Por: Mary Ellen Farias dos Santos
No escritório das Winsherburgs adentra Petra, desafeto das meninas desde o jardim de infância do antigo Colégio Santa Helena. Petra sabia identificar todo erro e converter em acerto. Quando a professora se aproximava para resolver as desavenças da menina com as gêmeas, sempre dava um jeito, rapidinho, de reverter toda a história e fazia a culpa do desentendimento recair nas costas das irmãs. Claro! Eram duas contra uma. Quem mais poderia ser a vítima ali?!
Tudo começou quando se cruzaram na vida pela primeira vez, as gêmeas tinham um pirulito colorido cada nas mãos. Petra quis tomar ambos de Lola e Sam. Por um doce, Petra passou a ser um ticket sem volta com direito a Coca-Cola quente descendo bem pelas gargantas de Lolita e Samantha. Assim foi por anos, até que o destino deu um jeitinho de afastá-las.
Alguns encontros aconteceram por puro deslize das Winsherburgs. Na verdade, Samantha era a mais distraída, enquanto que Lola identificava o perigo com muita distância, com tempo suficiente de mudar a rota antecipadamente.
Contudo, agora, ali, no escritório, não havia outra opção.
Ao menos estavam juntas e assim iriam enfrentar esse fantasma do passado. Fora que o primo Apollo também seria um anjo protetor. As irmãs se olharam, passando coragem, mas, simultaneamente engoliram em seco, quando direcionaram toda a atenção para Petra.
Com aquele ar de quem sempre se alimenta de pretextos, Petra passou os olhos por todo o escritório como que se aquilo fosse um monte de lixo e começou:
- Fiz questão de dar uma passada aqui nesse lugarzinho...
No estilo máximo de bruxa má e mergulhada no sarcasmo, Petra abriu um sorriso claramente diabólico e ainda bateu o indicador suavemente nas pontas dos narizes de Lola e Sam.
- Saibam que irei fiscalizar o trabalho de vocês. Meu noivo Helder Lee me designou a fazer esse meio de campo. Contei a ele o quão amigas de infância somos. Afinal, vocês me trataram tão bem aqui, da última vez, né?!, aproveitou para provocar as gêmeas.
Enquanto as Winsherburgs seguiam em total silêncio e com um sorriso amarelo estampado, Petra sentenciou:
- A partir de agora, receberei toda sexta-feira a programação de trabalho para a semana seguinte. Quem se habilita a cumprir esse primeiro trato?!
Apollo que pretendia mostrar a forma que trabalhavam ali, levantou a mão esquerda e antes que falasse qualquer coisa, foi interrompido pela nova chefe.
- Ah! Você. Combinado. Aqui está o meu cartão!, falou deixando o pedaço de papel sob a mesa enquanto dirigia-se até a porta. Mantinha a mão esquerda erguida na altura dos ombros e balançava os dedos sinalizando um adeus.
Assim que Petra sumiu por completo, Apollo suspirou e disse:
- É! Temos uma Miranda de “O Diabo Veste Prada” para chamar de nossa!
* * *
Lá fora a chuva caia forte. Cega, surda e muda. No quarto, sob a cama, Mary seguia inconsciente.
Ao abrir os olhos lentamente, notou a figura de uma linda mulher de voz suave que cantarolava uma canção de ninar quando acariciava seu rosto com muita delicadeza. Não era a mãe dela ou as irmãs mais velhas.
Serena, a mulher apenas sinalizou que estava tudo bem, sorriu e ergueu o dedo indicador em direção a testa da menina que começou a recobrar a memória.
- Temos que conversar! –falou baixinho a mulher misteriosa.
Confusa, Mary quis saber quem ela era.
- Sou Evangeline. Um anjo do Senhor. Fui enviada para proteger você de Azazel.
Mary não se contém e começa a rir enquanto responde:
- Que história é essa? Anjos só existem nos filmes e seriados. E eu lá conheço esse “Aza” alguma coisa aí?!
Sentando-se à beira da cama, Evangeline respira fundo e complementa em poucas palavras:
- Conhece e esteve com ele.
Mary ri novamente e dispara:
- Fala logo! Quem é você? Pensa que eu não sei o que quer de mim?
Evangeline segue suave na fala:
- Estou aqui porque a ordem celestial me ordenou. Você fez o ritual de invocação do prisma. Tentei alertar suas irmãs várias vezes para impedir que se colocasse em perigo, mas ninguém me deu ouvidos. Usei até uma blogueira de quem você é fã. Todas as três irmãs sempre perdidas em problemas pessoais, sem permitir que a sensibilidade aflorasse um pouquinho somente. Assumi essa forma em nome de cumprir essa missão e retornar ao meu verdadeiro propósito.
* * *
Quando o relógio marcava 17:57, na cozinha, Ellen começava a preparar a janta, pois Bernardo iria chegar. Tinham combinado de ter sorvete de passas ao rum e pistache de sobremesa.
* * *
Antes de anoitecer, Lola e Sam chegaram em casa. Como de costume foram ao quarto de Mary para dar um beijo na irmã mais nova. Somente após se aproximarem bem que notaram Evangeline. Era a mulher atropelada no dia do cinema, no hospital.
Lolita ficou incrédula a ponto de levar as mãos até a boca que estava aberta, enquanto que Samantha, cheia de atitude e grande jornalista investigativa, pergunta:
- Vocês se conhecem?! O que está acontecendo aqui?! Quem é você?
Erguendo o indicador em direção à testa de Lolita e depois de Samantha, Evangeline começa a repetir, calmamente, tudo o que disse a Mary.
Lolita, ainda sem acreditar no que acontecia ali, encheu Evangeline de perguntas novamente:
- Você tentou falar conosco pelo aparelho de som e celulares?! Depois assumiu essa forma, mas quando eu lhe atropelei, você simplesmente sumiu no hospital... Olha isso é muito papo-furado. De onde tirou essa história surreal?! Acha mesmo que vou acreditar...
A revolta de Lolita é bloqueada por um novo clarão e zunido alto que ecoou no quarto. Era Azazel.
- Olá, anjinha!, fala Azazel diretamente para Evangeline. E complementa tendo as mãos juntas:
- Que momento oportuno! Essas Winsherburgs e você, todas juntinhas. Sabe que não me importo se tiver que ser drástico, né, mensageira de boas notícias?!
Evangeline não responde, apenas se coloca diante das três Winsherburgs assumindo a posição de protetora.
- Você sabe que só tenho interesse nessa pequenininha, aí! Por que assume a guarda das outras?! Desnecessário, anjinha. Cedo ou tarde elas terão um destino trágico...
Escondida atrás da mensageira celestial, Mary segura firme a pedra, relembra tudo o que lhe foi dito pela protetora e toca nela para que inicie as orações em hebraico.
Azazel sorri e mostra ter o corpo fechado com o sinal da forma do Sol.
Sem cogitar qualquer reação, Azazel deu as costas, foi quando Mary encontrou coragem e força. Saiu muito rápido de trás de Evangeline e encostou o prisma no símbolo tatuado. Pequena e leve, o movimento da jovem foi tão ágil que ninguém foi capaz de entender o que acontecia. Assim, o encarregado de contar o número de faltas humanas foi enviado para o lugar de onde nunca deveria ter saído.
* * *
Naquela noite, Mary, Lolita, Samantha e Ellen assistiram juntinhas, no sofá grande da sala, os três primeiros episódios do seriado “The Big Leap”, enquanto que Bernardo assistia no quarto do casal “Batatinha-frita 1, 2, 3” de “Round 6”. É como diz a Dorothy: “Não há lugar igual a nossa casa!”.
Si pudiera exorcizarme de tu voz
Si pudiera escaparme de tu nombre
Si pudiera arrancarme el corazón
Y esconderme para no sentirme
Nuevamente
Ciega, Sordomuda, Shakira
.: Confira todos aqui o primeiro capítulo de "As Winsherburgs"!
*Mary Ellen Farias dos Santos é criadora e editora do portal cultural Resenhando.com. É formada em Comunicação Social - Jornalismo, pós-graduada em Literatura, licenciada em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos e formada em Pedagogia pela Universidade Cruzeiro do Sul. Twitter: @maryellenfsm
Assista em vídeo como história ilustrada
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