Em homenagem aos cem anos da morte de João do Rio, site organizado pela jornalista Cristiane d'Avila disponibiliza, em acesso livre, textos inéditos do repórter e cronista. São arquivos digitais da coluna Bilhete do jornal A Pátria, fundado por ele meses antes de sua súbita morte, em 23 de junho de 1921. As 52 colunas estão transcritas, organizadas por data de publicação e podem ser consultadas por ano, mês e palavras-chave. Você pode conferir os textos no site: https://www.bilhetesdejoaodorio.com.br.
João do Rio, pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1881 - 23 de junho de 1921) foi um jornalista, cronista, tradutor e teatrólogo brasileiro. Considerado um pioneiro da crônica-reportagem, ele era membro da Academia Brasileira de Letras.
Filho de Alfredo Coelho Barreto, professor de matemática e positivista, e da dona de casa Florência dos Santos Barreto, Paulo Barreto nasceu na rua do Hospício, 284 (atual rua Buenos Aires, no Centro do Rio de Janeiro). Estudou Português no Colégio São Bento, onde começou a exercer seus dotes literários, e aos 15 anos prestou concurso de admissão ao Ginásio Nacional (hoje, Colégio Pedro II).
Em 1º de junho de 1899, com 17 anos incompletos, teve seu primeiro texto publicado em O Tribunal, jornal de Alcindo Guanabara. Assinado com seu próprio nome, era uma crítica intitulada Lucília Simões sobre a peça "Casa de Bonecas" de Ibsen, então em cartaz no teatro Santana (atual Teatro Carlos Gomes).
Prolífico escritor, entre 1900 e 1903 colaborou sob diversos pseudônimos com vários órgãos da imprensa carioca, como O Paiz, O Dia, Correio Mercantil, O Tagarela e O Coió. Em 1903 foi indicado por Nilo Peçanha para a Gazeta de Notícias, onde permaneceu até 1913. Foi neste jornal que, em 26 de novembro de 1903, nasceu João do Rio, seu pseudônimo mais famoso, assinando o artigo "O Brasil Lê", uma enquete sobre as preferências literárias do leitor carioca. E, como indica Gomes (1996, p. 84), "daí por diante, o nome que fixa a identidade literária engole Paulo Barreto. Sob essa máscara publicará todos os seus livros e é como granjeia fama. Junto ao nome o nome da cidade".
E é como João do Rio que assina o texto do magnífico álbum sobre o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, lançado pela Photo Musso em 1913. Ali divergiu de seu amigo e colega teatrólogo Arthur Azevedo, ao elogiar o pano de boca do Theatro, pintado por Eliseu Visconti, obra cuja concepção havia sido ferozmente atacada por Arthur Azevedo antes de sua morte, em 1908.
Paulo Barreto, jornalista
Segundo seus biógrafos, ao profissionalizar-se, Paulo Barreto representou o surgimento de um novo tipo de jornalista na imprensa brasileira do início do século XX. Até então, o exercício do jornalismo e da literatura por intelectuais era encarado como "bico", uma atividade menor para pessoas que possuíam muitas horas vagas à disposição (como funcionários públicos, por exemplo). Paulo Barreto move a criação literária para o segundo plano e passa a viver disso, empregando seus pseudônimos (mais de onze) para atrair diversos públicos e leitores. Foi diretor da revista Atlantida (1915-1920) e colaborou na revista Serões (1901-1911).
As Religiões no Rio
Entre 22 de fevereiro e abril de 1904, realizou uma série de reportagens intituladas "As Religiões no Rio", que além de seu caráter de "jornalismo investigativo", constituem-se em importantes análises de cunho antropológico e sociológico, cedo reconhecidas como tal, particularmente no tocante as quatro matérias pioneiras sobre os cultos africanos na Pequena África, que antecedem em mais de um quarto de século as publicações de Nina Rodrigues sobre o tema (além de que, a obra de Rodrigues ficou praticamente restrita aos círculos acadêmicos baianos).
Estudiosos apontaram semelhanças entre "As Religiões do Rio" e o livro "Les Petites Réligions de Paris" (1898), do francês Jules Bois. Todavia, a semelhança parece estar muito mais na ideia geral (uma investigação sobre as manifestações religiosas minoritárias numa grande cidade) do que no plano da realização formal.
A série de reportagens despertou tamanha curiosidade que Paulo Barreto a publicou em livro, tendo vendido mais de oito mil exemplares em seis anos. A proeza é ainda mais impressionante levando-se em conta o restrito público leitor da época, num país com elevadas taxas de analfabetismo.
Alguns biógrafos criticam o cronista pelo fato de que, ao perceber o filão representado pela publicação de coletâneas (algo que se tornaria comum na segunda metade do século XX), Paulo Barreto tenha descoberto uma "fórmula" para inflacionar a própria bibliografia. Todavia, uma análise das coletâneas publicadas ao tempo de sua curta vida repele tal afirmação. Primeiro, ele fazia uma seleção dos textos que iriam ser publicados; e, segundo, os textos selecionados possuíam unidade entre si, concordante com o título geral da obra e previamente justificados por um parágrafo introdutório.
Paulo Barreto, imortal
Eleito para a Academia Brasileira de Letras em sua terceira tentativa, em 1910, Paulo Barreto foi o primeiro a tomar posse usando o hoje famoso "fardão dos imortais". Anos depois, com a eleição de seu desafeto, o poeta Humberto de Campos, ele se afastou da instituição. Conta-se que, quando informada de sua morte, a mãe avisou expressamente que o velório não poderia ser feito lá, pois o filho não aprovaria a ideia.
Paulo Barreto, homossexual
A orientação sexual de Paulo Barreto desde cedo constituiu-se em motivo de suspeita (e posteriormente, de troça) entre seus contemporâneos. Solteiro, sem namorada ou amante conhecidas, muitos de seus textos deixam transparecer uma inclinação homoerótica bastante explícita. As suspeitas praticamente se confirmaram quando ele se arvorou em divulgador na terra brasileira, da obra do "maldito" Oscar Wilde, de quem traduziu várias obras.
Figura ímpar, que se vestia e se comportava como um "dândi de salão" (Rodrigues, 1996, p. 239), Paulo Barreto jamais ousou desafiar os estereótipos com os quais a sociedade rotula os homossexuais. Todavia, ao se propôr a defender novas ideias nos campos político e social, sua figura "volumosa, beiçuda, muito moreno, lisa de pelo" (como registrou Gilberto Amado) tornou-se um alvo perfeito para toda sorte de ataques, dentre os quais se destaca Humberto de Campos.
É nesse contexto que se insere seu suposto "flirt" com Isadora Duncan, que se apresentou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1916. Duncan e Barreto já haviam se conhecido anteriormente, em Portugal, mas foi somente durante a temporada no Rio que se tornaram íntimos. O grau dessa intimidade é um mistério. Especula-se que tudo poderia não ter passado de uma "jogada de marketing" para atrair a atenção da imprensa, embora outras fontes citem um suposto diálogo em que a bailarina teria interpelado Barreto sobre sua pederastia, ao que ele teria respondido: "Je suis très corrompu" ("Sou muito corrompido").
Paulo Barreto, paladino
Em 1920, Paulo Barreto fundou o jornal A Pátria (chamado ironicamente de A Mátria por seus detratores), no qual buscou defender os interesses dos "poveiros", pescadores lusos oriundos em sua maioria de Póvoa de Varzim, e que abasteciam de pescado a cidade do Rio de Janeiro. Ameaçados por uma lei de nacionalização do governo brasileiro, que exigia que a pesca fosse exercida apenas por nacionais, e os obrigava a naturalizar-se para poder continuar na profissão, os "poveiros" entraram em greve.
A atividade de Barreto em prol da colônia portuguesa granjeou-lhe grande quantidade de inimigos, um sem-número de ofensas morais ("manta de banha com dois olhos" foi uma das mais leves) e até mesmo um covarde episódio de agressão física, quando, surpreendido enquanto almoçava sozinho num restaurante, foi surrado por um grupo de nacionalistas.
A morte de João do Rio
Obeso, Paulo Barreto sentiu-se mal durante todo o dia 23 de junho de 1921. Ao pegar um táxi, o mal-estar aumentou e ele pediu ao motorista que parasse e lhe trouxesse um copo d'água. Antes que o socorro chegasse, no entanto, ele faleceu, vítima de um enfarte do miocárdio fulminante.
A notícia de que João do Rio havia morrido espalhou-se por toda a cidade rapidamente. Estima-se que cerca de 100 mil pessoas tenham comparecido para o último adeus ao escritor que certa feita, sob o pseudônimo de Godofredo de Alencar, havia registrado sua opção preferencial pela diversidade: "Nas sociedades organizadas interessam apenas: a gente de cima e a canalha. Porque são imprevistos e se parecem pela coragem dos recursos e a ausência de escrúpulos." (Gomes, 1996, p. 29).
Homenagens póstumas
Os restos de João do Rio encontram-se sepultados em uma magnífica tumba de mármore italiano e bronze, erguida por ordem de sua mãe, no Cemitério de São João Batista, no bairro de Botafogo. Também por ordem de sua mãe, a biblioteca de João do Rio foi doada ao Real Gabinete Português de Leitura, onde ainda hoje pode ser vista uma placa comemorativa do ato. O túmulo de João do Rio é considerado um dos mais belos trabalhos de arte funerária no Rio de Janeiro e atrai muitos visitantes.
O nome Paulo Barreto batiza uma rua inexpressiva no mesmo bairro de Botafogo. Como apontou Graciliano Ramos, "a homenagem que lhe tributaram é modesta: ofereceram-lhe uma rua curta" (Gomes, 1996, p. 11). A Póvoa de Varzim, em Portugal, também deu o seu nome a uma pequena rua mesmo no centro da cidade, junto à Câmara Municipal. Em Lisboa, Portugal, o seu nome foi dado a uma praça onde se encontra um pequeno monumento em sua honra contendo as suas seguintes palavras: "Nada me devem os portugueses por amar e defender portugueses, porque assim amo, venero e quero duas vezes a minha pátria". João do Rio é patrono da cadeira número 34 da Academia Irajaense de Letras e Artes (AILA) ocupada pelo escritor e poeta acadêmico Agostinho Rodrigues, fundador da entidade, em 1993.
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