Por: Mary Ellen Farias dos Santos
- Não peguei nada!, grita Ellen tomada de uma fúria ainda desconhecida pelos Winsherburgs.
E como há uma primeira vez para tudo, Bernardo, que se preparava para tomar
banho, chega a se assustar, mas cansado do dia de trabalho, prefere esperar a
poeira baixar entre Mary e Ellen. Sabia bem que manter a distância ideal da
mulherada com os nervos em chamas era a melhor escolha.
Com resmungos indecifráveis, Mary
retrucava as sucessivas negativas da mãe sobre ter mexido na mochila dela. Assim,
mãe e filha foram se afastando e a altura da discussão diminuiu um pouco de
volume. Não o suficiente a ponto de fazer com que Lolita e Samantha que chegavam,
não ouvissem.
- Gente! Sem mais B.O.! Passamos por
uma agora na agência. Coisa do arco-da-velha. Estou querendo chorar por ter
reencontrado uma víbora do passado, falou Samantha em um tom mais alto,
enquanto unia as mãos como que pedindo por trégua.
Mas foi Lolita quem amenizou tudo: - Hoje
não é o fim do mundo! Trouxemos pizza!!
*
* *
Para Mary, tudo ocorreu numa
velocidade assustadora. Ela deixou a mochila escolar debaixo da cama, fechada,
foi ao encontro das amigas e quando voltou para casa, a pedra misteriosa a que
era devota, havia sumido.
Ninguém, além da própria Mary, sabia
onde estava o objeto brilhante.
Sem a pedra para idolatrar, a jovem
foi invadida por uma sensação de profundo vazio e desamparo. Trancada no
quarto, agarrou o ursinho Teddy enquanto deixava lágrimas escorrerem, o que a fez
adormecer ao som de “Anytime you need a friend”, de Mariah Carey.
Com uma sede intensa, no meio da
noite, acordou e precisou beber um copo e meio d´água com direito ao som de
satisfação, igual ao dos comerciais de bebidas e também muito usado numa
propaganda de pasta dental.
Ao retornar para o quarto, usando a
lanterna do celular como guia, um grande susto. A cama estava com os lençóis
esticadinhos e o ursinho posicionado milimetricamente ao centro.
Mary arregalou os olhos e logo os esfregou.
Resolveu se esforçar ao máximo para entender o que acontecera ali. Não queria
procurar a mãe no quarto com o pai para confirmar se ela havia arrumado a cama.
Naquele dia, as duas estavam falando somente o necessário. Não iria procurar
socorro para tirar tal dúvida, ainda mais que era madrugada.
Mesmo desconfiada, deitou-se e decidiu
manter a lanterna do celular acessa. Na esperança de se aquietar, pesquisou no
YouTube vídeos aleatórios para rir um pouco. Foi quando chegou num shorts do ator Tom Holland e o vídeo entrou
em modo repetição, seus olhos estavam fechando involuntariamente. Então, Mary
sentiu uma mão empurrar o celular para bem longe. Com o coração acelerado, abriu
os olhos e viu o aparelho ricochetear na parede, até chegar no chão. Boquiaberta
e apavorada, percebeu que a lanterna iluminava o cantinho da cômoda com a
parede.
Lá estava a pedra.
*
* *
No Colégio Santa Helena, Mary e
Tarissa voltavam da biblioteca cinco minutos após a quarta aula começar. E, por
puro azar, as duas foram flagradas pela diretora.
Elas trocaram olhares e fizeram cara
de anjinhas arrependidas. Bem gatinho do Shrek. Claro! Não queriam que o desvio
no horário de aula chegasse aos ouvidos de seus pais.
A duplinha ficou em silêncio e de mãos
para atrás, enquanto que a diretora lhes dava um sermão. Tanto Mary quanto
Tarissa não prestaram um pingo de atenção no que fora dito. Nana tinha feito
sobrancelhas pigmentadas. O procedimento ficara extremamente mal feito e
roubava toda a atenção do que ela falava.
*
* *
Longe de São Francisco de Assis, a exatos
mil quilômetros de distância, a blogueira Melinda relia a lenda muito conhecida
pelos moradores do litoral de Santa Bakhita que acabara de transcrever e iria
publicar para os seus seguidores. A lenda da musgravite branca.
De geração para geração, conta-se que diante da igreja matriz, onde hoje
é uma praça, em 1.801, os índios Potimbás encontraram uma pedra branca, do
tamanho de um punho masculino que foi mantida sob os cuidados do cacique
Anhanguera.
Certa noite, enquanto o pajé Toriba fazia os preparativos para o ritual
secreto, tendo a pedra firme nas mãos do cacique Anhanguera, garimpeiros iniciaram
um incêndio no povoado a fim de tomar a preciosidade que era única em todo o
globo terrestre.
Exterminados, os nativos das bordas litorâneas de Santa Bakhita seguiram
vivos somente na boca do povo, assim como a tal musgravite branca. Reza a lenda
de que o mineral se espatifou em meio à confusão. No entanto, mesmo com o fogo
consumindo o povoado, muitas partes da pedra não se perderam, embora ninguém
tenha conhecimento de tal raridade.
Melinda levantou-se e foi beliscar um
docinho na bomboniere que mantinha abastecida no móvel da sala. Nem mesmo se
passaram 20 minutos de texto publicado, deu F5 no computador e, dos comentários
enviados, um lhe chamou bastante atenção.
“Linda
Melinda, tudo bem?
Sou sua fã, admiradora e conheci o seu blog no início da pandemia. Não
preciso dizer, mas, é que eu virei sua fã Nº1. Acho até que vou ser jornalista,
igual a você e as minhas irmãs. Fiquei curiosa por essa história, mas sabe me
dizer se esse cristal tem algum poder?
Beijinhos mil,
Celeste”
*
* *
No céu já se via o crepúsculo quando os
primos Lolita, Samantha e Apollo encerraram o expediente e correram de carro
até o Cineflix do shopping da cidade para assistir "Free Guy: Assumindo o
Controle".
Animados pela sessão pipoca com lanche
no fast-food após, Apollo foi levado em casa pelas gêmeas que seguiam a viagem
tranquilamente. Faltavam dois quarteirões para chegarem em casa.
- Somos tão diferentes, mas não sei como viveria sem você, comenta Lolita enquanto Samantha
estoura a bola de chiclete que mastigava. Com uma troca de olhar, as duas caem
na risada.
- Mana, como vamos lidar com a Petra pegando nos nossos pés?!, continuou Lolita.
Samantha que tinha começado a cantar “Livin´
on prayer” a plenos pulmões, parou e disse:
- Mais um obstáculo que enfrentaremos juntos. Foco na história do Guy,
lá no filme. Vamos todos nós três correr naquela ponte. Juntos. Temos o Apollo
para nos dar um apoio. Então...
Antes que Lolita respondesse, as duas trocaram
um novo olhar de cumplicidade. Com o som do carro muito alto, as irmãs não se
dão conta de quando uma mulher cruza o meio da rua.
Lolita freia bruscamente, mas o veículo
derrapa.
* * *
It's not the end of the world
No, not the end of the world
Throw on your fancy attire, fears in the
fire
Don't lose hope
It's no funeral we're attending
Actually, just the beginning
Not the end of the world, Katy Perry
*~~~~ Capítulo 8: "As Winsherburgs" em "Doce Fantasia" ~~~~*
*Mary Ellen Farias dos Santos é criadora e editora do portal cultural Resenhando.com. É formada em Comunicação Social - Jornalismo, pós-graduada em Literatura, licenciada em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos e formada em Pedagogia pela Universidade Cruzeiro do Sul. Twitter: @maryellenfsm
Assista em vídeo como história ilustrada
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