A edição em capa dura de "Perto do Coração Selvagem", lançada pela editora Rocco, inaugura a série "Clarice Essencial" e dá continuidade às comemorações do centenário de Clarice Lispector. Assim como toda a obra da escritora, reeditada para a comemoração de seu centenário, a nova edição de "Perto do Coração Selvagem" também conta com projeto gráfico do consagrado designer Victor Burton, já o desenho de capa é um retrato de Alfredo Ceschiatti, reconhecido por sua colaboração com Oscar Niemeyer na realização de diversos monumentos públicos de Brasília.
O posfácio é de Nádia Battella Gotlib, uma das maiores especialistas na obra da escritora. O romance "Perto do Coração Selvagem" foi a estreia literária de Clarice Lispector, quando a autora tinha apenas 22 anos de idade, e causou grande impacto, suscitando artigos elogiosos de críticos e escritores. Esse foi um ano fundamental na vida de Clarice, além de publicar o primeiro livro, ela obteve a cidadania brasileira, casou-se e diplomou-se em Direito.
A leitura é caleidoscópica. A protagonista ora tem uma cor, ora outra, conforme o momento (“real” ou onírico). As cores dançam no enredo misturado ao cenário e às sensações da menina-mulher-amante. Joana desfila na vida dos outros personagens, destilando o veneno de víbora, instilado com ironia e respostas cruéis diante dos fatos. A leitura também é lúdica, quando o leitor tenta adivinhar o que a autora preparou páginas adiante e se surpreende com o que presencia.
O primeiro romance de Clarice Lispector
O surgimento de "Perto do Coração Selvagem", em 1943, causou grande impacto no cenário literário brasileiro, proporcionando à autora aclamação imediata da crítica e de seus colegas escritores. Houve quem encontrasse no livro a influência de Virginia Woolf, ao passo que outros apostavam em James Joyce, seguindo a falsa pista da epígrafe da qual Clarice pinçou seu título: “Ele estava só. Estava abandonado, feliz, perto do coração selvagem da vida”.
Ambos os grupos estavam errados, apesar do uso do fluxo de consciência pela escritora estreante a justificar tais correlações. Ocorre, no entanto, que esse havia sido um achado natural e espontâneo para Clarice Lispector, que admitiu como única influência neste caso "O Lobo da Estepe", de Hermann Hesse. Não em termos estilísticos tampouco por se identificar com o caráter do protagonista, mas sim por compartilhar com ele e, sobretudo, com Hesse, o desejo imperioso de romper todas as barreiras e ultrapassar todos os limites na busca da própria verdade interior.
Anseio personificado pela personagem central, Joana, com uma expressão que se tornou célebre: “Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome”. Íntima e universal, destemida e secreta, Joana “sentia o mundo palpitar docemente em seu peito, doía-lhe o corpo como se nele suportasse a feminilidade de todas as mulheres” e ela destoava do sistema patriarcal em que se encontrava inserida da mesma forma que Clarice se distanciava da literatura de seu tempo, ainda dominada pelo regionalismo e o realismo.
Ambas, autora e protagonista, eram forças divergentes, porém não dissonantes, já que introduziam uma nova musicalidade, uma harmonia própria, poética e triunfal, na aspereza circundante, enquanto buscavam “o centro luminoso das coisas” sem hesitar em “mergulhar em águas desconhecidas”, deixando o silêncio e partindo para a luta. Deste embate à beira do íntimo abismo, Joana torna-se uma mulher completa e Clarice, uma escritora singular e inimitável.
Ficha técnica
Livro: "Perto do Coração Selvagem"
Autora: Clarice Lispector
Encadernação: capa dura
Formato: 14,5 x 21,5 x 1,3
Páginas: 208
Editora: Rocco
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