No livro "Sabor Amargo" ("Delicious Foods"), James Hannaham escancara formas de escravidão nem sempre percebidas. O livro será publicado no Brasil em breve pela DarkSide® Books. Foto: Anti-Slavery
Frequentemente pensamos na escravidão como um assunto encerrado, seja pela Lei Áurea no Brasil ou por convenções internacionais capitaneadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) na primeira metade do século 20. O problema é que tais documentos e marcos históricos muitas vezes encobrem uma realidade ignorada pela maioria: a escravidão existe até os dias de hoje.
Até mesmo quando pensamos neste conceito mais moderno de escravidão é comum associarmos a situações como o tráfico internacional de pessoas, menores de idade explorados pelos pais e as amontoadas fábricas na Ásia. Mas há muito mais escravos espalhados pelo mundo em situações muito mais próximas da nossa realidade do que imaginamos.
Esta percepção é trabalhada pelo escritor James Hannaham em seu livro "Sabor Amargo" — no Brasil receberá o título Sabor Amargo —, que mostra por meio de suas personagens como a escravidão moderna ainda é presente e próxima. Através da viúva Darlene, o autor apresenta desde a escravidão relacionada ao trabalho até aquela associada ao vício em drogas.
O que se entende por escravidão moderna
Para entender melhor a magnitude da escravidão moderna, é preciso, em primeiro lugar, conhecer a sua definição. Trata-se da exploração profunda de outra pessoa para ganho pessoal ou comercial. São pessoas presas em funções aparentemente normais, como fazendo roupas, servindo comida, escolhendo frutas em plantações, trabalhando em fábricas ou até mesmo com trabalho doméstico.
De longe podem até parecer trabalhos comuns, mas o que configura escravidão moderna é o controle sofrido por estes funcionários, seja através da violência ou de ameaças, pela incapacidade de quitar dívidas ou ainda por terem seus passaportes confiscados pelos empregadores sob pena de serem deportados. Muitas destas pessoas acabam caindo nesta armadilha por estarem tentando escapar da pobreza, da falta de segurança ou em busca de uma vida melhor para suas famílias.
De acordo com a organização internacional Anti-Slavery, estima-se que 40 milhões de pessoas em todo o mundo sejam vítimas da escravidão contemporânea. Destas, 25% são crianças e 71% são do sexo feminino. Algumas manifestações de escravidão moderna envolvem: tráfico humano, trabalho forçado, dívidas (a mais frequente de todas), escravidão passada de pai para filho, escravidão infantil e casamento de menores. Além disso há tipos de escravidão imposta pelo governo, como é o caso dos trabalhadores na Coreia do Norte e dos presidiários na China.
A diferença da escravidão moderna daquela dos livros de história é que os escravos de hoje em dia não são mais tratados como uma propriedade legal, mas são controlados de forma ilegal. Apesar da escravidão estar formalmente abolida, nunca existiram tantos escravos no planeta e o principal problema está justamente nesta suposta invisibilidade.
A escravidão contemporânea é compreendida como um subproduto da pobreza. Apesar de ser mais comum em países de população majoritariamente pobre, ela também existe em nações desenvolvidas. Em todo o mundo dezenas de milhares de pessoas trabalham em condições que se assemelham à escravidão em indústrias como mineração, fazendas, produzindo bens de consumo doméstico ou exportando para os países ricos.
Se na escravidão antiga estes trabalhadores eram um “bem” um tanto caro de se adquirir, o mesmo não pode ser dito de hoje em dia. A escravidão moderna consiste em contratar pessoas por valores irrisórios e, se o “empregador” encontrar mão de obra ainda mais barata, ele não hesitará em substituir a equipe. Por isso, na próxima vez que você comprar um produto que parece muito barato para ser verdade, é possível que o trabalho escravo faça parte do seu processo de produção.
James Hannaham e a sua mensagem anti-escravidão
Hoje o escritor James Hannaham enxerga a escravidão em diversas manifestações ao seu redor: nas calçadas, na cafeteria, na feira do mercado. Ele começou a enxergar a escravidão desta forma enquanto escrevia "Sabor Amargo", seu segundo livro. Mas o autor despertou para o problema quando leu o livro de John Bowe: "Nobodies: Modern American Slave Labor and the Dark Side of the New Global Economy" (tradução literal: "Ninguéns: O Trabalho Escravo Moderno Americano e o Lado Sombrio da Nova Economia Global"), sobre uma mulher escravizada na Flórida em 1992.
Depois do lançamento de "Sabor Amargo", Hannaham decidiu ser ainda mais enfático em sua mensagem anti-escravidão. Em matéria para a iniciativa Free the Slaves, o autor afirma: “Combater a escravidão é importante para mim porque eu gostaria de viver a vida sabendo que eu não estou contribuindo para o abuso ou a tortura de outras pessoas”. Ele ainda assinala que a escravidão é um dos “mais escondidos e, ainda assim, um dos problemas mais predominantes do mundo atualmente”.
O papel de James Hannaham em seu "Sabor Amargo" é justamente o de abrir os olhos das pessoas para o fato de que a escravidão moderna não apenas existe, mas que ela está em todo lugar. Para ele, uma obra de ficção consegue proporcionar um envolvimento emocional que nem sempre os fatos conseguem alcançar.
Não há motivo para continuar escondendo a escravidão moderna. Estar ciente da existência deste problema e de seus desdobramentos é o primeiro passo para assumir a responsabilidade de não contribuir mais com este tipo de indústria. Mais do que isso, é olhar para a sua volta com um pouco mais de atenção e empatia e buscar identificar o que não está certo. Conforme indaga o autor, sempre se pergunte: “De quem estamos esquecendo?”. "Sabor Amargo" ("Delicious Foods"), de James Hannaham, será lançado em breve no Brasil pela DarkSide Books®.
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