Por Helder Moraes Miranda, em abril de 2019.
A atriz Renata Leite é uma mistura de militância, empoderamento e arte. Ela protagonizou, ao lado do ator e youtuber Jesus Borges, o espetáculo “A Mão na Face”, com texto de Rafael Martins e direção de Rô Sant’Anna. "A Mão na Face" retrata o inventário que podemos fazer de nossas vidas, de nossas quase-vidas, do que queríamos e do que deixamos de querer, aquele inventário que nos remete às memórias que preferíamos manter ofuscadas.
A apresentação, no Teatro BTC, girou em torno de Mara, a prostituta cansada de si e de seus shows que retorna ao palco, e Gina, a travesti que faz dublagens e tenta contornar certa ansiedade que se revela na preocupação com a cor do batom. Entre um show e outro, no camarim, Mara e Gina entram no caos de suas realidades, desejos e frustrações.
"A Mão na Face" é um espetáculo lúdico e realista que faz com que o público queira conhecer mais esses personagens que estão tirando as máscaras diante dos outros, em um mundo cada vez mais carente de representatividade e respeito ao próximo.
RENATA LEITE - Porque ele mostra as feridas, ele iguala as histórias, ele "segura a mão" mostrando que estamos juntos e mesmo com dores podemos seguir, podemos senhor. É importante também por mostrar personagens que mesmo em tempos modernos ainda são descriminados, apedrejados, seres esses que são como quaisquer outros, apenas com "escolhas" diferentes de uma sociedade "normal".
RESENHANDO - Como surgiu a ideia de fazer esse espetáculo?
R.L. - É um texto de Rafael Martins, eu e Jesus fizemos uma leitura e nos apaixonamos. Assunto importante e personagens desafiadores. Foi amor e decisão a primeira vista.
RESENHANDO - O que mais lhe aproxima, e o que mais a afasta, da personalidade de sua personagem na peça?
R.L. - A Mara carrega um amor natural que ela não comanda, é a natureza. Eu tento também preservar esse sentimento e deixar o meu coração falar. A força do ensinar também parece comigo, mas no sentido teatral, sou professora e tenho essa sede no passar, no querer que o colega faça. O foco no sofrimento me afasta da Mara, não suporto lamentações repetidas, elas não mudam a realidade, voto na ação, na solução por mais difícil e distante que ela pareça. O vício pelo álcool também me afasta muito, todo vício promove estragos, digo por experiência própria e não sinto tesão nenhum em usar essa fuga. Mara começou cedo em uma profissão tão dolorida, se afogou no sofrimento, ela é frustrada e se culpa muito por não ter a Vaidade de vida "devida", mas mesmo assim libera mostras curtas de amor e beleza pela vida. A Renata ainda é jovem na carreira, cheia de força e o respirar pra seguir, sem feridas como as da Mara sem frustrações... Eu entendo e respeito o estado de Mara.
RESENHANDO - Qual é a outra face de Renata Leite, aquela que ninguém conhece?
R.L. - O choro! Chorar é uma fuga em tempos necessários. O silêncio também aparece como segunda face.
RESENHANDO - A peça trata sobre a convivência de uma prostituta e uma travesti. De que maneira essa união entre as minorias, como mulheres e gays, pode construir um mundo melhor?
R.L. - Força! A junção das dores é certamente forte. Segurar a mão do outro e receber uma mão permite um fortaleza que empurra no seguir e a voz vira grito.
RESENHANDO - Como mulheres e homossexuais podem se ajudar?*
R.L. - Dando a mão, de verdade, sem competição sem egoísmo, colocando a militância e a sede de mudança a frente.
RESENHANDO - De que maneira o programa "Rupaul's Drag Race" abriu as portas para a carreira de pessoas que fazem performances?
R.L. - São várias histórias e experiência incríveis, personalidades, cada uma com seus talentos e egos. Eu diria que a maior porta é a referência da colheita que cada uma colhe de acordo com o que planta, torna - se uma grande reflexão se a mente tiver aberta. E claro a oportunidade de mostrar seu trabalho.
RESENHANDO - Qual a sua queen favorita e por quê?
R.L. - Todas são fodas, mas escolho. Monét pela ousadia de usar a ópera e pelos tons maravilhosos nas paletas complementares de cores vivas. Gosto muito.
RESENHANDO - Com esse ambiente de intolerância nas ruas e nas redes sociais, do que você mais tem medo hoje?
R.L. - Fico preocupada com minha irmã que é gay, com grandes amigos. Mando pensamento positivo sempre para essa causa e desejos de mudança para a ignorância de muitos. Perder alguém é o grande medo.
RESENHANDO - Fazer teatro é, de alguma maneira, um ato de resistência?
R.L. - Sim! Sempre! Fazer teatro é levantar a bandeira de ser livre, é gritar de forma poética. E de acordo com a realidade do nosso governo ficar fazendo teatro nos últimos anos é resistir, é amor.
*Helder Moraes Miranda é bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.
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