crematórios dos campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Obrigados a tomar as atitudes mais atrozes para acelerar a máquina da morte nazista, esses prisioneiros conduziam outros judeus à câmara de gás, queimavam os corpos e ocultavam as provas do Holocausto. Quem se recusava a desempenhar esse papel era morto, quem não conseguia mais desempenhar a função, era exterminado com os demais.

Contada em diferentes momentos, a trama revela a vida de Dasco Nagy, interpretado agora por Duda Mamberti, que foi Sonderkommando e sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. Em cena, dois planos são apresentados – a realidade e a alucinação – para retratar a relação do protagonista Dasco Nagy quando jovem (Luccas Papp) com seu melhor amigo Sándor (Leonardo Miggiorin), com a prisioneira Judit (Rita Batata) e com o comandante alemão Weber (Ando Camargo). No presente, Dasco é entrevistado, já em idade avançada, por uma jornalista, narrando os acontecimentos mais horrorosos que viveu no campo de concentração e descrevendo a partir do seu ponto de vista os horrores e tristezas da Segunda Guerra Mundial.



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