sábado, 25 de janeiro de 2020

.: Tudo sobre Mikhail Bakhtin, o filósofo de muitas vozes e do sujeito em si


Mikhail Mikhailovich Bakhtin nasceu em 17 de novembro de 1895, em Oriol, e morreu em 7 de março de 1975, em Moscou, aos 79 anos. Foi um filósofo e pensador russo, teórico da cultura europeia e das artes.

Bakhtin foi um verdadeiro pesquisador da linguagem humana, seus escritos, em uma variedade de assuntos, inspiraram trabalhos de estudiosos em um número de diferentes tradições (o marxismo, a semiótica, estruturalismo, a crítica religiosa) e em disciplinas tão diversas como a crítica literária, história, filosofia, antropologia e psicologia. 

Embora Bakhtin fosse ativo nos debates sobre estética e literatura que tiveram lugar na União Soviética na década de 1920, sua posição de destaque não se tornou bem conhecida até que ele foi redescoberto por estudiosos russos na década de 1960. É criador de uma nova teoria sobre o romance europeu, incluindo o conceito de polifonia em uma obra literária. 

Explorando os princípios artísticos do romance, François Rabelais, Bakhtin desenvolveu a teoria de uma cultura universal de humor popular. Ele é dono de conceitos literários como polifonia e cultura cômica, cronotopo, carnavalização, menippea (um eufemismo em relação à linha principal e levando o desenvolvimento do romance europeu no "grande momento"). Bakhtin é autor de diversas obras sobre questões teóricas gerais, o estilo e a teoria de gêneros do discurso. Ele é o líder intelectual de estudos científicos e filosóficos desenvolvidos por um grupo de estudiosos russos, que ficou conhecido como o "Círculo de Bakhtin".

Biografia
Nascido em Oriol, localidade a sul de Moscovo, de família aristocrática em decadência, cresceu entre Vínius e Odessa, cidades fronteiriças com grande variedade de línguas e culturas. Mais tarde, estudou Filosofia e Letras na Universidade de São Petersburgo, abordando em profundidade a formação em filosofia alemã.

Viveu em Leningrado após a vitória da revolução em 1917. Entre os anos 24 e 29 conheceu os principais expoentes do Formalismo russo e publicou "Freudismo" (1927), "O Método Formal nos Estudos Literários" (1928) e "Marxismo e Filosofia da Linguagem" (1929), sendo esta última talvez a sua obra mais célebre. Assinada com o nome de seu amigo e discípulo Voloshinov, só a partir dos anos 70 teve difusão e reconhecimento importantes, e apenas recentemente é que veio a ser confirmada a sua autoria (Bakhtin concedeu a atribuição de diversos de seus textos a colegas). Em 1929, foi obrigado ao exílio interno no Cazaquistão acusado de envolvimento em atividades ilegais ligadas à Igreja Ortodoxa, o que nunca viria a ser demonstrado. Ficaria no Cazaquistão até 1936.

Mais tarde, ver-se-ia forçado ao exílio a Saransk (capital da Mordóvia) durante a purga de 1937. Em 1941 lê a tese de doutoramento no Instituto Gorki, de Moscovo, voltando a Saransk como catedrático após a Segunda Guerra Mundial, e sendo redescoberto como teórico por estudantes da capital russa depois da morte de Stalin (1953) e sobretudo na década de 1960. Os seus trabalhos só foram conhecidos no Ocidente progressivamente a partir da década de 1980, atingindo grande prestígio e referencialidade póstuma na década de 1990 e até a atualidade.

Seu trabalho é considerado influente na área de teoria literária, crítica literária, sociolinguística, análise do discurso e semiótica. Bakhtin é, na verdade, um filósofo da linguagem e sua linguística é considerada uma "translinguística" porque ela ultrapassa a visão de língua como sistema. Isso porque, para Bakhtin, não se pode entender a língua isoladamente, mas qualquer análise linguística deve incluir fatores extralinguísticos como contexto de fala, a relação do falante com o ouvinte, momento histórico, etc.

Marxismo e Filosofia da Linguagem


Círculo de Bakhtin. Sentados, da esq. à dir.: Bakhtin, Maria Yúdina, Valentin Voloshinov, Lev Pumpianski, Pável Medvédev. Em pé Constantino Váguinov e esposa (Petrogrado por volta da metade da década de 1920)

A pretensão exprimida por Valentin Voloshinov em "Marxismo e Filosofia da Linguagem" é a de dotar a teoria marxista de uma formulação coerente em relação à ideologia e à psicologia, superando em simultâneo o objetivismo abstrato ou positivista e o subjetivismo idealista. Para tal, descobre no signo linguístico um signo social e ideológico, que põe em relação a consciência individual com a interação social. 

O pensamento individual não cria ideologia, é a ideologia que cria pensamento individual. Literalmente, afirma que "Uma das tarefas mais essenciais e urgentes do marxismo é constituir uma psicologia verdadeiramente objetiva. No entanto, seus fundamentos não devem ser nem fisiológicos nem biológicos, mas sociológicos".

Apesar de ter sido escrito no fim da década de 1920, a obra mantém uma atualidade espantosa e faz parte dos fundamentos da mais atual teoria textual e semiótica. De caráter interdisciplinar, abre portas para uma nova interpretação do signo, da linguagem, da comunicação e da ideologia, de base social e material mas não mecânica nem positivista. Aplica o materialismo dialético ao campo da linguística de maneira fértil e original.

De fato, Bakhtin professa uma abordagem que transcende a abordagem marxista da língua e da linguística, combinando-o com o freudismo, o estruturalismo, o evolucionismo, a física relativista e a biologia. Para ele “a palavra é o signo ideológico por excelência” e também "uma ponte entre mim e o outro".

Teoria literária
Conceitos fundamentais associados à obra de Bakhtin incluem o dialogismo, a polifonia (linguística), a heteroglossia e o carnavalesco. Todos eles se afirmam na sua teoria literária, formulada principalmente na sua tese de doutoramento: "A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o Contexto de François Rabelais" (1941), em que rechaça a norma unívoca e a rigidez dos padrões e estilos. Reivindica a ambivalência, o discurso carnavalesco, amplo, polifônico e dialógico. Opõe-se à unidirecionalidade da retórica clássica e reivindica uma interpretação participativa, integradora, social, diversa e múltipla na construção da obra literária.

"A Estética da Criação Verbal"
Em "A Estética da Criação Verbal", Mikhail Bakhtin traz conceitos de polifonia e dialogismo. Polifonia, em síntese, diz respeito à existência de múltiplas vozes que constituem um ser, mas sobretudo qualquer atividade estética. Dialogismo é a constituição de qualquer um de nós pela auteridade.  Auteridade é a capacidade de se colocar no lugar do outro na relação interpessoal (relação com grupos, família, trabalho)... Empatia.

A literatura pode manifestar a polifonia e o dialogismo sem se submeter a elas, é o que afirma Mikhail Bakhtin. Mikhail Bakhtin dá um outro status para o estudo da linguagem, que não seria só estudar a gramática, a regra, mas estudar o modo como se usa no cotidiano, em grupos distintos.

Palavras podem significar coisas em grupos distintos. Mikhail Bakhtin fala sobre a abertura de se pensar nos usos da linguagem em contextos específicos, com estratificações sociais específicas. Ele é contra muitas das correntes que estavam circulando naquele momento, extremamente focadas na estrutura, que não tem sujeito e, se tem sujeito, não tem ação. Mikhail Bakhtin critica uma ideia de se pensar o social apartada do sujeito.

Principais obras de 
Mikhail Bakhtin
  • "Freudismo". SP: Perspectiva, 2004.
  • "Marxismo e Filosofia da Linguagem". SP: Hucitec, 2009.
  • "Cultura Popular na Idade Média: o Contexto de François Rabelais". SP: Hucitec, 2010.
  • "Estética da Criação Verbal". SP: Martins Fontes, 2010.
  • "Problemas da Poética de Dostoiévski". SP: Forense, 2010.
  • "Questões de Literatura e de Estética". SP: Hucitec, 2010.
  • "Para Uma Filosofia do Ato Responsável". SP: Pedro & João Editores, 2012.
Bibliografia
BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. SP: Contexto, 2005. ISBN 978-85-7244-290-9
BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. SP: Contexto, 2006. ISBN 85-7244-332-0
BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: dialogismo e polifonia. SP: Contexto, 2009. ISBN 978-85-7244-439-2
BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin e o Círculo. SP: Contexto, 2009. ISBN 978-85-7244-435-4
PAULA & STAFUZZA (Orgs). Círculo de Bakhtin: pensamento interacional. Campinas: Mercado das Letras, 2013 (Série Bakhtin: inclassificável; v. 3). ISBN 978-857891-207-2
PONZIO, Augusto. A Revolução Bakhtiniana. SP: Contexto, 2008. ISBN 978-85-7244-409-5
VOLOSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2017. ISBN 978-85-7326-661-0

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