No cair da
noite, Bernardo voltou para casa, após um dia de muito trabalho. Como era dia de
pagamento, trouxe uma surpresinha para Mary –o que já era um costume de há pelo menos uns três anos.
O que estava
dentro do embrulho? Uma nova presilha de cabelos. Pai e filha conversaram sobre
o videoclipe de Katy Perry: Electric. Pois é... Papai Winsherburg é fã número um
de Pokemón. No entanto, o assunto terminou quando Ellen os chamou para que
jantassem. Lolita e Samantha estavam também em casa.
De volta ao
quarto, quando o relógio marcava além do horário de dormir, a jovem Winsherburg
ainda ria dos vídeos cômicos que Juliette fazia especialmente para o grupo das
amigas no WhatsApp. Depois das dicas e aprovação das outras três meninas é que Juju
publicava nas redes sociais. E não é que com aquelas bobeiras ela estava
ficando famosinha?!
Entre um vídeo
e outro ou uma risada aqui e outra acolá, Mary ouviu sussurros ao pé do ouvido.
Curvou as sobrancelhas e sem se dar conta, passou a mão esquerda pelo ouvido,
como que para afastar o que a incomodava. Nada.
Estava com a
nítida sensação da presença de outra pessoa extremamente perto. Para Mary era
certeza que Lolita estava escondida debaixo da cama dela para fazer uma
pegadinha.
Foi certeira. Olhou
debaixo da cama como quem pega alguém com a boca na botija. Nada.
Chamou pelo
pai. Sem resposta.
Respirou fundo
e sentou-se na beirada da cama, olhou detalhadamente ao redor. Nada.
Involuntariamente
resmungou um “Credo”.
Deixou o
celular na manta macia para pegar a bolsa da escola que guardava debaixo da
cama. Vasculhou entre o material escolar e agarrou a pedra misteriosa numa mão.
Acariciou o material brilhante até adormecer.
Espalhada pela
cama grande, tranquila, Mary sonhava com um lindo carrossel. Estava no extinto Playcenter,
lugar em que amava passar o dia com a família. Reencontrou atrações e gargalhou
com as irmãs, quando toda aquela felicidade virou medo absoluto. Sozinha, no
parque já de noite, ela gritou desesperadamente, mas a voz não saia. Uma figura
sombria estaciona diante dela e com rapidez a encobre com um grande manto
preto.
Mary ouve gritos
ao longe. A jovem acorda. Era Ellen quem a chamava para levantar logo da cama e
irem juntas à escola.
* * *
Com o término
da aula do professor Cláudio, Mary e Tarissa foram ao banheiro do térreo, da
escola de três andares, para dar uma arrumadinha nos cabelos, já que maquiagem
ali era terminantemente proibida. No caminho, a mais nova Winsherburg foi
direta e reta com a amiga.
- Tari,
Tarissinha, confessa para mim. Tu tem um crush
no profe Cláudio, né? Aquele corte de
cabelo cai super bem nele. Bom gosto o seu. Ele é lindão, amiga!
A amiga da
Winsherburg fechou a cara e lançou um olhar ameaçador que se assemelhava ao da
Feiticeira Escarlate diante de Agatha Harkness e não soltou um “A” que fosse.
Tarissa tentou ao máximo manter o
silêncio, mas não foi capaz de segurar a compostura com a amiga tagarela e
muito barulhenta.
- Mary, pare
com isso!, gritou.
- Calma! Não é
uma relação séria. É só ter um crush!,
replicou a jovem Winsherburg.
Tarissa continuou
calada até empurrar a porta do banheiro da escola. Entrou e se posicionou no
habitual cantinho da pia, em que na parede ficava o rolo de papel toalha. Mary
veio na sequência e, antes de se posicionar ao lado, diante do espelho com a
amiga, como sempre fazia, olhou para o final do corredor com blocos de vidro.
Ficou
estática.
Ao ver a falta
de atitude da amiga, mesmo tendo parte da cena refletida no espelho do banheiro,
Tarissa parou de escovar os cabelos.
Mary permaneceu
sem se mover.
Desesperada, Tarissa
jogou a escova na pia e virou-se para a amiga. Respirou fundo, olhou para a
mesma direção. Nada viu.
Assustada com
aquilo, chamou a amiga pelo nome incessantemente e ao sacudi-la, o estado de
transe se findou.
Mary olhou fixamente
para Tarissa e somente pode deixar algumas lágrimas escorrerem, quentes, pelo
rosto. Com um fim de voz ainda conseguiu perguntar:
- Você viu
também?
Confusa e sem a
chance de uma mínima reação, Tarissa viu Mary escorrer de suas mãos, desmaiada.
* * *
Na agência de
roteiros, Lolita estava sozinha, pois Apollo e Samantha tinham ido buscar donuts e refrigerante na nova Cafeteria
Felicidade. Ela, empenhada em dar o toque final no texto encomendado pelo site
“Sim, Não, Quem Sabe”, sobre as relações em tempos de redes sociais, ouviu uma
voz feminina chamar seu nome.
Era de um modo
rápido e passava certo desespero.
De pronto, ela
concluiu ser alguma amiga de Mary. E pensou:
- Lá vem a
Mary com as amiguinhas para nos pregar uma peça. Já passamos da idade. Será que
não percebem que temos que trabalhar?!
No entanto, a
existência de qualquer dúvida a respeito de uma pegadinha foi extinta. O
chamamento vinha do aparelho:
- Lolita!
Lolita! Lolita!
Apavorada, ela
puxou o aparelho da tomada, o que não adiantou muito.
- Lolita!
Lolita! Lolita!
Lola aproximou
um ouvido do som e tudo cessou.
- Lola, você está
maluca! Maluquinha..., disse baixo para si.
Foi quando a
voz completou:
- Eu preciso
falar...
A sequência
veio com um silêncio absoluto e um toque do celular.
Era Ellen!
Assombrada,
mas sem tremer a voz, Lola atendeu a chamada de vídeo. Parecia que nada tinha
acontecido.
- Fala, mãe!
Tudo bem por aí?
- Sim, minha
Lolinha! É que estou com vontade de comer pizza. O que acha de encomendar
daquela à moda da casa, de lá do Valcides?
- Adoro a
ideia, mãe! Já encomendou? Quer que eu busque quando fizer o caminho para casa?
Com um sorriso
de orelha a orelha, Ellen respondeu:
- Era
exatamente isso o que eu iria lhe pedir, anjinho!
- Dona Ellen
eu lhe conheço muito bem, embora seja mais nova do que a senhora.
As duas riram,
mas um som estridente cortou a ligação. Vinha do aparelho. Ellen, como toda mãe
zelosa, ainda que a distância, chamou por Lola.
- Calma, mãe!
É que parece ter um alien preso nesse
som da vovó. Vou resolver esse probleminha e busco as pizzas. Sozinha e levemente
transtornada, Lola é surpreendida por Apollo e Samantha que adentram a agência com
guloseimas escolhidas a dedo por Samantha, quem amava passar o dia comendo
besteiras.
- Olha só o que
e quem trouxemos, maninha!
Lola disparou:
- Helder Lee?!
* * *
Com o rosto
molhado por Tarissa, Mary despertou com a respiração agitada e disse: - Eu vi a
verdadeira face do mal!
* * *
In
the dark when you feel lost
Wanna
be the best but at what cost?
If
you're gonna stay here
Nothing's
ever changing, no
Big
world, gotta see it all
Gotta
get up even when you fall
There's
no point in waiting, no
Eletric, Katy Perry
*~~~~ Capítulo 5: "As Winsherburgs" em "Isso é tudo que eu sei até agora" ~~~~*
*Mary Ellen Farias dos Santos é criadora e editora do portal cultural Resenhando.com. É formada em Comunicação Social - Jornalismo, pós-graduada em Literatura, licenciada em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos e formada em Pedagogia pela Universidade Cruzeiro do Sul. Twitter: @maryellenfsm
Assista em vídeo como história ilustrada
0 comments:
Postar um comentário
Deixe-nos uma mensagem.