O texto, que foi publicado em 2020 pela editora Javali, surgiu da transcrição poética de conversas estabelecidas entre as artistas a partir de temas presentes em “As Três Irmãs”, de Anton Tchekhov e, do registro de encontros entre a dramaturga e um grupo de mulheres da terceira idade. A ideia é criar uma reflexão sobre os sentidos atuais do trabalho pela ótica da mulher, relacionando esse tema com questões como o “desejo e a capacidade de criação” e “o impulso de concretização de outras realidades possíveis”.
A peça de Aline Filócomo tangencia discussões importantes do atual momento político brasileiro, quando é colocado em pauta o fim das seguranças trabalhistas e previdenciárias. Desse modo, cada vez mais a existência é estritamente associada à capacidade humana de produzir: o tempo é transformado em matéria consumível, e o ataque generalizado à arte e à cultura anulam o direito à criação e contemplação.
A ideia de investigar esse tema surgiu há 5 anos, quando as artistas tiveram uma conversa profunda sobre o reconhecimento de certo esgotamento nos antigos moldes de relacionar o teatro às próprias vidas e o desejo de encontrar uma forma criativa coerente com a nova imagem de si mesmas que a meia-idade começava a construir.
Elas também compartilharam o fim de certas expectativas cultivadas sobre a profissão e a urgência de reprogramar seus rumos profissionais e reinventar anseios pessoais. Alguns temas desse encontro entre as artistas tinham semelhança com a peça de Tchekhov e eram diretamente influenciados pela atual crise política brasileira, que começava a interferir de modo direto e impactante nas relações cotidianas e profissionais já naquele momento.
Como no texto de Tchekhov, os diálogos de "Moscou Para Principiantes" carregam a marca da aparente segurança de uma classe que, embora viva de modo confortável, esconde o impacto de um mundo em ebulição e sofre as consequências da falta de um projeto concreto de mudança. “Viver”, “trabalhar” e “criar” eram há 100 anos – e ainda o são hoje – palavras à espera de um novo sentido, ainda desconhecido.
Diferente do discurso original das três irmãs tchekhovianas, nesta obra o trabalho não aparece apenas como dispositivo de fuga pessoal, mas como urgência vinculada à sobrevivência, tal qual ocorre com a maioria das mulheres em nosso país. Para elas, a ideia de autorealização é em si mesma uma utopia impossível, problema abafado pelo acúmulo de tarefas em jornadas diárias mal recompensadas financeira e emocionalmente.
Para as mulheres contemporâneas, não basta sobreviver do trabalho, como dizem a sociedade e uma das personagens da peça tchekhoviana. É necessário sobreviver ao trabalho. Assim como as três irmãs sentem-se velhas aos 20 e poucos anos, para as mulheres de agora, o tempo é o elemento que consome sua capacidade de produzir, de gerar renda, de ter filhos e, principalmente, de criar uma existência autêntica.
Essas questões são abordadas por personagens identificadas como “a da direita”, “a da esquerda” e “a do meio”. Como o próprio momento atual, a linguagem opera por um jogo de tentativa e erro, na construção e desconstrução de pontos de vista de três figuras que transitam entre ficções e realidades variadas. Ora parecem ser as personagens Olga, Macha e Irina de Tchekhov, ora são três idosas fictícias, ora são as próprias atrizes que dão seu testemunho a partir de experiências pessoais e coletivas vivenciadas. Como uma matryoska, boneca russa que remete à imagem da mulher fértil, uma camada contém a outra.
Sobre a autora Aline Filócomo
Com 41 anos, Aline Filócomo é atriz, diretora, dramaturga, cofundadora e integrante da Cia Hiato. Criou e atuou nos espetáculos "Cachorro Morto", "Escuro", "O Jardim", "Ficção", "2 Ficções", "Amadores" e "Odisseia". Ao longo de de 12 anos da sua trajetória artística com a Cia Hiato, participou de vários festivais, temporadas e apresentações em diversas capitais brasileiras, cidades do interior de São Paulo e países como Chile, Colômbia, Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Bélgica, Áustria, Romênia, Grécia e Portugal.
Integrou o elenco do Centro de Pesquisa Teatral do Sesc, coordenado por Antunes Filho, e é atriz criadora do "Prêt-à-Porter 8". Participou da turnê internacional da montagem francesa "Le Retour au Désert", da Compagnie Dramatique Parnas, dirigida por Catherine Marnas. Fez preparação de elenco do espetáculo "O Silêncio Depois da Chuva", dirigido por Leonardo Moreira, em cartaz no Sesi-SP. Conduziu e coordenou o módulo "Personagem – Um Estudo sobre Sinônimos" no Núcleo Experimental de Artes Cênicas do SESI-SP, a Oficina de teatro no Sesc Pinheiros – Projeto Fala Sério, a Oficina Outros Olhares no Projeto Juventudes do Sesc Itaquera e, projetos voltados para o público a partir de 60 anos: a Oficina Teatro das Horas Vagas, no Sesc Pinheiros e, a leitura cênica "Carta a D. - História de Um Amor", no projeto Finitudes do Sesc Ipiranga.
Sinopse de "Moscou para Principiantes [experimento online]"
Transitando entre as linguagens teatral e cinematográfica, "Moscou para Principiantes [experimento online]" discute os sentidos atuais do trabalho, relacionando o tema a questões como o desejo e a capacidade de criação e impulso de concretização de outras realidades possíveis. O texto, publicado pela editora Javali, recorre à transcrição poética de diálogos promovidos em dois núcleos de mulheres (artistas de teatro X grupo de aposentadas da terceira idade), com procedimentos livremente inspirados nos diálogos de “As Três Irmãs”, de Anton Tchekhov.
Ficha técnica
Espetáculo: "Moscou para Principiantes [experimento online]"
Texto e direção: Aline Filócomo
Elenco: Fernanda Stefanski, Natacha Dias e Rita Grillo
Produção: Aura Cunha | Elephante Produções
Projeção: Grissel Piguillem
Luz e cenário: Marisa Bentivegna
Figurino: Anne Cerutti
Trilha sonora: Kuki Stolarski
Preparação corporal: Fabricio Licursi
Transmissão e edição de vídeo: Ricardo Suzart
Assessoria de imprensa: Pombo Correio
Serviço
Espetáculo: "Moscou para Principiantes [experimento online]"
Transmissão: via canal do youtube: moscou para principiantes
Dias: 13, 14, 15, 20, 21, 22 de abril, às 17h
No dia 20, ferá realizada uma transmissão simultânea no canal do YouTube das Oficinas Culturais do Estado de SP: https://www.youtube.com/OficinasCulturaisdoEstadodeSaoPaulo
Classificação etária: 14 anos
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