quinta-feira, 24 de junho de 2021

.: "Colônia", do Canal Brasil, é a voz de antepassados que ainda tentam calar

Por: Mary Ellen Farias dos Santos


"Colônia", nova série em 10 episódios, do Canal Brasil, é uma produção brasileira impressionante, principalmente pela forma precisa que apresenta o tipo de história que a sociedade sempre fez questão de esconder bem debaixo do tapete ou esquecer completamente. O seriado que estreia dia 25 de junho, é protagonizado por uma mocinha linda e de família chamada Elisa (Fernanda Marques), quem leva o público para 1971 e para dentro da verdadeira história do hospital que dá o nome do seriado.

Filha do fazendeiro Júlio (Henrique Schafer), Elisa, de rosto angelical, tal qual princesa Disney, engravida do namoradinho e se recusa a seguir com um casamento arranjado pelo pai. Qual a única solução perfeita para o patriarca? Interná-la no hospício como esquizofrênica. Sem defesa de Antonieta, a mãe (Rafaela Mandelli), segue para Barbacena no "Trem de Doido", quando conhece Gilberto (Arlindo Lopes). Por que os dois estão lá? É exatamente esse o ponto que fortalece a trama. 

O lugar que fica em Minas Gerais, reúne os excluídos, ou seja, é um depósito dos que não se enquadravam na sociedade. Tal qual a essência da criação do Brasil quando Portugal largava aqui seus degredados. No Colônia, há jovem grávida antes do casamento ou do patrão, alcólatra, homossexual, deficiente, prostituta, guerrilheiros entre outros. 

Consciente de estar ali devido a gravidez e o não aceite do casamento com um idoso, Elisa, não é o tipo de protagonista boba, permanece no sonho de liberdade e luta para fazer acontecer. No compasso que a história do mocinha se desenrola a cada novos 20 e poucos minutos de episódio, as reviravoltas fazem o público roer as unhas, vibrar com o desfecho de determinada situação ou até mesmo chorar. 

Vale alertar que o episódio 8 e 9 mexem com a emoção, segurar as lágrimas, principalmente aos que se deixam embarcar na trama, é uma missão impossível. Também pudera, no elenco estão Fernanda Marques, Andréia Horta, Augusto Madeira, Naruna Costa, Bukassa Kabengele, Arlindo Lopes, Rejane Faria, Ana Kutner, Henrique Schafer, Rafaela Mandelli, Marat Descartes, Eduardo Moscovis. A reunião de talentos diante das câmeras facilita tamanho envolvimento de quem está do outro lado. É impossível não torcer pela felicidade de algum ou alguns personagens! 

"Colônia", criação de André Ristum, também tem roteiro assinado por ele ao lado de Marco Dutra e Rita Gloria Curvo. A produção, livremente inspirada no livro “Holocausto Brasileiro”, de Daniela Arbex, usa de perfis distintos que se encontram presos. Enquanto que Elisa, a protagonista interpretada por Fernanda Marques apresenta a delicadeza e a busca pela realização do sonho de liberdade, a atriz Rejane Faria, com Wanda, oferta a amizade, experiência de vida dentro daquele ambiente tenebroso. Como não se encantar com a cena emocionante de Wanda com o ratinho? Momento poético tal qual no conto de fadas clássico da "Cinderella"!

No entanto, o laço da amizade entre os personagens não se restringe à dupla citada, mas é belamente amarrado com outros internados: o homossexual Gilberto (Arlindo Lopes), a prostituta Valeska (Andreia Horta), o alcoólatra Arlindo (Bukassa Kabengele), assim como Soraia com mudez. Diferentes, mas juntos e unidos, até a enfermeira Laura de Naruna Costa mostra como vale a pena arriscar-se pelo bem do outro. Em meio a tanto dedo na ferida, "Colônia" encena momentos marcantes, como por exemplo, quando três guerrilheiros, Christian Malheiros (Eduardo), Stephanie de Jongh (Natália), Marat Descartes (Ivan), dão um abraço, há a aproximação de Soraia seguida de outros internados.

Rodada em preto e branco, enquanto constrói um ambiente de suspense que flerta com o terror -as cenas fortes com sangue ficam mais provocantes, justamente por não serem coloridas. Ao retratar de modo nu e cru o oprimido pela sociedade, "Colônia" consegue transbordar delicadeza na tela, mesmo sendo forte o suficiente para retratar gestos extremos que levam à morte de alguns personagens. Com um toque de produção cinematográfica, a rica narrativa de folhetim, brinca ao dar entender, por vezes, que não há melhor rumo para a trama e, então, tira da cartola revivoltas de fazer o queixo cair. 

As mudanças acontecem concomitantemente com o fim da esperança de um personagem ou outro, ali, preso. Nesse processo, convence o público a embarcar nessa ideia, e cria uma situação surpresa que deixa muitos acontecimentos de pernas para o ar. Tais surpresas que fazem o expetador vibrar e dão até arrepios. Sim! É difícil segurar a emoção! Como se não fosse o bastante, ao término de cada episódio são lançados ganchos que provocam total curiosidade a respeito da sequência. Não há como negar, "Colônia" é uma montanha-russa de emoções. 

Envolvente, mas chocante, a série sobre o lugar em que mais de 60 mil pessoas perderam a vida vítimas de maus tratos, eletrochoque, tortura e abandono, apresenta um produto final de dar orgulho a nós, de terras tupiniquins e revela que o Brasil tem muito o que mostrar e sabe como o fazer, basta ter o apoio necessário para a realização. A série é o produto de qualidade final suficiente para caminhar lado a lado, de superproduções gringas, inclusive a série antológica e já consolidada, "American Horror Story".

Torcendo pela punição de Juraci (Augusto Madeira) e Ramires (Marco Bravo), sem perceber, os dez episódios são devorados e até revistos, pois a série, fatalmente, deixa um gostinho de quero mais. E tem tudo para uma segunda temporada, sim! Os assinantes de streaming dos Canais Globo e Globoplay poderão maratonar a série "Colônia", sendo que o primeiro episódio estará disponível para não assinantes por sete dias. Também será possível acompanhar semanalmente no Canal Brasil, às sextas-feiras, às 21h30. Imperdível!

“Colônia” é uma produção de Sombumbo e Tc Filmes, em coprodução com a Gullane, produzida por André Ristum e Rodrigo Castellar, e financiada através do Fundo Setorial do Audiovisual.

Sinopse: A produção apresenta a história de Elisa (Fernanda Marques), uma jovem de vinte anos que chega ao Hospício Colônia no começo dos anos setenta. Ela está grávida de quatro meses de sua grande paixão juvenil e foi enviada para o local pelo pai, Júlio (Henrique Schafer), que fica enfurecido ao descobrir que a filha arruinara seus projetos de casá-la com um rico vizinho de fazendas. Elisa logo se depara com a verdadeira loucura ali presente, mas rapidamente consegue descobrir que, assim como ela, muitas outras pessoas sem nenhum tipo de diagnostico de doença mental estão internadas: o alcoólatra Raimundo (Bukassa Kabengele), a prostituta Valeska (Andréia Horta), o homossexual Gilberto (Arlindo Lopes) e dona Wanda (Rejane Faria), todos para lá enviados por serem considerados incômodos para a sociedade. Elisa se aproxima destas pessoas e cria laços de amizade fundamentais para sobreviver, da maneira mais sã possível, a uma vida de abusos e violência diária.


Colônia (2021)

Classificação: 16 anos

Criação e direção: André Ristum

Roteiro: André Ristum, Marco Dutra e Rita Gloria Curvo

Elenco: Fernanda Marques (Elisa), Augusto Madeira (Juraci), Andréia Horta (Valeska), Rejane Faria (Wanda), Naruna Costa (Laura), Bukassa Kabengele (Raimundo), Arlindo Lopes (Gilberto), Rafaela Mandelli (Antonieta), Aury Porto (Dr. Carlos), Marco Bravo (Ramires), Paulo Américo (Antônio),  Marcelo Laham (Freitas), Teka Romualdo (Amélia), Viviane Monteiro (Soraya), Lulu Pavarin (Germinda), Maria do Carmo (Aparecida), Lilian de Lima (Romilda), Eduardo Moscovis (Major Carvalho), Nicola Siri (Padre João), Vanderlei Bernardino (Prefeito), Christian Malheiros (Eduardo), Stephanie de Jongh (Natália), Marat Descartes (Ivan), Ana Kutner (Rosana), Samuel de Assis (Ricardo) e Henrique Schafer (Julio)

Estreia: sexta, dia 25/06, às 21h30.

Horário: sexta, às 21h30

Alternativos: madrugada de sábado/domingo, 1h55, e madrugada de segunda/terça, 0h55.

*Mary Ellen Farias dos Santos é criadora e editora do portal cultural Resenhando.com. É formada em Comunicação Social - Jornalismo, pós-graduada em Literatura, licenciada em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos e formada em Pedagogia pela Universidade Cruzeiro do Sul. Twitter: @maryellenfsm


0 comments:

Postar um comentário

Deixe-nos uma mensagem.

Tecnologia do Blogger.