Talentosa e de personalidade inquieta, a diretora Neyde Veneziano está prestes a gerar sua mais nova criação artística, a peça de teatro "Francesco". Último texto do Nobel de Literatura Dario Fo, sobre a vida de São Francisco de Assis, baseado nas histórias que o povo contava, a obra estreou no último dia 8 de agosto, às 20 horas, no Teatro do CCBB de São Paulo.
Autoridade sobre a obra do dramaturgo contemporâneo mais encenado no mundo, a diretora - que passou um ano em Milão, entre 2000 e 2001debruçada sobre a oba de Fo, pesquisando o acervo da companhia, vendo vídeos, assistindo aos espetáculos, ensaios e palestras - convidou o ator Paulo Goulart Filho para a interpretação e cercou-se de equipe de criativosformada por Fábio Namatame (cenário e figurino), Daniel Maia (música) e André Lemes (iluminação). No tempo em que passou na Itália, por conta de sua pesquisa de pós-doutorado, Neyde Veneziano - autora do único livro sobre Dario Fo publicado no Brasil- chegou a conviver com quem considera a “figura mais emblemática de um tipo de teatro que não se esquece da plateia e das causas sociais”, inclusive frequentando sua casa.
Quando Fo morreu, em 2016, Veneziano já havia traduzido o texto e estava com os direitos de montagem da peça. Na época, Neyde estava encenando "MisterioBuffo", com Domingos Montagner e era desejo do ator interpretar o personagem. Mas Domingos morreria logo depois, no mesmo ano de Dario Fo. Ao encontrar o ator Paulinho Goulart, Neyde finalmente vai encenar Francesco. Veneziano resolveu encenaro texto por paixão, pela mensagem de paz que transmite e pelo ineditismo. “Dario está dando um abraço coral no público, trata-se de um texto mais humano, sem perder a ironia e o humor”.
A diretora está concebendouma encenação calcada na arte do ator. Como Dario gostava. “O ator está no centro do palco, no centro da história, no centro das atenções. Porém, para deixar mais espetacular, como nosso público gosta, acrescentaremos música e teremos cenário e figurino, que será um tanto ousado”. Nos primeiros meses de trabalho, diretora e ator se encontravam virtualmente – ela, em seu apartamento em São Paulo; ele no Rio. Faziam ensaios de mesa, como são chamados os primeiros ensaios do texto, por Skype. No começo de julho, Paulinho veio para São Paulo e os trabalhos passaram a acontecer de forma presencial, como manda o figurino.
Desafio de Paulo Goulart Filho
A respeito do convite para fazer o espetáculo, Paulinho recebeu a surpresa como um desafio. “Quando a Neyde falou comigo fiquei muito feliz e, ao mesmo tempo, apavorado. Fazer um monólogo! E ainda mais do Dario Fo! Que desafio! Mas nossa profissão é assim, somos movidos por desafios”.
Bailarino, ator, cantor, Paulo Goulart Filho reúne as habilidades e características desejadas por Neyde para o papel. Em cena, além do próprio Francisco, interpreta todos os outros personagens que contracenam com ele. Além dos sete personagens principais - Francesco, cardeal, narrador, o lobo, o papa (o antagonista), o Colona e o padre – Paulinho interpreta o pai, a mãe, as pessoas da igreja e os amigos, num total de 25 tipos diferentes.
“Enfim, uma gama de diversos tipos e características físicas, o que é um grande exercício de interpretação. Não estamos trabalhando com o naturalismo mas sim com tipos, arquétipos e uma linguagem farsesca de contadores de histórias. Preciso utilizar toda a minha experiência como ator, todos os meus recursos e repertório físico, vocal e emocional para transformar o texto em um espetáculo divertido, performático e emocionante para o público. Confesso que dá um friozinho na barriga só de pensar. Mas isso que é bom em nossa profissão. Nunca estamos no lugar comum, na zona de conforto, sempre estamos na corda bamba sobre um precipício. Ser ator é isso, mergulhar num buraco negro sem saber o que está em baixo”, afirma.
Paulino conta que processo de trabalho tem sido gratificante e prazeroso, no sentido de explorar todas as possibilidades físicas e vocais para compor os personagens e contar as histórias de forma intrigante e performática. Sobre ser dirigido por Neyde Veneziano, não mede elogios. "Neyde é uma diretora que permite ao ator participar de todo processo criativo, aceitando sugestões e dando espaço para desenvolver criatividade tanto na construção dos personagens como na concepção cênica. Isso faz com que o ator se sinta parte integrante do processo criativo e, assim, o espetáculo se torna parte do ator também. É uma diretora extremamente criativa, generosa e sabe como dirigir um ator mostrando os caminhos no sentido de ritmo, compreensão do texto, fisicalidade e voz. Enfim, além de uma grande encenadora, é também uma excelente diretora de atores".
"Castelo de Ferrara" e sessão de teatro
Ateu, Dario escreveu o texto no final dos anos 90 e, de acordo com Neyde, ele era um “cômico em revolta”. Dario Fo encenou "Francesco" com o nome original de "Lu SanctuFrançescoGiullare". “É assim mesmo que se escreve, pois está em dialeto Umbro. Francesco nasceu em Assis, uma cidade na Úmbria”, explica Neyde. “A primeira vez que assisti ao Francesco foi em Ferrara. Participei da montagem da Mostra Pupazzicon Rabbia e Sentimento (é como chamam a exposição dos quadros e obras de arte do Dario). Ele chegou depois e fez 'Francesco', no castelo de Ferrara, Quase morri!”.
Neyde seguiu Dario durante todo o tempo em que morou na Itália. “Uma das apresentações interessantes foi em San Sepolcro (um vilarejo da Toscana, perto de Arezzo). Fui com ele mesmo no carro. E ele ia me explicando porque a cidade tinha esse nome. Depois que o Bergoglio foi escolhido Papa e adotou o nome de Francisco, Dario Fo fez significativas mudanças no texto. Este novo texto nunca foi publicado. Só eu tenho essa versão. E é a que vamos encenar”.
Neyde lembra que Dario Fo era muito solicitado por políticos, governadores, presidentes e até por reis. “Fiquei muito intimidada quando cheguei e pedia licença pra me aproximar”. Um amigo brasileiro, técnico da CTFR (Compagnia Teatrale Fo e Rame) aproximou-a de Franca Rame, de quem ficou amiga. A mulher de Dario Fo abriu caminho para que Neyde sempre falasse com o dramaturgo. “Cheguei a acompanhá-lo a uma sessão de teatro porque Franca não quis ir”. Depois da conclusão do pós-doutorado, ela retornou à Italia todos os anos. No verão de 2005, foi a Cesenatico (região de Emilia Romagna) e dormiu na casa de praia deles.
Sobre Neyde Veneziano
Especialista em Teatro Musical Brasileiro, Neyde Veneziano dirigiu 40 espetáculos em São Paulo e outros em Campinas, Florianópolis, Lisboa (PT) e Milão (IT). Recebeu vários prêmios por suas encenações, entre eles dois APCAs, dois Mambembes e uma indicação ao Shell-2013 como Melhor Diretora por "MisteroBuffo", com o Grupo LaMinima (Domingos Montagner e Fernando Sampaio).
Em 1988/1989, seu espetáculo "Revistando o Teatro de Revista" conquistou mais de 15 prêmios, tendo permanecido dois anos em cartaz, apresentando-se em temporada no Rio de janeiro e São Paulo e em vários teatros do Brasil. Neyde é Professora Doutora em Artes Cênicas pela USP, professora orientadora na UNICAMP e autora de cinco livros sobre Teatro de Revista, sendo considerada a pesquisadora brasileira precursora na área de teatro musical.
Entre 2000 e 2001, viveu na Itália, fazendo seu pós-doutorado sobre Dario Fo, na Universidade de Bolonha. Desta importante pesquisa resultou seu livro "A Cena de Dario Fo: o Exercício da Imaginação" (Ed. Nobel). Este é o único trabalho sobre Dario Fo escrito em língua portuguesa. Em 2019, está lançando o documentário intitulado "Mamãe, Eu Quero ser Vedete" que apresenta atrizes do antigo Teatro de Revista ao lado de Silvio de Abreu e Claudia Raia, como representantes contemporâneos do gênero. Trata-se de mais uma obra de Neyde Veneziano com o propósito de valorizar a brasilidade em palcos paulistanos.
Sobre Paulo Goulart Filho
Estreou na televisão em 1976 na novela "Papai Coração" na extinta TV TUPI e no teatro em 1985 na peça "Dona Rosita, a Solteira", atuou em mais de 60 espetáculos como ator e/ou bailarino, entre eles: "Cabaret", "Não Fuja da Raia", "A Margem da Vida", "Enfim Sós", "Sábado, Domingo e Segunda", "O Cavalo na Montanha", "Quartett", "Adoráveis Sem Vergonhas", "A Tempestade", "Quarto 77", "Os 39 Degraus", "As Luzes do Ocaso", "Chaplin, o Musical". Trabalhou com diretores como Antônio Abujamra, Bárbara Bruno, Abelardo Figueiredo, Jorge Fernando, Jorge Takla, Zé Renato, Vitor Garcia Peralta, Marcelo Lazzaratto, Alexandre Reinecke e Roberto Lage.
O espetáculo ficará em cartaz no CCBB, de quinta a segunda-feira, de 8 a 31 de agosto, sendo aos domingos às 18h e todos os outros dias às 20h. Serão duas sessões extras, nos dias 11 de agosto, domingo, às 11h, e 19 de agosto, segunda, às 18h. Duração: 70 minutos. Gênero: comédia. Os valores dos ingressos respeitarão as regras do Prêmio Zé Renato: R$ 20 e R$ 10. Acessibilidade: sim. Capacidade: 130. Classificação: 14 anos.
Ficha Técnica - "Francesco"
Direção e Adaptação: Neyde Veneziano. Texto: Dario Fo. Tradução: Sérgio Casoy. Interpretação: Paulo Goulart Filho. Assistente de Direção: Tony Germano e Mariana Mantovani. Iluminação: André Lemes. Trilha Sonora: Daniel Maia. Cenário e Figurinos: Fábio Namatame. Fotografia e Vídeo: Rodrigo Veneziano. Produção Executiva e Administração: Michelle Gabriel. Assistente de Produção: Ioneis Lima. Assessoria de Imprensa: ArtePlural/M. Fernanda Teixeira.
Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo
Rua Álvares Penteado, 112 – Centro. São Paulo - SP (Acesso ao calçadão pela estação São Bento do Metrô). (11) 3113-3651/3652 | Todos os dias, das 9h às 21h, exceto às terças. Capacidade do teatro: 140 lugares
Acesso e facilidades para pessoas com deficiência | Ar-condicionado | Cafeteria e Restaurante | Loja. Estacionamento conveniado: Edifício Zarvos - Rua da Consolação, 228. Traslado gratuito até o CCBB. No trajeto de volta, a van tem parada na estação República do Metrô. Valor: R$ 14 pelo período de 6 horas. É necessário carimbar o ticket na bilheteria do CCBB.
0 comments:
Postar um comentário
Deixe-nos uma mensagem.