domingo, 6 de dezembro de 2020

.: Tóxicos e assintomáticos, uma crônica de Eduardo Caetano


Por Eduardo Caetano, jornalista.

Pandemia, quarentena, epicentro, negaconista, assintomático, lockdown. Algumas palavras e expressões passaram a fazer parte das nossas conversas mais rotineiras. As necessidades impostas pela vida, como a pandemia de Covid-19, mudam o nosso vocabulário. E nossos hábitos. No Natal passado, quem se imaginava de máscara e álcool em gel? Com a adversidade, surgem novas práticas, novos conceitos e outra forma de comunicação.

Palavras vão e vêm para facilitar as relações do cotidiano e, até, garantir a nossa sobrevivência. Palavras e expressões novas se espalham rapidamente. Viralizam!  Por exemplo, há alguns anos começaram a falar que é necessário ter resiliência. Muita gente desconhecia o real significado de ser resiliente. Nada mais é do que fazer do limão uma limonada. A capacidade de passar por experiências difíceis, superar e reagir com atitudes positivas. Viver em tempos de Covid-19 sem perder a esperança é um ato de resiliência.

Quem é "raiz" geralmente é resiliente. Já quem é "Nutella"... De algum tempo "pra" cá, muita gente passou a utilizar a palavra empatia. Lembro de uma época que a maior parte das pessoas só conhecia a simpatia e a antipatia. E, apesar das semelhanças ortográfica e sonora, a empatia não tem relação alguma com as outras duas.

Uma pessoa pode ser simpática e não ter empatia alguma. Aliás, cometi um erro absurdo aqui. Ninguém tem empatia no sentido de possuir. Empatia está relacionada ao verbo ser. A pessoa é empática ou não é. Alguém verdadeiramente empático é sensível o suficiente para ser compreensivo, perceber a necessidade do outro e se colocar no lugar do outro. 

Usar máscara cobrindo o nariz e a boca, além de ser obrigatório, é um ato de empatia. Ninguém usa a máscara para não contrair Covid-19. Você usa para não passar! Não transmitir o novo (já velho conhecido) coronavírus. Ah, mas eu não tenho Covid! Quem te disse? Fez o teste? Você pode ser assintomático.

Alguém poderia imaginar que, para demonstrar amor ao próximo, seria necessário ficar distante? Falo em distanciamento físico. Distanciamento social é outra coisa. Esse a desigualdade econômica, o racismo, o machismo, a homofobia, a xenofobia, a intolerância religiosa, a corrupção, o preconceito de classe, o egocentrismo, a falta de empatia e tudo aquilo que é tóxico já garantem.

Aliás, a expressão "pessoa tóxica" é algo dos últimos tempos. Nos primórdios da minha infância, muita gente não falava "tóxico" com o som de "ks", que nem táxi. Aliás, ninguém mais fala táxi, fala Uber. Talvez pelo sucesso do "Xou da Xuxa", naquela época, as pessoas liam a palavra com o "x" no meio e pronunciavam "tóchico". 

No fim dos anos 80, não tenho lembrança da palavra traficante. Falavam assim: "Fulano mexe com 'tóchico'."... Enfim, hoje dizem que algumas pessoas são tóxicas. Mesmo que não "mexam" com drogas. E o pior é que realmente são. Tem gente que puxa o outro para baixo, como se sugasse suas energias. Existe a seguinte máxima : "Precisamos nos afastar das pessoas tóxicas". Tipo distanciamento físico para não pegar Covid, sabe? Dizem que é para o bem da nossa saúde mental. Ah, tá...

Porém, há outra "tese" que defende: "o mundo está ruim porque falta empatia". É aí que surge o grande conflito dos dias atuais. No meu ponto de vista, claro!  Se todo mundo resolver se afastar de quem considera tóxico, faltará empatia. Ou haverá empatia seletiva. O que dá no mesmo! 

Faltando empatia, faltarão a solidariedade, o respeito, a justiça social, o amor ao próximo, o sentido de coletividade. Porém, o coletivo não deve anular a individualidade. Ninguém é obrigado a se martirizar e ficar refém de uma pessoa tóxica. É uma conta que não fecha, mas que precisa ser solucionada. E a empatia, a compreensão e a reciprocidade podem ser ferramentas fundamentais nesse processo.

Devemos deixar de ser negacionistas e reconhecer que todo mundo tem suas forças e fraquezas. Seu lado bom e seu lado ruim. O anjinho e o diabinho na orelha, puxando as alças da máscara. E ninguém está imune. A nada! Precisamos viver com menos julgamentos ou estaremos condenados a um eterno lockdown. Ninguém é o epicentro do mundo. De uma forma ou de outra, em alguns momentos, todos nós somos tóxicos. Mas alguns são assintomáticos.


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