Por Helder Moraes Miranda e Mary Ellen Farias dos Santos, editores do Resenhando. Foto: Leo Salvador Gaspar.
Lançado no final de maio, o Falcon Agente Secreto gerou controvérsia entre os colecionadores do boneco, que fez muito sucesso entre o final da década de 70 até o início dos anos 80. Lançado pela Estrela, em época de pandemia, o boneco já nasce histórico. Primeiro pelo momento em que o mundo está vivendo e, depois, por ser uma figura original, com flocagem ruiva, sem barba e o primeiro de pele branca desta nova edição a sair com os olhos castanhos. Antes, somente o soldado de 1994, que não tinha flocagem. O Agente Secreto de 2020 é uma figura de ação livremente inspirada no agente secreto Falcon Missão Impossível, lançado no final da década de 70.
O médico psiquiatra Leo Salvador Gaspar integra o time dos que não se decepcionaram com o boneco. "É diferente de todos, mas é um Falcon e merece respeito", afirma. Ele relembra que o primeiro boneco que teve foi o Agente Secreto, lançado em 1979. "Eu tinha quatro anos. Não era Natal. Não era meu aniversário. Ele simplesmente chegou, sem que eu o desejasse ou pedisse. Eu não sabia direito o que fazer com ele. Era um estranho para mim. Crianças mais velhas e adultos pareciam mais interessadas nele do que eu. Ficavam impressionados com os olhos de águia do boneco e com a sensação táctil que o cabelo ruivo produzia em contato com as mãos. Era como se eu tivesse um tesouro, mas não reconhecesse o seu valor. Abotoar e desabotoar aquela gola, que parecia um babador, era um desafio. Desejava secretamente livrar-me dela, na mesma intensidade em que hoje gostaria de tê-la novamente em minhas mãos", afirma o médico.
"Lembro-me de estar com eles nos braços quando me mudei da casa onde nasci. Aos poucos, foi se tornando inseparável. Foi o único brinquedo que não conservei. Foi o único brinquedo bem 'brincado', na terra, na grama, na praia e na piscina. Como todo bom Falcon daquela época, namorou com a Susi da minha irmã. Era sequestrado por ela. O Falcon era 'alguém' que eu gostaria de ser. Foi um grande companheiro nos momentos difíceis. Depois de duas passagens pelo conserto das pernas que insistiam em cair e chegada a adolescência, ele foi se desmontando e se perdendo nas gavetas. Fui me desligando dele. Aos 18 anos, passei no vestibular e precisava me mudar para a cidade onde resido atualmente. Coincidentemente, minha família também se mudou para outra casa naquela mesma cidade. Fui separar os meus brinquedos e dar um destino a eles. Do Falcon, encontrei apenas a maleta com uma dobradiça quebrada e sem o silenciador, que guardo até hoje. Fiquei também com algumas peças que, só hoje, descobri que faziam parte de um kit vendido separadamente. Fiquei feliz porque foi algo a mais, um carinho que meu pai adicionou ao Falcon quando me deu de presente", relembra Gaspar.
Com os relançamentos da Estrela, Gaspar comprou o segundo Falcon da vida em 2018. Depois vieram todos os outros. "Durante a pandemia, decidi trazer à vida o meu Falcon. Comprei o boneco original dos anos 80 e o vesti com réplicas das roupas utilizadas pelo antigo Agente Secreto. Também completei o kit de acessórios que ficam em uma mochila de campanha. Ainda busco um silenciador original e não tenho certeza se desejo consertar a dobradiça da maleta. Embora não seja o meu Falcon, é o meu Falcon. Sem dúvida, a volta do Falcon de 1979 para a minha casa foi um exercício de resgate, de reorganização, de contato com o que há de mais caro em minhas lembranças. Foi, sem dúvida, uma forma de me manter saudável durante a pandemia. Enfim, acabo de me dar conta de que o Falcon, sobretudo o Agente Secreto, sempre esteve associado a mudanças importantes e fundamentais em minha vida", conclui.
Sobre o Agente Secreto de 2020, ele é enfático. "Ele é único, mesmo em suas imperfeições atribuídas por alguns fãs. Ser o primeiro Falcon com olhos castanhos lançado no Brasil já faz dele um modelo especial e marcante historicamente. E o seu lançamento durante uma pandemia sem precedente contribui para sua relevância histórica. O próprio Agente Secreto de 1979-80 tinha uma gola (conhecida pelos fãs como 'babador'), cujo fechamento com um único botão fazia do abotoar e do desabotoar verdadeiros desafios à coordenação motora de qualquer ser humano e uma súplica pelo velcro, 'execrado' na jaqueta do Agente Secreto 2020). O que, naquela época, era considerado um 'defeito', passou a ser uma peculiaridade que tornou ainda mais especial e raro aquele modelo de Falcon. Todos os relançamentos do Falcon, para mim, serão bem-vindos. E, sem dúvida, a iniciativa do fabricante em produzi-los mexeu profundamente com as emoções e com as expectativas das crianças internas dos seus fãs", enfatiza.
Sobre a crítica dos colecionadores mais conservadores em relação ao boneco, ele adota uma postura mais conciliatória. "Em nenhum momento, o fabricante anunciou que teríamos um Falcon idêntico ao de 1979-80. Levando em consideração apenas o olhar por este prisma, a exigência de um Agente Secreto 2020 totalmente fiel ao antecessor de mesmo nome pode parecer descabida. Por outro lado, o fabricante não foi muito claro sobre a proposta dos relançamentos, em conjunto e individualmente, já que alguns foram mais fieis aos seus correspondentes do passado. O Agente Secreto 2020 não foi apresentado aos fãs e, pelo que pesquisei, nada foi mencionado sobre os conceitos que nortearam a sua idealização e que promoveram mudanças em relação ao original. Por se tratar de uma série limitada, minha crítica ao fabricante não tem relação com o boneco em si, mas na forma como introduziu o modelo aos fãs. Parece haver uma confusão nuclear dos conceitos de 'artigo de coleção' e 'brinquedo'. A dupla mensagem acaba gerando reações, algumas bastante inadequadas e desrespeitosas e, portanto, inaceitáveis, por parte de alguns fãs. Parece não haver coesão do grupo responsável pelo Falcon, é como se os grupos responsáveis por cada processo não conversassem entre si. A cor do cinto da jaqueta talvez seja o símbolo disso. Mas também não acho que seja algo grave para o boneco", pondera.
Questionado sobre as diferenças entre o boneco antigo e o recente, Gaspar consegue reconhecer semelhanças entre o antigo e o novo. "Apesar de muito diferentes, eu consigo enxergar o Agente Secreto dos anos 70-80 no atual modelo. Os olhos de águia em tons de azul foram substituídos, na atual versão, por olhos pintados de castanho, uma cor que nunca tinha visto num Falcon. A barba foi suprimida. A flocagem do cabelo é diferente, na textura e na cor. Também nunca vi uma flocagem assim antes num modelo de Falcon. A jaqueta é um pouco mais curta e perdeu os bolsos e os detalhes nos punhos. O fechamento da jaqueta é em velcro, embora os botões tenham sido mantidos como recurso estético. A gola, 'babador', foi substituída por uma blusa branca. O cinto tem a cor da calça e não da jaqueta, como era no antigo modelo. A desejada maleta perdeu as divisórias. A arma não veio com a pintura que o de 1979-80 possuía. Fiquei em dúvida sobre se o silenciador é do mesmo material utilizado na versão anterior. Eu gostei da versão 2020 e, sem dúvida, foi uma ótima aquisição".
Referência entre colecionadores de figuras de ação, o locutor Ricardo Andraus, mantém um canal no YouTube para falar exclusivamente sobre o boneco Falcon - neste link. Entre as lembranças sobre o boneco, ele afirma que teve os três primeiros, lançados em sua infância. "Como o Combate e o Ação Camuflada eram soldados, o Missão Impossível era meu xodó, o boneco querido. Muita saudade".
Sobre a versão do Agente Secreto em 2020, ele é crítico. "Achei que focaria no fator memória afetiva, mesmo com mínimas diferenças na flocagem e pintura dos olhos e sobrancelhas diferentes. O boneco voltou com uma boa carga emocional. O Turbocóptero era praticamente 100% nostalgia, o Explorador fugiu da nostalgia como um Falcon 'novo', logo depois veio o primeiro 'susto': o Salto Fantástico, com colete e botas diferentes. Saiu o Torak, 100% aprovado como o Tesouro Submarino, uma aventura lendária. Depois disso, a Estrela perdeu a mão e quis descaracterizar totalmente o boneco. Perdeu a identidade dele".
Entre as diferenças e semelhanças entre os dois bonecos, ele aponta poucas. "O boneco em si só mudou a pintura dos olhos e sobrancelhas, tanto dos olhos fixos como do 'Olhos de Águia'. A rejeição é mais por conta dos saudosistas como eu, mas que compram na esperança de vir algo o mais semelhante possível dos antigos, por que igual não virá mesmo. Não deixam, não querem...", finaliza.
O administrador de empresas Luis Jorge Mussi Filho, que mantém um canal no YouTube - neste link - em que faz reviews dos lançamentos do boneco Falcon, lembra com saudade do primeiro Agente Secreto. "A maletinha do Missão Impossível me encantava com as peças encaixadas nas divisórias. Eu tinha dez anos. Não considero o Agente Secreto de 2020 um relançamento e sim uma nova versão. A principal diferença é a tonalidade da flocagem ruiva, o antigo era mais forte e com barba", afirma. De acordo com ele, a rejeição que o boneco enfrentou até mesmo antes do lançamento não é pelo isolamento social em tempos de pandemia, mas pelo valor elevado que ele tem.
Músico mundialmente conhecido, Rosivaldo Cordeiro, que vive na França e mantém um perfil no Instagram com as aventuras do boneco em Paris - neste link, concorda com Mussi ao afirmar que o novo Agente Secreto não é um relançamento, mas um boneco novo inspirado em itens vintage. "No meu caso, o colecionismo está sendo uma terapia em tempos de pandemia, pois ocupa a minha mente. No que diz respeito ao lançamento, para ser bem sincero, não sou da ala radical e só de ter o Falcon de volta já é motivo de celebração, pois somos o único país a continuar a fabricação em grande escala, seguidos do GeyperMan da Espanha, que faz pequenas tiragens de 200 unidades no máximo", conclui.
Pandemia
Psiquiatra, Léo Salvador Gaspar afirma que não tem nenhuma dúvida sobre o impacto da pandemia, e de todas as formas de distanciamento social, sobre os sentimentos ambivalentes que o boneco recém-lançado despertou nos fãs. "A marca 'Falcon' tem uma grande valência na memória afetiva, sobretudo, das crianças e adolescentes das décadas de 70 e 80. Ele simboliza, portanto, momentos felizes e seguros da infância e adolescência que 'guardamos' em nosso aparelho psíquico e que, inconscientemente, 'acionamos' para lidar com as adversidades e sofrimentos da vida adulta. A pandemia nos trouxe, ou tornou mais clara, a ideia de que temos pouco controle sobre o mundo externo. Logo, um relançamento, neste cenário, fica mais propenso a comparações e críticas mais ferrenhas, as quais são ativadas pela tentativa de controle e pela 'proteção' do lugar psiquicamente seguro simbolicamente representado pelo Agente Secreto dos anos 70-80. As mudanças no Agente Secreto de 2020, tendo como parâmetro o seu antecessor quarentão de 1979, podem ter sido recebidas, neste momento, como uma 'ameaça' ou 'heresia' desferida, não contra ao boneco necessariamente, mas ao que ele simbolicamente representa. Por outro lado, quando fragilizado pela sensação de impotência e perda de controle, o ser humano tende reproduzir as relações ambivalentes e beligerantes estabelecidas, no passado, com os pais. Em última análise, ele pede para que alguém assuma o controle, que alguém o acalme. Talvez isto explique também a relação que se estabeleceu por parte de alguns fãs com a detentora das marcas, após o relançamento. O manejo desta situação, portanto, exige cuidado e respeito mútuos, porque não pode ser resumida e tratada como uma mera relação comercial. O Falcon não pode ser encarado como um simples produto, seja como item de colecionador ou como um brinquedo disponível no varejo", finaliza. Procurada, a Estrela não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
Review - Falcon Agente Secreto
O primeiros Falcon caucasianos e de olhos Castanhos foi o Clássicos Falcon Soldade de 94. Então estão não é o primeiro.
ResponderExcluirMatéria espetacular,adorei ,tem tudo a ver com oq sentimos sobre o falcon,parabéns.
ResponderExcluirExcelente reportagem.
ResponderExcluirSou um saudosista dos clássicos e gostaria que a Estrela focasse nesta questão, mas também gosto da maioria dos novos bonecos lançados (do tipo parece mas não é).
Infelizmente com o preço praticado pela empresa, fica difícil a aquisição do brinquedo, $300/400 por um boneco sem grandes acessórios não dá.
Parece que a Estrela focou num grupo pequeno de colecionadores.