terça-feira, 28 de setembro de 2021

.: "Anos de Chumbo e Outros Contos", de Chico Buarque, chega às livrarias


Em novo livro, Chico Buarque põe seu conhecido domínio da linguagem a serviço da concisão da forma. O resultado é arrebatador.

Já está em pré-venda o novo livro de Chico Buarque, "Anos de Chumbo e Outros Contos". A estreia na forma breve do autor de incontornáveis romances como Leite derramado e Essa gente chega às livrarias em 22 de outubro, mesma data de lançamento da edição especial comemorativa de 30 anos de "Estorvo", que traz textos de Roberto Schwarz, Sérgio Sant'Anna, Marisa Lajolo e Augusto Massi e projeto gráfico especial.

Uma jovem e seu tio. Um grande artista sabotado. Um desatino familiar. Uma moradora de rua solitária. Um passeio por Copacabana. Um fã fervoroso de Clarice Lispector. Um casal em sua primeira viagem. Um lar em guerra.

Imersos na elogiada atmosfera da ficção de Chico Buarque, caracterizada pela agudeza da observação e a oposição frequente entre o poético e o cômico, os oito contos que formam este volume conduzem o leitor pela sordidez e o patético da condição humana. Com alusões ocasionais à barbárie do presente, o autor ergue um labirinto de surpresas, em que o sexo, a perversidade, o desalento e o delírio são elementos constitutivos da trama.

Leia o texto de Alejandro Chacoff sobre "Anos de Chumbo e Outros Contos"

“No entanto, ser um artista detestável por fora o fazia se sentir intimamente mais limpo; ele às vezes suspeitava que se deixar amar por desconhecidos é uma forma de corrupção passiva.” A frase é dita pelo “grande artista” — codinome algo irônico, menos alter ego do autor do que evocação do símbolo nacional conflituoso que ele se tornou. O grande artista perde o seu passaporte um pouco antes de embarcar para Paris. Tem a sua identidade manuseada e escarrada por um desconhecido. Voltando ao banheiro do aeroporto para procurar o documento, fita-se no espelho com um misto de angústia e nostalgia, “bem no momento em que estava envelhecendo”.

Edward Said era refratário ao truísmo de que o estilo tardio de grandes artistas (aqui o termo é sem aspas) produz reconciliação ou um senso de serenidade. Casos como o de Ibsen, que no fim da vida escrevia peças cada vez mais irresolutas, eram o tipo de estilo tardio que mais lhe interessava — o da intransigência, do ímpeto de ruptura e autoexílio que deixa leitores ansiosos e complica uma obra que já parecia resolvida. Em Anos de chumbo, sua nova coleção de contos, Chico Buarque parece flertar com essa segunda tradição. O simbolismo da perda e manuseio de sua identidade — tão bem executado em “O passaporte” — não diz respeito apenas à posição ingrata de ser um receptáculo de projeções alheias, mas reflete também uma espécie de reinvenção. A sinuosidade veloz do conto e os truques elegantes da forma servem como uma luva a um estilo tardio mais seco e desencantado, em que idílios aparentes — o tio levando a sobrinha para passear na praia; o encontro de primos viciados em futebol a cada verão — revelam sempre algo mais sombrio.

A reinvenção talvez sirva para impor certa distância, ou causar algum desconforto naqueles que julgam conhecer Buarque profundamente, seja como pessoa seja como ficcionista (o seu sobrenome me soa agora estranhamente formal, tão acostumados estamos a nutrir uma falsa intimidade chamando-o por seu primeiro nome). Em “Para Clarice Lispector, com candura”, um dos contos mais potentes da coleção, o autor narra a história de um jovem aspirante a poeta que um dia é convidado à casa de sua escritora favorita. A assimetria meio trágica do encontro e a catalisação do delírio mostram os riscos embutidos em se deixar seduzir por uma imagem. Uma pergunta que tanto o conto como o livro suscitam é o que ocorre quando um país inteiro — metade numa direção, metade em outra — se deixa levar por esse tipo de sedução.

Mas "Anos de Chumbo" não é um autorretrato elíptico, tampouco um livro de ruptura ou um acerto de contas. Pois há muita força também em suas continuidades: a atmosfera melancólica de ficções anteriores persiste, e há espaço até para a ternura — “Cida”, sobre a amizade sincera e ao mesmo tempo superficial entre um morador do Leblon e uma moradora de rua, tem algo de atemporal, assim como muitos outros contos que prescindem de datas. O grotesco se revela um pouco mais, mas o autor mostra que o nosso instinto de tratá-lo com naturalidade — de banalizá-lo para melhor digeri-lo — é bem mais longevo e difícil de localizar no tempo. Num ambiente literário cheio de apocalipses estrondosos, Buarque evoca o presente sombrio com alguns deslocamentos sutis, seguindo a máxima dos grandes contistas: a de extrair o máximo de efeito com o mínimo de movimento. Anos de chumbo são estes nossos.


Serviço:
"Anos de Chumbo e Outros Contos", de Chico Buarque

Lançamento: 22 de outubro de 2021
Páginas: 168

"Estorvo - Edição Comemorativa de 30 Anos", de Chico Buarque
Lançamento: 22 de outubro de 2021
Páginas: 208 páginas


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