quinta-feira, 2 de julho de 2020

.: Entrevista: Bruno Mazzeo fala sobre "Diário de Um Confinado"


Pensada e produzida especialmente para a quarentena, a série multiplataforma faz uma crônica do isolamento social. Foto: Globo/Glauco Firpo

A série "Diário de Um Confinado" estreia neste sábado na Globo e foi criada literalmente em casa e em família, por Joana Jabace e o marido Bruno Mazzeo. O projeto de dramaturgia foi idealizado para ser produzido durante a quarentena, de forma remota, com todas as limitações que o isolamento social requer, seguindo todas as normas de segurança.  A obra faz uma crônica sobre o dia a dia de um cidadão, Murilo (Bruno Mazzeo), que de repente se vê obrigado a tocar a vida dentro de casa. Autor e protagonista do seriado, Bruno Mazzeo fala sobre a estreia da série em período de isolamento social.

Como surgiu a ideia de escrever "Diário de Um Confinado"?
A ideia veio da Joana. Já estávamos vivendo o confinamento, ela ainda trabalhando em "Segunda Chamada", remotamente, e eu pensando em trabalhos mais à frente, porque estava organizado para só atuar este ano. Aí ela trouxe essa ideia: “e se pensarmos em algo que a gente possa gravar aqui em casa? Você escreve e atua, eu dirijo”. Começamos, então, a pensar em crônicas de uma pessoa confinada. Chamei a Rosana Ferrão, minha parceira no "Cilada", pensamos no formato e chegamos nesse, de fazer um diário com situações que a gente passa no confinamento, com algumas neuroses, paranoias...

Alguma das situações vividas por Murilo nesse período de isolamento já aconteceram com você? Você se vê de alguma forma nesse personagem que criou e vai interpretar? Ou se inspirou em pessoas próximas?
Como tudo o que escrevo, sobretudo quando escrevo sob o olhar da crônica, normalmente tem um pé na autobiografia e na de cada um que está participando comigo. Tem um ditado italiano que eu gosto muito que diz que “na arte tudo é autobiográfico” porque tudo vem de sensações minhas, de referências que recebo do mundo, coisas que vivo, que os amigos vivem. Este é um programa que busca uma identificação. Ao mesmo tempo, ele tem pitadas de uma loucurinha, que é o que a gente está vivendo, com sentimentos alterados, entre a euforia e a melancolia. E é aí que entra a carga do humor. Mas a ideia é partir sempre da realidade.

Não é a primeira vez que você e Joana trabalham juntos, mas essa é uma nova configuração de produção para ambos. Como está sendo levar esse trabalho totalmente para dentro de casa?
Já trabalhamos juntos em outros dois projetos – "A Regra do Jogo" e "Filhos da Pátria" – mas nunca tão próximos. Diretamente, esta foi a primeira vez, e isso era uma coisa que nós já queríamos muito. Gosto muito de trocar com a Joana, a gente tem muita ideia sempre, ela é muito inteligente, criativa, tem um olhar muito interessante. Sempre quisemos, mas outros trabalhos iam pintando. Eu não esperava que fosse em 2020, porque eu estava programado para atuar em outros projetos este ano todo. Muito menos que fosse acontecer nesse momento e fazendo algo que é uma novidade para todo mundo. Fomos descobrindo juntos como fazer, em casa, com dois filhos, tocando todas as fases. Eu já trabalho muito em casa escrevendo, mas agora tudo passou a acontecer aqui: texto, prova de figurino, filmagem, edição, filmagem, lançamento. Isso é mais uma novidade. Confesso que já vivi, no confinamento, uma gangorra de sensações e sentimentos. Num dia a gente acorda mais pra baixo, no outro está tranquilo. Num dia não quer sair do quarto, no outro está super querendo malhar pela internet. É uma loucura. Com o projeto eu já vivi isso também: logo que ele foi aprovado eu fiquei muito feliz e, depois, tenso pelo desafio. Hoje estou muito animado, achando muito legal o que realizamos.

E é um trabalho com uma equipe envolvida, mas todo feito remotamente, tanto na produção quanto na sua atuação com o restante do elenco. Quais foram os desafios para colocar esse projeto, que, do início ao fim, acontece durante o isolamento, no ar?
Da minha parte, a única coisa que já era feita assim, de casa, e que eu faço muito, é o texto. De resto, tudo foi novidade para mim. Desde uma prova de figurino por chamada de vídeo, com a figurinista olhando meu armário e montando o Murilo com o meu guarda-roupa, até o gravar e editar em casa. Gravar com os filhos aqui, com a vida real seguindo... Olha, desafio não faltou. Adaptamos a nossa casa e, ao mesmo tempo, adaptamos algumas coisas no texto também para coisas que a gente tinha aqui. Não estávamos nos Estúdios Globo, onde um cenário, por exemplo, é construído de acordo com a necessidade do texto. Aqui foi o contrário. O que fizemos se pareceu um pouco com o teatro, em que o ator também é o contrarregra. Tem ainda o desafio da dramaturgia: não teve uma fuga, uma cena ali na esquina, não teve um personagem que chega. Usamos tudo aqui de dentro, nas nossas possibilidades, mas sem poder usar um efeito especial, por exemplo. E esses desafios tornaram esse trabalho ainda mais prazeroso e animador.

Você se envolveu na escolha do elenco?
Fomos pensando juntos. É um elenco muito em casa, são pessoas muito próximas, a gente se frequenta. Próximas a mim, ou à Joana ou aos dois. Curiosamente, finalmente contracenei com a Nanda (Fernanda Torres), depois de um fazer texto do outro. E tive a honra de fazer cenas pela primeira vez com Arlete Salles e Renata Sorrah, que estão entre minhas atrizes preferidas. Com Nanda e Lucinho (Lúcio Mauro Filho) o fato de termos total intimidade ajudou muito. E, finalmente, realizei o desejo de contracenar com Debi (Débora Bloch), mesmo que em condições completamente diferentes das de um set normal.

Você já atuou algumas vezes em obras escritas por você. Durante a escrita, já se imaginar como o personagem (dando o tom que ele certamente terá) facilita o processo? A experiência como ator ajuda a escrever uma história?
Nesse caso, das crônicas, me ajuda muito. Vou colocando na minha embocadura. Como eu também atuo, vou escrevendo, lendo, interpretando e já vou colocando numa embocadura próxima do natural de falar. Eu penso: “como eu falaria?”. Me facilita muito nesse momento.

"Diário de Um Confinado" é uma série de humor, mas Murilo mostra uma certa dose de melancolia, talvez pela solidão do confinamento. Para você, quais são as principais características dessa obra?
A maneira de escrever, a maneira de produzir, os roteiros, as soluções são o grande diferencial. E como a gente solucionou as impossibilidades em todos esses setores, inclusive criativamente na dramaturgia. Por exemplo, como a gente dá agilidade, não deixa cair o ritmo, se não tem uma fuga para outros cenários, outros universos. A melancolia é uma característica que eu gosto muito, porque, para mim, caminha junto. O humor vem de uma tragédia, e o que a gente está vivendo é uma tragédia. O que muda é o olhar, que transforma a tragédia em uma comédia, mas com essa base trágica. Pelo formato possível, a gente não podia fazer uma coisa muito longa, então são episódios mais curtos. Por isso, eu tive que ir mais direto ao assunto, mais direto na graça. A agilidade que eu estou imaginando é uma solução pra gente.

Quais têm sido os grandes aprendizados para vocês, como artistas e família, diante de tudo isso que a gente está vivendo com a pandemia?
Se tem uma coisa boa que veio com essa pandemia, para mim, foi a união da família. Durante boa parte desse tempo, as crianças ficaram felicíssimas, porque eles nunca têm a oportunidade de estar só com pai e mãe o tempo todo como tem acontecido. Mas tem as dificuldades do momento também: trabalho, as tarefas domésticas, eu com meu filho mais velho longe, a Joana longe dos pais. Acho que isso também fez a gente ficar muito unido, nos ajudando e convivendo harmonicamente. O trabalho vem coroar isso. Estamos vivendo o orgulho de ter feito esse projeto que nos uniu 100%: gravando, cuidando das crianças, arrumando a cama, sendo contrarregra, continuista... Acho que isso é o que há de mais positivo. Além de estar há um tempo sem sofrer com jogo do Vasco, o que não deixa de ser um grande alívio (risos).

O que o público pode esperar de "Diário de Um Confinado"?
O público pode esperar uma crônica de costumes. Não somos uma série de arco de personagem. "Diário de Um Confinado" são crônicas separadas por assuntos e vivências, porque é como a gente está vivendo agora, nessa variedade de sentimentos e acontecimentos. Passamos por muitas fases dentro de um confinamento, né? Eu já vivi muitas coisas nesse período: a frustração pela interrupção de projetos; meu aniversário, o aniversário de todos os meus filhos, já tive momentos de tédio, desesperança, depois esperança, desesperança de novo, um trabalho que começou e que vai acabar. São muitos acontecimentos e aprendizados. Essas crônicas falam de mim, e espero que de todos nós. Está engraçado, está humano. É, realmente, um olhar cômico sobre essa tragédia que estamos vivendo. No texto a gente não fala da doença, apesar de o personagem viver momentos de paranoia. Mas estamos focados nos costumes: um cara lidando com a solidão, com as tarefas domésticas, um cara tentando não enlouquecer. Como eu.



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