Por Helder Moraes Miranda, em janeiro de 2019.
Foi necessário 16 anos para que Viggo Mortensen, depois de interpretar o herói Aragorn na trilogia "O Senhor dos Anéis", encontrasse um papel à altura do talento que tem.
Há poucos personagens pós-Aragorn que tiveram alguma repercussão, mas nada que se compare ao herói retirado dos livros de Tolkien e, principalmente, nada que descontrua mais a imagem de galã conquistada pelo ator que o novíssimo personagem Tony Vallelonga, do filme "Green Book - O Guia", que estreia nesta quinta-feira e segue favorito ao Oscar na categoria Melhor Filme.
O longa-metragem parte de uma história real na década de 60 e mostra a amizade improvável entre o personagem de Mortensen e o pianista de jazz clássico Don Shirley, interpretado com maestria pelo ator Mahershala Ali, que já brilhou em "Moonlight" (sendo o primeiro ator muçulmano a ganhar um Oscar), que por sua vez foi o longa-metragem vencedor da premiação de Melhor Filme em 2017.
Enquanto o primeiro é ítalo-americano, carismático, bonachão, passional, exagerado e extremamente preconceituoso - poderia ser aquele parente próximo que dispara bobagens num jantar em família -, o outro é polido, contido e desconta a sua raiva no piano, que também serve para que o personagem extravase todo o talento e encante a todos que o ouvem.
Tony Vallelonga é um motorista contratado para levar um músico para uma turnê em lugares da elite conservadora dos Estados Unidos. Enquanto toca, Don Shirley é tratado como um artista. Fora das apresentações, é considerado uma pessoa de segunda classe justamente por ser negro. "Green Book" é um guia de hotéis em que os negros poderiam se hospedar.
Mas Don Shirley é um ser que não se enquadra nem entre os negros da época, já que anda todo engravatado enquanto todos os que ele vê estão em posição de subalternos, nem entre os brancos, que o adjetivam com apelidos pejorativos e não deixam sequer que ele experimente na loja um paletó que quer comprar, utilize o banheiro próximo no intervalo de uma apresentação ou simplesmente jante no lugar em que irá se apresentar.
Don Shirley é clandestino até entre os próprios desejos, em uma época de segregação pelo tom de pele e, sobretudo, com quem sem escolhe para deitar. Mas os momentos pesados são atenuados por outros engraçados. Não há tristeza que perdure nesse filme, por isso a mesclagem entre dama e comédia é realizada com muita sensibilidade.
"Green Book" é um filme necessário nos tempos de hoje porque discute o racismo e mostra, a quem fecha os olhos para o problema, a dívida que ainda existe com as pessoas de raça negra, que sofreram horrores na convivência com o homem branco. Ainda hoje, porque o preconceito é velado.
Ainda hoje, porque as pessoas estão voltando para a Idade Média ou, simplesmente, resolveram revelar uma face que até então era feia de ser mostrada e, com a inversão de valores que coloca bandidos idolatrados no poder, qualquer manifestação de má-educação ou invasão do espaço alheio passou a ser considerada uma linda autenticidade.
Nos tempos de hoje, o mundo merece um vencedor de Melhor Filme à altura da urgência em que precisa debater coisas que vem sendo minimizadas por quem não sabe discutir de maneira civilizada, nem quer ouvir o que o outro tem a dizer.
*Helder Moraes Miranda é bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.
Foi necessário 16 anos para que Viggo Mortensen, depois de interpretar o herói Aragorn na trilogia "O Senhor dos Anéis", encontrasse um papel à altura do talento que tem.
Há poucos personagens pós-Aragorn que tiveram alguma repercussão, mas nada que se compare ao herói retirado dos livros de Tolkien e, principalmente, nada que descontrua mais a imagem de galã conquistada pelo ator que o novíssimo personagem Tony Vallelonga, do filme "Green Book - O Guia", que estreia nesta quinta-feira e segue favorito ao Oscar na categoria Melhor Filme.
O longa-metragem parte de uma história real na década de 60 e mostra a amizade improvável entre o personagem de Mortensen e o pianista de jazz clássico Don Shirley, interpretado com maestria pelo ator Mahershala Ali, que já brilhou em "Moonlight" (sendo o primeiro ator muçulmano a ganhar um Oscar), que por sua vez foi o longa-metragem vencedor da premiação de Melhor Filme em 2017.
Enquanto o primeiro é ítalo-americano, carismático, bonachão, passional, exagerado e extremamente preconceituoso - poderia ser aquele parente próximo que dispara bobagens num jantar em família -, o outro é polido, contido e desconta a sua raiva no piano, que também serve para que o personagem extravase todo o talento e encante a todos que o ouvem.
Tony Vallelonga é um motorista contratado para levar um músico para uma turnê em lugares da elite conservadora dos Estados Unidos. Enquanto toca, Don Shirley é tratado como um artista. Fora das apresentações, é considerado uma pessoa de segunda classe justamente por ser negro. "Green Book" é um guia de hotéis em que os negros poderiam se hospedar.
Mas Don Shirley é um ser que não se enquadra nem entre os negros da época, já que anda todo engravatado enquanto todos os que ele vê estão em posição de subalternos, nem entre os brancos, que o adjetivam com apelidos pejorativos e não deixam sequer que ele experimente na loja um paletó que quer comprar, utilize o banheiro próximo no intervalo de uma apresentação ou simplesmente jante no lugar em que irá se apresentar.
Don Shirley é clandestino até entre os próprios desejos, em uma época de segregação pelo tom de pele e, sobretudo, com quem sem escolhe para deitar. Mas os momentos pesados são atenuados por outros engraçados. Não há tristeza que perdure nesse filme, por isso a mesclagem entre dama e comédia é realizada com muita sensibilidade.
"Green Book" é um filme necessário nos tempos de hoje porque discute o racismo e mostra, a quem fecha os olhos para o problema, a dívida que ainda existe com as pessoas de raça negra, que sofreram horrores na convivência com o homem branco. Ainda hoje, porque o preconceito é velado.
Ainda hoje, porque as pessoas estão voltando para a Idade Média ou, simplesmente, resolveram revelar uma face que até então era feia de ser mostrada e, com a inversão de valores que coloca bandidos idolatrados no poder, qualquer manifestação de má-educação ou invasão do espaço alheio passou a ser considerada uma linda autenticidade.
Nos tempos de hoje, o mundo merece um vencedor de Melhor Filme à altura da urgência em que precisa debater coisas que vem sendo minimizadas por quem não sabe discutir de maneira civilizada, nem quer ouvir o que o outro tem a dizer.
Sobre o Cine Roxy: Em oito décadas, o Roxy é caso raro de cinema que acompanhou a transformação da maneira de se exibir um filme: dos primeiros e grandes rolos de película ao sistema digital. A rica trajetória se deve à perseverança e o senso empreendedor da família Campos: de pai para filho, chegou ao atual diretor do Roxy, Antônio Campos Neto, o Toninho Campos. A modernização, aliada à tradição, transformou o Roxy no principal cinema do litoral paulista, fato que rendeu a Toninho o Prêmio ED 2013 na categoria Exibição -Destaque Profissional de Programação, considerado o principal do país nos segmentos de exibição e distribuição. E o convite para ser diretor cultural do Santos & Região Convention Visitors Bureau.
Trailer de "Green Book - O Guia"
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