Por Oscar D’Ambrosio, jornalista e crítico de arte.
Todos nós temos uma ancestralidade africana no sentido de uma ancestral paixão humana pela narrativa de histórias em que o aparente fantástico e o considerado real se diluem. Uma forma de vivenciar isso em termos cinematográficos é o filme de Gana “O Enterro de Kojo”, uma mescla de fábula com crua miséria existencial.
O diretor Blitz Bazawule, também artista visual e cantor de hip-hop, conta, de uma maneira muito peculiar, a história de dois irmãos que amam a mesma mulher. Existe um primeiro nível da narrativa que é o da história propriamente dita, que começa com a morte da moça em um acidente de carro e culmina com a morte do pai da narradora em uma mina de ouro.
Em paralelo, existe a analogia entre o corvo negro malvado (aquele que se casou com a amada e nutre o desejo de vingança contra o irmão que causou sem querer a morte dela num acidente de carro) e o pássaro branco sagrado (Kojo, morto pelo irmão, que representa o homem de bons sentimentos que sucumbe às pressões do irmão e da miséria financeira).
A história caminha justamente entre o que ocorre e aquilo que a narradora, uma escritora que conta a sua biografia romanceada em uma biblioteca, viu e ouviu do pai e imaginou. É nessa jornada que o sonho recorrente de Kojo, um carro incendiado junto ao mar, ganha o sentido de uma civilização moderna que sucumbe perante a força da natureza.
A necessidade financeira da família de Kojo a leva a sair de sua casa cercada pela água para a zona mineradora, dominada pelos chineses e pela ilegalidade na busca e venda de pepitas de ouro por empresas inescrupulosas e capangas violentos, traz inúmeras consequências, como a perda da própria identidade, que a história da narradora do filme recupera.
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