segunda-feira, 19 de novembro de 2018

.: Crítica: "Pedido de Casamento", de Tchekhov, com a Cia. Estômago


Por Helder Moraes Miranda, em outubro de 2018.

Escrita por Anton Tchekhov em 1889,  a peça teatral "Pedido de Casamento" continua atual. Encenado pela Cia. do Estômago, em apresentação no Sesc Santos, o espetáculo, que segue pelo país, tem como pano de fundo a intenção de casamento de um hipocondríaco e uma moça cheia de personalidade - mas o que está em jogo não é o pedido, mas a guerra dos sexos. 


É nítido que a cena clássica de café da manhã da novela das sete escrita por Silvio de Abreu - em que Fernanda Montenegro e Paulo Autran jogam alimentos um na cara do outro - bebeu dessa fonte. No teatro, entretanto, é a partir do pedido de casamento de Ivan Vassiliyitch, que decide pedir a mão de Natalia Stepanovna, vizinha e filha do septuagenário Stepan Stepanovitch, que as coisas acontecem. 

O tema é àrido e há questões que vão além de um casamento que pode vir a se realizar, ou não. Na peça da Cia. do Estômago, o desenlace se dá de forma diferente da peça original, que satiriza a burguesia russa do século XIX. Eu diria até que a forma abrupta em que termina, mesmo após uma recepção calorosa em que os artistas interagem com o público a partir de uma animada música ao vivo, é proposital para que a plareia saia mais reflexiva do que entrou.

Qualquer semelhança com "Natasha, Pierre e O Grande Cometa de 1812" param por aí, já que enquanto os personagens que saltam do livro "Guerra e paz" de Tolstói só querem amar e ser amados, esses, defendidos pela Cia. do Estômago só querem estar certos em suas convicções. É um bom paralelo entre a gritaria nas redes sociais de pessoas que só querem expor os seus pontos de vista e não ouvir os argumentos de quem quer que seja. 


Em "Pedido de Casamento" há a representação de duas pessoas em uma mesma sala gritando ao mesmo tempo enquanto ninguém se escuta. Tudo, claro, levado com muita leveza para que o público não se afaste da linha condutora, que é o casamento e as convenções sociais. Destaque para os atores Lindsay Castro Lima, que dá frescor à peça com a personagem Natalia, a atuação enérgica de Giba Freiras, o hipocondríaco com palpitações no coração, e Anne Pelucci, mãe de Natalia, em uma apresentação consistente, que fazem com que o público embarque nesse jogo de gato e rato entre duas pessoas que, no fundo, só querem se entender em meio a problemas da vida real que se relacionam com propriedades, dinheiro, vaidade e machismo. Tudo extremamente atual. 

O carisma de André Mendes, a direção competente de Neyde Veneziano e 
as músicas brilhantemente executadas por Denis Antunes tornam o espetáculo memorável e afetivo. Tchecov causa uma revolução interna em seus espectadores, mesmo de uma maneira tão sutil.


*Helder Moraes Miranda escreve desde os seis anos e publicou um livro de poemas, "Fuga", aos 17. É bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.

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