segunda-feira, 15 de março de 2021

.: Crítica: "Quarentena Freak": uma realidade aterradora, uma aberração


Por Ubiratan Moreno Soares, escritor e historiador.

Sobre o livro "Quarentena Freak", de Helder Moraes Miranda, minha primeira preocupação foi entender o significado desse “Freak” do título e das várias definições que obtive, isso após a primeira leitura, escolhi “Aberração”. Partindo dessa premissa e deixando claro que não tenho autoridade nenhuma para analisar de forma crítica um texto literário, já no prólogo o autor corrobora minha interpretação.

Na apresentação, ele expressa, não somente o seu caráter humanista, mas também, o seu inconformismo. Some-se a isso o fato de se utilizar da metalinguagem, afinal um poeta, o resultado não poderia deixar de ser uma sombria e ao mesmo tempo sensual abordagem do real. Em minhas palavras duras de pouca capacidade interpretativa: uma realidade aterradora, uma aberração.

E para dar comprovar a minha impressão inicial, destaco o argumento do próprio autor para o que viria a seguir. Conclui ele a apresentação de "Quarentena Freak": “...dividindo as liberdades e realizando verbos. Sendo felizes na maioria das vezes e humanos em outras.”

Digo confessando, pois vejo nessa frase as contradições que provavelmente o levaram a necessidade de expressar de forma sombria o momento vivido, afinal “dividir as liberdades” é confessar-se aprisionado e realizar o verbo seria então uma fuga dessa prisão. Por outro lado, ao entender que ser humano é um obstáculo à felicidade, o autor afirma seu caráter humanista e profundamente sensível.

Feita essa introdução e reiterando que minha análise não tem a autoridade dum crítico literário, falarei de minhas impressões. O texto, a princípio segue uma ordem ou desordem intencional, lembra aquelas anotações feitas em pequenos papeizinhos que colamos como lembretes no entorno da tela do computador, ou ainda, aquela porta de geladeira repleta de pequenos imãs com “recuerdos” d’uma viagem de férias.

Entretanto, olhar mais atento, é possível perceber a ordem nessa falsa desordem. No início, o autor reflete sobre si voltando-se para seu universo interior ou ainda fala de si mirando-se num espelho. Imediatamente, percebo que já aí ocorre um embate dramático e revelador, fica claro nesses primeiros poemas sua insatisfação, ou melhor, seu inconformismo consigo próprio, destacando em “Romance Sujo” uma manifestação de profunda sensibilidade combinada com sensualidade.

A partir daí, o parceiro de “quarentena” é inserido, é quando o autor passa a falar de “amores e bolores”, confessa uma sensualidade reprimida e chega ao anticlímax com "Quarentena Freak". O embate que se segue tem agora um antagonista, e o tenso diálogo me remete a relação entre o ingênuo Joe e o ardiloso e febril Ratso no “Midnight Cowboy”, ou ainda, para ficar mais próximo, nos dois encarcerados no “Beijo da Mulher Aranha” do Manuel Puig. Diálogos tensos, carregados de uma mistura de sentimentos entre duas pessoas que, como irmãos siameses, são carnalmente interdependentes.

Mesmo quando em “Experimentado” o autor exalta os “olhos de cerveja” ou ainda os “lábios de cereja” da parceira e faz explodir toda energia sexual acumulada, o que vemos é uma embriaguez de sensualidade seguida de um embate encarniçado que, por causa da subjetividade intrínseca somente podemos enxergar um lado, mas que podemos vislumbrar, pelas sombras projetadas, o quanto é angustiante para os dois.

Por fim, exauridos, coloco no plural porque falo de três “personas”, o autor, seu eu interior e aquele que ele projeta no espelho, mais o antagonista, a parceira cujas sombras transparecem. Repetindo, enfim, a parte final, convencido mesmo que não há um final, o autor se curva a suas crenças e, como um devoto, faz suas preces. 

Seja com “Lúcifer da Loucura Apaixonada”, seja “Na Cama com Deus”, ou ainda com “Javé” ou “Hades”. Ao final, ele confessa sua idolatria, talvez a verdadeira crença em “...Clarice Lispector, Cazuza, Caio Fernando Abreu, Renato Russo, Fernanda Young...” a quem pede licença e se confessa, um jardim de girassóis, ou simplesmente “...uma criança chamada Miranda.”



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