Por Helder Moraes Miranda, editor do Resenhando.
1. 70 anos de viagem. Lançada pela editora Record, "Camus, o Viajante" é uma obra caprichada que comemora os 70 anos da viagem que Albert Camus fez ao Brasil e reúne textos em que o autor escreveu a partir do impacto dessa experiência. Seria o Brasil capaz de "abrasileirar" a obra, a personalidade e os pontos de vista deste celebrado escritor da Argélia?
2. Artistas brasileiros na intimidade. O livro mostra pontos de vista de Albert Camus muito peculiares sobre grandes intelectuais e artistas brasileiros. Figuram nas páginas do livro personagens como o escritor Manuel Bandeira (tuberculoso como "Camus, o Viajante"), além de Murilo Mendes (a quem ele considerava um "espírito fino e resistente), Aníbal Machado ("espécie de tabelião magro, culto e espiritual) e o músico Dorival Caymmi (por quem se declara totalmente seduzido).
3. Oswald de Andrade, protagonista brasileiro. O escritor Oswald de Andrade, com quem Albert Camus jantou, tem uma participação mais efetiva entre os artistas mencionados no livro. Em "Camus, o Viajante", ele fala sobre a antropofagia como visão de mundo sob a ótica de Oswald de Andrade. Não é exagero dizer que o escritor brasileiro ajudou Camus a encontrar a própria "concepção de mundo".
4. Tédio e cartão-postal. São engraçadas as passagens em que "Camus, o Viajante" sente-se entediado com a paisagem brasileira, inicialmente considerada por ele um cartão-postal, mas que depois o irrita até em relação ao clima úmido, já que o próprio Albert Camus, sobre a natureza, declara: "a natureza tem terror dos milagres longos demais".
4. O olhar de fora. O livro não cede aos clichês a respeito da tropicalidade brasileira, fugindo do estereótipo que a maioria dos gringos coloca no Brasil. Pelo contrário, ele não afirma que o Brasil é "exótico" como aqueles que não saem do lugar comum. O olhar de fora apresentado "Camus, o Viajante" é inusitado, porque trata de um escritor de primeira grandeza que apresenta uma opinião própria e diferenciada sobre a vida e os espaços que percorre e as pessoas que passam por ele. O olhar estrangeiro, capaz de se encantar com o que passa despercebido por aqueles que já não enxergam a beleza no cotidiano de um local em que transitam por muito tempo. Esse olhar aberto para o novo faz com que ele considere Recife como "a Florença dos Trópicos" e também se encante com Salvador e Olinda.
5. Prefácio e organização de primeira linha. O prefácio de "Camus, o Viajante" é escrito por Manuel da Costa Pinto, que também é o organizador do livro e um estudioso da obra de Albert Camus. Costa Pinto escreveu um ensaio sobre Camus e traduziu e organizou outra obra do autor: "A Inteligência e o Cadafalso e Outros Ensaios". Também é mestre em Teoria Literária pela USP e apresentador do programa "Arte 1 ComTexto", do canal Arte 1.
6. Camus sem filtro. A edição de "Camus, o Viajante" não acrescenta notas de pé de página para não interferir no texto de Albert Camus, que é tão gostoso quanto um tecido que acaricia a pele quando entra em contato com vento em dia de calor. Entre as notas saborosas está o relato de um ritual de macumba em que assistiu em Caxias do Sul ao lado do ator Abdias do Nascimento e também uma cerimônia de candomblé em Salvador. É interessantíssimo.
7. Camus, o atual. Autor de "O Estrangeiro", "A Peste" e "A Queda", Albert Camus é um escritor necessário para os dias de hoje porque trata de temas que precisam ser discutidos até agora, provando que uma escrita boa é atemporal. O "Estrangeiro", obra mais conhecida e importante da ficção do autor, narra a história de um homem comum que se depara com o absurdo da condição humana depois que comete um crime quase inconscientemente. Qualquer metáfora que for feita a partir dessa premissa não é mera coincidência... "Camus, o Viajante" é repleto de metáforas que, 70 anos depois, permanecem atemporais.
8. O discurso direto de Camus. O autor recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1957, três anos antes de morrer. "Camus, o Viajante" celebra a obra desse escritor que é, sem dúvida, um escritor que merece ser redescoberto pelas novas gerações. O olhar de viajante, os relatos de viagem retiram do pedestal a mácula e a formalidade de um escritor. Nos diários de viagem, Camus é um homem repleto de vulnerabilidades e sem nenhum mascaramentos. Ele é o que é, sem a intenção de agradar ninguém. Isso acaba aproximando o leitor do autor.
9. A lenda e o Prêmio Nobel. Mostrada no livro"Camus, o Viajante", a romaria do Bom Jesus de Iguape que Albert Camus fez acompanhado de Oswald de Andrade possibilitou que o escritor argelino conhecesse uma lenda. A história de uma pedra que não para de crescer depois que a imagem do Senhor do Bom Jesus à Vila foi lavada nela rendeu o conto "A Pedra que Cresce", que finaliza o volume "O Exílio e o Reino", de 1957, que rendeu a Camus o Prêmio Nobel de Literatura.
10. Um estrangeiro de qualquer lugar. Albert Camus era argelino e é raro encontrar autores com essa nacionalidade. Ler vozes de diferentes partes do mundo, além de muito interessante, é necessário para ampliar nossos pontos de vista. "Camus, o Viajante" mostra a identidade de um homem cosmopolita que, ao mesmo tempo, é de todos os lugares e não pertence a lugar nenhum, já que ser um estrangeiro é a sua especialidade.
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