"Em Nome de Deus" percorre a vida e dualidade do médium mais famoso do Brasil, com depoimentos das vítimas e de pessoas famosas. Foto: Globo/Mauricio Fidalgo
A série documental "Em Nome de Deus", lançada ano passado no Globoplay, será exibida na TV Globo a partir desta quarta-feira, dia 3 de março, logo após o "Big Brother Brasil". Em três episódios, a série acompanha a história do médium João de Deus desde a infância no interior de Goiás, até a prisão por crimes sexuais, mostrando ainda o trabalho de investigação realizado ao longo de 18 meses, a dualidade e os crimes atribuídos ao curandeiro.
Com condução de Pedro Bial e da roteirista do programa "Conversa com Bial", Camila Appel, a série traz ainda entrevistas com as vítimas de João de Deus e celebridades que eram próximas ao médium, como Xuxa Meneghel e Marcos Frota. "Em Nome de Deus" tem como ponto de partida as investigações que levaram, com exclusividade, às primeiras denúncias feitas no programa "Conversa com Bial", em 2018.
Na época, mulheres revelaram que foram abusadas sexualmente pelo médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, ao buscar tratamento espiritual em Abadiânia, interior de Goiás. Após a exibição do programa, centenas de outras denúncias contra o curandeiro foram registradas, ao mesmo tempo em que crescia a repercussão e a perplexidade em torno do caso. Em questão de dias, João de Deus foi indiciado e, posteriormente, condenado.
Os crimes
O documentário trata de revelar a vida paralela do ex-líder espiritual, a sua ampla rede de proteção local e a denúncia de crimes graves, envolvendo lavagem de dinheiro e homicídio, desde as primeiras apurações de Camila Appel para o "Conversa com Bial" até a prisão domiciliar de João de Deus, em março de 2020. A série acompanha ainda o passo a passo investigativo da equipe no Brasil e no exterior, em viagens para Holanda e Estados Unidos, revelando supostos crimes cometidos bem distantes de Abadiânia. O documentário também analisa a popularidade dos curandeiros espirituais no Brasil e revela a decepção de celebridades e de pessoas próximas a João de Deus, com depoimentos contundentes, como o da apresentadora Xuxa e do ator Marcos Frota.
"Em Nome de Deus" também conta com relatos de vítimas do médium – entre elas, a filha de João de Deus. O estúdio onde foi gravado a edição do "Conversa com Bial", que deu início às denúncias, foi também o palco do primeiro encontro destas mulheres, que, emocionadas, se reuniram para contar as suas histórias. "Ficamos mais de oito horas ali, em dois dias diferentes. Foi uma experiência emocionante e, apesar do nível de terror de tudo aquilo, uma experiência muito mais bonita do que triste. De esperança", revela Camila Appel.
"Em Nome de Deus" é uma série original Globoplay que conta com argumento e criação de Pedro Bial, direção de conteúdo de Fellipe Awi e direção de Monica Almeida, Gian Carlo Bellotti e Ricardo Calil. Para gravar a série, foi feita uma extensa pesquisa de arquivo em documentários e programas de TV nacionais e estrangeiros, além ter sido usado material de arquivo pessoal das vítimas e das casas em que o médium atuava em Goiás e no Rio Grande do Sul.
As vítimas e seus relatos
Centenas de novos casos foram revelados logo após a exibição da edição histórica do ‘Conversa com Bial’, em 2018, que denunciou as primeiras acusações a João de Deus. Em "Em Nome de Deus" são revelados depoimentos inéditos de sete mulheres, de diferentes idades e regiões, que decidem mostrar seus rostos pela primeira vez e expor como atuava médium. As vítimas - uma advogada, uma atriz, uma fisioterapeuta, uma professora, a filha de João de Deus, uma costureira e a coreógrafa holandesa Zahira Mous, a primeira mulher a mostrar o rosto na edição do "Conversa" de 7 de dezembro de 2018 - nunca haviam se encontrado, mas aceitaram se reunir em uma roda para um momento de escuta solidária, conduzida por Camila Appel.
Ao longo dos episódios são mostrados trechos desta conversa entre as vítimas, os seus relatos e os aspectos similares de suas histórias: a crença comum na busca por um milagre do médium, o padrão nos abusos, a vulnerabilidade e o sentimento de indignação, medo e vergonha. Também vêm à tona o desejo de justiça e demonstrações de gratidão por Zahira.
Pedro Bial e Camila Appel falam de "Em Nome de Deus"
Condutores da série documental, Pedro Bial e Camilla Appel concederam uma entrevista sobre "Em Nome de Deus" na época do lançamento do documentário no Globoplay, do ponto de vista de quem participou do passo a passo investigativo que desvenda a história e os crimes do curandeiro. Relembre aqui a entrevista dos dois sobre e o que eles acham da chegada do documentário na TV aberta.
Entrevista com Pedro Bial
A edição do "Conversa com Bial" que denunciou João de Deus já entrou para a história e a repercussão do programa foi responsável pela prisão do curandeiro, além das denúncias de tantas outras vítimas que sofreram os abusos sexuais cometidos pelo médium. Qual foi a necessidade de dar origem a uma obra ainda mais profunda sobre os crimes e a vida de João de Deus?
Pedro Bial - Toda reportagem e investigação tem um começo, mas não necessariamente tem um término ou, pelo menos, um término em um horizonte imediatamente visível. Quando pusemos no ar o programa que expôs as denúncias relatadas pelas mulheres em relação ao João de Deus, ainda não sabíamos, mas começamos a perceber, logo após a exibição, que a história tinha outros capítulos e outros episódios, e que a atividade criminosa de João de Deus não se restringia ao abuso sexual de pessoas vulneráveis.
A escolha de fazer um documentário nasceu durante ou após o programa de denúncia?
Pedro Bial - O documentário surgiu como uma consequência natural do trabalho de reportagem, que continuou. Quando você começa a cavar um túnel, você vai percebendo que vai chegando em algum lugar e vai descobrindo também novos caminhos, e a história vai crescendo... Foi isso que aconteceu e essa história está contada no documentário.
Você divide a condução do documentário com a Camila Appel, que descobriu os primeiros casos de abuso de João de Deus. De que forma você acha que a participação da Camila contribuiu para a série documental?
Pedro Bial - A Camila Appel é uma protagonista dessa história, não só por ter sido a repórter que iniciou, levou adiante e conduziu a investigação, assim como foi a alma da inspiração para o programa. A Camila, já com o acréscimo de toda a equipe que dividiu com ela esse trabalho, foi decisiva também para a série documental.
Entrevista com Camila Appel
A roda de conversa representa o primeiro encontro das vítimas de João de Deus e talvez seja um dos momentos mais emocionantes e aguardados do documentário. Você presenciou este encontro e ainda conduziu a conversa com as vítimas. Houve um momento em que se viu obrigada a separar a Camila mulher da Camila jornalista?
Camila Appel - Foi um momento marcante na minha vida, sem dúvida alguma. Elas chegaram lá a partir de uma conexão de confiança pré-estabelecida. Eu já havia me encontrado com elas e as entrevistado para a série. Além de inúmeras conversas no telefone. Eu as conhecia bem, suas histórias, e elas também me conheciam. Isso foi importante para se sentirem acolhidas naquele momento e para que eu estivesse mais preparada para conduzi-lo.
Como lidou com toda essa carga emocional?
Camila Appel - Eu lembro de entrar no estúdio, me sentar e buscar preparar aquele espaço mentalmente. Recebê-las com total abertura, acolhimento e respeito. Tivemos a preocupação de evitar que se conhecessem antes daquele momento. Não havia câmera alguma entre nós. Era uma equipe mínima e muito bem preparada. Muitas mulheres me disseram que se esqueceram que estavam sendo filmadas. Ficamos mais de oito horas ali, em dois dias diferentes. Foi uma experiência emocionante e, apesar do nível de terror de tudo aquilo, uma experiência muito mais bonita do que triste. De esperança.
Do ponto de vista de quem mergulhou nas investigações, o que o grande público pode esperar de uma série como essa?
Camila Appel - Torço para que a tragédia exposta pelas pessoas nesta série documental seja catalisadora e que algo bom e bonito surja para cada um que a assista. O abuso sexual e a violência são injustificáveis e inaceitáveis.
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