O espetáculo "Clarice e os Corações Selvagens" marca o retorno de Kate Hansen de volta ao teatro. Com dramaturgia de Júlio Kadetti e direção de Marcelo Drummond. Foto: João Caldas
Afastada dos palcos desde meados de 2019, a atriz Kate Hansen - duas vezes premiada com o troféu APCA de melhor atriz e com o prêmio Air France - retorna à cena teatral com a encenação de "Clarice e os Corações Selvagens", texto escrito por Júlio Kadetti especialmente para ela.
Na direção está Marcelo Drummond, ator, diretor, dramaturgo, iluminador e produtor conhecido pelo seu trabalho no Teatro Oficina onde, ao lado de Jose Celso Martinez, criou o grupo UZYN A U ZONA. Kate também tem sua história ligada a do Teatro Oficina, onde trabalhou e deixou sua marca.
O espetáculo tem como personagem central Clarice, mulher branca de classe média que, impactada pela notícia da morte de um jovem negro, assassinado com 13 tiros pela polícia, questiona não só as regras que autorizam a violência policial em uma sociedade fortemente marcada pelas diferenças sociais e de raça, como também, e principalmente, sobre a responsabilidade que cada um de nós, “cidadãos de bem”, temos sobre isso.
Kate Hansen interpreta esta mulher que põe em cheque suas crenças de vida após o crime, questionando não apenas a violência da metrópole, mas também a inércia da sociedade e as diferenças sociais. Partindo de um fato real; o assassinato do m úsico carioca Eva ldo do Santos Rosa, morto em 2019 com oitenta tiros disparados por militares, Júlio Kadetti recorreu a Nietzsche ("A Genalogia da Moral"), Clarice Lispector ("O Mineirinho") e ao "Evangelho de Jesus", para criar uma obra teatral que denúncia a cumplicidade da elite brasileira com o fascismo e a violenta policial, que faz vítimas, principalmente, entre os pobres e os negros das periferias das grandes cidades.
Júlio Kadetti
Autor de espetáculo de grande sucesso de critica e público; "Luz Del Fuego" e "Lili Carabina", premiado pela Secretaria de Cultura do estado de São Paulo com o prêmio Narizinho de teatro infantil pelo espetáculo "A Pedra Mágica" e escolhido como um dos dez melhores dramaturgos brasileiros de 2018 em um grupo ao lado de Chico Buarque e Jose Celso Martinez Correa, Júlio Kadetti, que fez parte do grupo que criou a novela "O Sétimo Guardião", e que atualmente tem duas séries ("Dentro da Noite" e "Caminhos Cruzados") e um seriado ("Seria Cômico se Não Fosse Trágico") parados por culpa da pandemia, faz questão de deixar claro que não se considera um dramaturgo, mas sim um roteirista: “Eu sou um roteirista que escreve para o teatro. Um roteirista que ama o teatro, mas é apaixonado pela televisão! Pra mim, TV é entretenimento, enquanto o teatro, além de entreter e emocionar, me dá mais liberdade para discutir assuntos importantes como política e religião”.
Retorno, doença e otimismo
Estrela da televisão, do teatro e do cinema. Kate Hansen, que tem no currículo 20 novelas e séries de sucesso e 15 filmes campeões de bilheteria, comemora a volta aos palcos. “Sinto como se estivesse ganhando um presente no momento desse retorno, uma fase especial, estou me sentindo amada, agradecida, orgulhosa também".
Autor e diretor recebem elogios da atriz. “O Júlio Kadetti, além de talentoso dramaturgo com um olhar muito apurado para o ser humano e uma posição política muito forte, é um ser humano ímpar. Marcelo Drummond, companheiro de longa data que conheci no Teatro Oficina ao lado de Zé Celso com quem produzimos espetáculo marcantes como Hamlet, é uma mistura perfeita de talento, sensibilidade e irreverência. Um diretor seguro e, assim como Kadetti, muito bem posicionado politicamente. Juntos formamos a equipe perfeita para levar adiante este espetáculo que nada mais é que um libelo contra o fascismo”.
Linda, com uma presença forte que encanta, seduz e impõe respeito, Kate Hansen está enfrentando um câncer com bravura, de peito aberto. Desde que descobriu, em setembro de 2020, passou por cirurgia e sessões quimioterapia. Agora está na fase da radioterapia. A volta aos palcos, colabora no enfrentamento da doença e ajuda a manter a cabeça ocupada. “Nunca fiquei doente em toda vida, a não ser coisas simples. Está sendo o maior desafio ver a cara da Morte com coragem, fé e confiança. Isso não é uma condenação, é uma batalha para que a vida vença. A Medicina e a Ciência estão muito avançadas, acredito que sairemos vitoriosos”, diz, externando gratidão ao SUS (Sistema Único de Saúde), por onde foi operada. “É um bem precioso, vamos cuidar dele. E o meu trabalho é uma vocação, paixão. A arte salva, como os amigos, o trabalho, a natureza, o otimismo e a esperança, essa estranha mania de ter fé na vida”.
Drummond e a encenação
Marcelo acredita que a peça reflete o momento atual por meio da história da personagem. “Branca, olhos claros, de classe alta, com certos privilégios em relação aos desfavorecidos, ela saca isso, é seu momento de transformação. É legal, estou descobrindo a peça junto com Kate”, diz o diretor, que traz na bagagem, entre outros trabalhos para o teatro, "Uma Coisa Inofensiva", "As Boas", "Ham-Let", "Para Dar um Fim no Juízo de Deus", "Cacilda", "As Bacantes", "Boca de Ouro" e "Os Sertões".
Em ensaios desde o início de janeiro, Kate e o Marcelo ficaram cerca de um mês no trabalho de mesa, na leitura do texto, antes de partir para a montagem das cenas. Consciente que tem em mãos um texto forte, pro fundo e atual a ponto de provocar muita polêmica, Marcelo diz que está concebendo a montagem de "Clarice e os Corações Selvagens" de forma simples. “Busco a maior simplicidade em um trabalho mais voltado para a interpretação de Kate, que é uma grande atriz”.
O espetáculo tem como protagonista uma mulher confinada não só em um espaço físico, o quarto, mas principalmente dentro dela. Para conceber o cenário que reflete esse confinamento físico, psicológico, emocional e espiritual , a produção conta com o talento e a maestria da cenógrafa Marília Gallmeister. “Pedi a Marília que buscasse soluções simples e sem muito rococó”. A música, parte importante do espetáculo, já que a personagem, confinada , recebe notícias do mundo através do rádio, ficará sob responsabilidade do músico Tin Oliveira, que assina a trilha sonora que contará com nomes como Billy Holiday. Tin Oliveira, também “atuará” no espetáculo em gravaç& amp; atil de;o de áudio onde interpretará o locutor do rádio.
Outra área da montagem que mereceu especial atenção é a iluminação, assinada por Luana Della Crist. Segundo o diretor, para criar o ambiente descrito pelo autor. “A luz tem que ter volume, contraluz, precisa ser pensada para expressar os sentimentos da protagonista”. Filosofia, violência, flor de lis e “coisas sobre as quais só sabemos de ouvir falar”. Segundo Júlio Kadetti, que é formado em filosofia, o texto partiu de uma constatação social; “sabemos de algumas coisas só de ouvir falar. O ser humano quer uma pílula de informação hoje, depois vira a página em busca de outras. O que os brancos bem nascidos presos em seus condomínios monitorizados por câmeras e em seus carros blindados sabem de fato sobre a violência contra os pretos? Para saber de fato o que é essa violência você precisa ser preto e viver na periferia”.
O espetáculo, que não é uma adaptação de uma obra da Clarice Lispector, mas inspirado na crônica "O Mineirinho" escrito por Clarice Lispector, tem como protagonista uma mulher branca e de olhos azuis, típica representante da classe média brasileira que se auto denomina “ elite”, que acorda no meio da madrugada, abalada pela notícia que a polícia matou um jovem negro da periferia com 13 tiros. Esse fato faz com que ela passe a questionar que responsabilidade uma pessoa como ela tem sobre esses fatos que tem se tornado corriqueiros.
"Clarice e os Corações Selvagens" é um espetáculo político que objetiva entreter e emocionar, mas que também quer fazer pensar no real sentido de termos como “ racismo estrutural, fascismo, vidas negras importam".
Ficha Técnica
Espetáculo: "Clarice e os Corações Selvagens"
Dramaturgia - Júlio Kadetti. Direção: Marcelo Drummond. Elenco: Kate Hansen e Tin Oliveira (personagem do rádio). Cenografia e Figurino: Marília Gallmeister. Fotografia: João Caldas. Iluminação: Luana Della Crist. Captação de imagens: Lucas Margutti. Designer: Nicholas Binotto. Produção e Administração: Michelle Gabriel. Assessoria de Imprensa: M. Fernanda Teixeira e Macida Joachim/ ArtePlural.
Serviço
Espetáculo: "Clarice e os Corações Selvagens"
Transmissão via Sympla de 16 a 21 de abril, às 21h, com ingressos a R$ 10 e 60 minutos de duração.
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