segunda-feira, 19 de julho de 2021

.: "Políticas da Imagem": lançamento de Giselle Beiguelman na Ubu


A editora Ubu lança em agosto o livro "Políticas da Imagem - Vigilância e Resistência na Dadosfera", da professora da FAU-USP e artista Giselle Beiguelman. Neste novo livro, Beiguelman discute o estatuto da imagem no mundo contemporâneo e o surgimento de um regime de vigilância. O título sai pela coleção "Exit", que reúne reflexões sobre fenômenos atuais.

As imagens tornaram-se as principais interfaces de mediação do cotidiano, ocupando a comunicação, as relações afetivas, a infraestrutura, as estéticas da vigilância e os sistemas de escaneamento dos corpos na cidade. Ao falar em políticas da imagem, a autora defende que as imagens são, para além de lugar da transmissão de ideias e linguagens, o próprio campo das tensões e disputas políticas da atualidade.

Beiguelman associa a invenção e a distribuição massiva de smartphones a um novo regime de vigilância, não mais instituído pelo Estado, mas resultado da captação sistemática de dados pessoais, oferecidos deliberadamente pelos usuários às plataformas de mídias sociais – a dadosfera. A incontável produção de imagens nos feeds e stories de redes sociais, câmaras de vigilância e registros oficiais configuram, segundo ela, uma nova estética da vigilância.

Imagem digital, selfies, memes, aplicativos de envelhecimento da imagem, waze e google maps, vídeos deep fakes, escaneamento corporal, a internet das coisas, máquinas de reconhecimento facial, inteligência artificial, projeções de protesto em empenas nas cidades, censura digital, todas essas novidades do mundo contemporâneo são analisadas por Giselle Beiguelman para descrever (e ao mesmo guiar o leitor a reconhecer no mundo a sua volta) o papel da imagem nas relações sociais hoje.

Sobre a autora
Giselle Beiguelman nasceu em São Paulo, em 1962. Formou-se em história na FFLCH-USP em 1984 e doutorou-se em história social pela mesma instituição em 1991. Atua como artista e professora livre-docente da FAU-USP. Promove intervenções artísticas no espaço público e com mídias digitais. Entre seus projetos recentes, destacam-se "Memória da Amnésia: Políticas do Esquecimento" (2015), "Odiolândia" (2017), "Monumento Nenhum" (2019) e "nhonhô" (com Ilê Sartuzi, 2020). 

Foi curadora do projeto "Arquinterface: a Cidade Expandida pelas Redes" (2015). É membro do Laboratório para Outros Urbanismos (FAU-USP) e do laboratório interdisciplinar Image Knowledge, da Humboldt-Universität zu Berlin, e coordenadora do Gaia (Grupo de Arte e Inteligência Artificial do Inova–USP). Suas obras integram acervos de museus no Brasil e no exterior, como o ZKM e o Jewish Museum Berlin, na Alemanha; o Latin American Colection – Essex University, na Inglaterra; o Yad Vashem, em Israel; e o MAR, o MAC-USP e a Pinacoteca de São Paulo, no Brasil. 

Recebeu da Associação Brasileira dos Críticos de Arte o Prêmio ABCA 2016, na categoria Destaque. Suas pesquisas abordam a produção e a preservação de arte digital, arte e ativismo na cidade e as estéticas da memória no mundo contemporâneo. Foi editora-chefe da revista Select de 2011 a 2014 e é colunista da Rádio USP e da revista Zum. Site: desvirtual.com.


Trechos selecionados

"Um outro paradigma de consumo e produção está se montando e evidenciando que as imagens deixaram de ser planos emolduráveis. Transformaram-se nos dispositivos mais importantes da contemporaneidade, espaço de reivindicação do direito de projeção do sujeito na tela, subvertendo os modos de fazer (enquadrar, editar, sonorizar), mas também os modos de olhar, de ser visto e supervisionado."

"A economia liberal dos likes, e suas fórmulas de sucesso, tende a homogeneizar tudo que produzimos e vemos. Padroniza ângulos, enquadramentos, cenas, estilos. O que está por trás disso são os critérios de organização dos dados para que sejam mais rapidamente 'encontráveis' nas buscas e os modos como os algorítmicos contextualizam os conteúdos nas bolhas específicas a que pertencemos (algo que não controlamos e que nos controla)."

"Nas redes sociais, as imagens aparecem atreladas ao lugar e à hora em que são produzidas, e são contextualizadas pelos seus algoritmos, em relação a um determinado grupo e segundo padrões internos dos arquivos digitais. É nesse ponto que a cultura do compartilhamento se cruza com a cultura da vigilância."

"A lógica da vigilância passa a operar segundo um novo paradigma. A ameaça não é mais a de sermos capturados por um olho onipresente do tipo Big Brother. Mas o reverso, o medo de não sermos visíveis e desaparecermos"

"A Amazon implantou [um] tipo de câmera em seus depósitos para monitorar o contágio [da Covid-19] entre seus funcionários. Ela funciona como um porteiro eletrônico. Caso o indivíduo esteja com febre, não entra. O corpo transforma-se, assim, na senha do novo normal."

"Imagine a seguinte situação. Você é cliente de uma loja onde experimentou várias roupas. A loja usa etiquetas invisíveis de RFID [identificação por radiofrequência] nas peças que vende. Meses depois, você volta a essa mesma loja e uma tela lista, automaticamente, todos os produtos de que você pode vir a gostar. E se você gostar de alguma coisa, não precisará sequer passar seu cartão de crédito no caixa. Suas informações já estão no banco de dados e sua roupa nova será debitada automaticamente."

"Toda imagem digital é potencialmente não humana, carregando uma série de camadas e informações que são legíveis apenas por máquinas. E é esse reduto inalcançável aos olhos e à linguagem humana que dá à visão computacional o poder de interferir no cotidiano, determinando o acesso a lugares, por meio de reconhecimento facial ou mapas de calor, na obtenção de um emprego, por meio de leitura da íris, e na prevenção da probabilidade de um delito, através do sensoriamento dos seus movimentos e informações dispersas em incontáveis bancos de dados."

"Como se sabe, computadores não enxergam. Os conteúdos visuais são mapeados pelas palavras que os descrevem e pelo reconhecimento de alguns padrões, como linhas, densidades e formas. Esses padrões designam, por exemplo, o que supostamente são seios, nádegas e pênis nas fotos que postamos na internet. Podem, por isso, funcionar como primeiro operador da censura das imagens nas redes sociais, fato que vem se tornando cada vez mais corriqueiro."

"Quanto mais o discriminador aprende a reconhecer as imagens falsas, mais o gerador aprende a enganá-lo. Essa é a receita por trás de um vídeo deepfake e o que explica a razão de celebridades e personalidades públicas serem mais vulneráveis que outros usuários das redes a se transformar em protagonistas de um vídeo 'profundamente falso'. A quantidade de imagens disponíveis on-line dessas pessoas é muito maior que a de outros usuários, fornecendo mais dados para o aprendizado de seus gestos, expressões faciais e fala."

"Esse universo de relações sociais que está na base das IAs [inteligências artificiais] esclarece que a suposta misoginia e o racismo dos algoritmos têm dimensões humanas e políticas incontestes. O tema é de extrema importância e urgência. Conforme se expandem os sistemas de visão computacional, seus algoritmos podem impor novas modalidades de exclusão, determinando o que é ou não visível para nós, nas bolhas dos aplicativos e socialmente."

"Antes que se comece com os argumentos de que não há nada de novo nisso, que o stalinismo fez vasto uso de fotos adulteradas, que o nazismo e o fascismo fraudaram inúmeras outras e que depois do Photoshop ninguém mais se surpreende com manipulações de imagens, é bom frisar: o deepfake não é colagem, tampouco edição e dublagem. O deepfake é imagem produzida algoritmicamente, sem mediação humana no seu processamento, que utiliza milhares de imagens estocadas em bancos de dados para aprender os movimentos do rosto de uma pessoa, inclusive os labiais e suas modulações de voz, para prever como ela poderia falar algo que não disse."

"Pandemia global, a Covid-19 é também uma pandemia de imagens. Nela se consolidou um novo vocabulário visual, fundado em estéticas da vigilância e da extroversão da intimidade, cruzando a aceleração do cotidiano, pela digitalização da vida, com a perda de horizontes plasmada pela resiliência da Covid-19."

"Ao longo de toda a campanha eleitoral, diante das (próprias) câmeras, o candidato Bolsonaro ria, ficava sério, desafiava 'a mídia', preparava o pão com leite condensado do seu café da manhã, ia ao açougue e fazia churrasco. Aparecia no barbeiro, posava com a filha, descansava no sofá e compartilhava mimos recebidos de seguidores anônimos. De camiseta esportiva, shorts, e mesmo de terno e gravata, já no posto de presidente, ele não fala com seu eleitor, ele o exprime. E, ao exprimi-lo, transforma-o em um herói, convidando o eleitor a eleger-se a si próprio."


Ficha técnica
Livro: 
"Políticas da Imagem - Vigilância e Resistência na Dadosfera"
Autora: Giselle Beiguelman
Coleção:
Exit
Páginas: 224
Editora: Ubu
Link na Amazon: https://amzn.to/3ewgg8X



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