quinta-feira, 7 de maio de 2020

.: Uma mensagem para o Aldir Blanc, um relato emocionado de Luiz Otero


Por Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico musical.

Foi no início da semana que recebemos a notícia do falecimento do compositor Aldir Blanc. Um dos maiores nomes de nossa música popular saiu de cena antes da hora, vitimado por complicações provocadas pelo maligno Coronavírus, o Covid-19.

Ainda no início da semana fui chamado pela equipe da Santa Cecília de Comunicação para comentar sobre a obra desse ícone carioca da composição, que ao lado do mineiro João Bosco formou uma dupla perfeita. As melodias de João se encaixavam sempre com perfeição nas letras e na poesia escrita por Aldir.

Além de ser torcedor fanático do Vasco da Gama, a principal qualidade de Aldir era ser um cronista do cotidiano. Usando metáforas de forma genial, ele conseguia descrever ou transmitir mensagens que ecoavam fundo em nossas mentes e corações. Em determinados momentos, era possível ouvir a canção de olhos fechados e imaginar a exata imagem da cena que estava  sendo cantada na rádio.

Um exemplo disso é o samba "De Frente Pro Crime", aquele cujo primeiro verso virou bordão do locutor Januário de Oliveira na TV Bandeirantes ("Tá lá o corpo estendido no chão"). Os versos desse samba funcionam como uma coleção de situações cotidianas que pode ser observada da janela de uma casa ou apartamento: “...o bar mas perto depressa lotou/Malandro junto com trabalhador/ Um homem subiu na mesa do bar/E fez discurso para vereador/ Veio o camelô vender anel/Cordão, perfume barato/Baiana vai fazer pastel/E um bom churrasco de gato...”.



Na voz de Elis Regina as composições de João Bosco e Aldir Blanc cresciam ainda mais. Muito por causa da força de interpretação que a Elis sempre colocava em suas gravações e nos shows ao vivo. Mas o ápice, na minha opinião, foi "O Bêbado e a Equilibrista", que se tornou o hino da abertura política e do fim do período do governo militar no país. As citações metafóricas de Aldir, como as nuvens no mata-borrão do céu, que chupavam manchas torturadas, lembravam na verdade a tortura praticada pelas forças de repressão nos anos 60 e 70.

Foi triste saber que a Secretaria Nacional de Cultura (o país não tem um Ministério da Cultura) não divulgou uma nota de pesar sobre o falecimento desse ícone da música popular. Limitou-se apenas a enviar uma mensagem para a família. Por receio de haver algum tipo de patrulhamento ideológico. Um receio patético e ao mesmo tempo melancólico.

Hoje a música popular é que chora junto com as Marias e as Clarices no solo do Brasil. Por tanta gente que partiu tão cedo em um rabo de foguete junto com você, Aldir.  Para nós, resta ter a consciência que a esperança continua na corda bamba de sombrinha. E o show tem que continuar.



"O Bêbado e a Equilibrista"

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