domingo, 2 de setembro de 2018

.: "Brasileiro": a entrevista (quase) perdida de Silva


"Podem falar o que for, mas melodia é tudo", 
Silva.


Por Helder Moraes Miranda, em setembro de 2018.

Qual é o momento certo de publicar uma entrevista. Nos tempos de faculdade, um professor dizia que "matéria boa é matéria publicada". Portanto, entre linhas, ele orientava a não perder tempo com "preciosismos". A entrevista com Lúcio Silva de Souza, mais conhecido pelo nome artístico de Silva, feita há alguns meses, quase não foi publicada justamente pela espera do momento certo. 

Seriam os 30 anos que ele completou em julho? Ou o próprio lançamento do álbum "Brasileiros", alguns meses atrás? Ou seria a proximidade das eleições, cujo brasileiro fará valer o direito de escolha nas urnas em um momento tão polarizado?

Essas são questões que não têm uma resposta precisa. Mas, seja por conta da espera em publicar ou da imprecisão que coloca o tempo como coadjuvante entre o cantor, o veículo e o público, essa entrevista, publicada agora, quase ficou presa em nossos arquivos. 

Nascido em Vitória, Silva é um cantor, compositor, produtor musical e músico multi-instrumentista brasileiro. Tornou-se conhecido após o primeiro álbum, "Claridão", lançado em 2012 pela SLAP. Em 2014, lançou o segundo álbum de estúdio, intitulado "Vista Pro Mar", que teve como convidada a cantora Fernanda Takai na faixa "Okinawa". 

No final de 2016, lança o álbum "Silva Canta Marisa", composto por regravações de músicas da cantora Marisa Monte, que participa na faixa inédita "Noturna (Nada De Novo Na Noite)" cantando em dueto com ele e sendo autora da letra. O projeto também virou um DVD ao vivo. Nesta entrevista exclusiva, ele fala das parcerias com Maria Monte e Anitta, de que maneira um álbum complementa outro e sobre se sentir estrangeiro no próprio país.

RESENHANDO - Por que apostar na brasilidade explícita depois de um trabalho tão consistente sobre a obra de Marisa Monte?
SILVA - Não chamaria de aposta e acho que é aí que está o negócio. O disco não foi feito numa reunião de uma empresa de publicidade. As ideias vieram de forma intuitiva, sem muito planejamento e sem pressa. Me aproximar de Marisa me trouxe muitas coisas boas. Eu sempre fui fã dela, mas hoje sou também amigo e isso me colocou em contato outra vez com minhas influências mais brasileiras, me fez evoluir no canto e na música de uma forma geral. É aquela história de a gente saber escolher bem nossos ídolos.

RESENHANDO - O que há de autobiografia nos álbuns que você lança?
SILVA - Meus discos sempre refletem a fase que eu vivo. Gosto de falar das coisas que tenho conhecimento, das coisas que já experimentei na vida e das minhas expectativas sobre o futuro. Mas tento não colocar o foco em mim o tempo todo. Tem muita coisa bonita pra ser falada por aí.

RESENHANDO - É possível estabelecer uma ligação, ou até mesmo uma continuidade, nos álbuns que você lança? 
SILVA - Acredito que sim. Sempre fui responsável por toda a parte criativa dos meus álbuns, desde a composição até a pós-produção. O fato de saber tocar alguns instrumentos ajuda nesse sentido, porque você deixa a música do jeito que você quer, sem depender da cabeça de um outro produtor. 

RESENHANDO - De que maneira um álbum complementa ou continua o outro?
SILVA - Sempre tive um apego com a parte melódica da música e mesmo mudando de assunto de um disco para o outro, mantenho um certo cuidado com a melodia. Podem falar o que for, mas melodia é tudo.

RESENHANDO - Para você, hoje, o que é ser brasileiro?
SILVA - Brasileiro pra mim é sinônimo de luta e esforço. Eu quero de alguma forma contribuir pra que esse país seja melhor e que a gente tenha uma relação mais profunda com a nossa história e nossa cultura. Acho que só assim a gente consegue evitar os mesmos erros que cometemos no passado.

RESENHANDO - Ser brasileiro nos dias de agora difere de ser brasileiro nas outras fases de sua vida - infância, adolescência, início da vida adulta?
SILVA - Sim, muito. Eu lembro que ouvia uma parte da minha família falar muito mal do Brasil, uma eterna insatisfação com isso tudo aqui. Não vejo problema em estar insatisfeito, mas acho uma atitude mimada quando não se faz nada para contribui e tentar melhorar as coisas. Lembro que quando eu era adolescente o legal era parecer gringo, ver MTV e conhecer a última banda que foi lançada em Londres. Hoje me sinto mais seguro comigo mesmo, como músico, como pessoa e até mesmo como brasileiro. Isso eu não poderia dizer há dez anos.



RESENHANDO - Por que hoje "a cor é rosa"?
SILVA - Essa música tem várias interpretações. Ela foi inspirada na história de Iansã e Iemanjá e é como se uma estivesse cantando para a outra. Outra coisa é o momento polarizado em que vivemos. Usar verde-azul-amarelo infelizmente ficou associado àquelas manifestações com patos de borracha gigantes, então preferi não associar o brasileiro com as cores da bandeira. Meu estado, o Espírito Santo, tem as cores azul, branco e rosa. Prefiro me apegar a ela nesse momento.

RESENHANDO - Como surgiu a ideia da parceria com Anitta?
SILVA - Admiro muito a Anitta e já tinha vontade de gravar algo com ela. Mandei a versão demo para ela ouvir e ela gostou muito. 

RESENHANDO - A música brasileira proporciona misturas de artistas de universos diferentes. Dentro dessa diversidade, como foi trabalhar com ela? 
SILVA - Foi algo bem espontâneo e o que conectou a gente foi a música mesmo, não tínhamos nem amigos em comum. 

RESENHANDO - Musicalmente, em que são mais parecidos e, também, mais diferentes?
SILVA -Acho que somos parecidos porque gostamos muito de trabalhar com música, ela do jeito dela, fazendo mil coisas e eu do meu jeito mais lento. Acho que essas diferenças é que deixam as coisas interessantes.

RESENHANDO - Qual o motivo de acrescentar músicas instrumentais no novo álbum?
SILVA - Elas ajudam a contar a história do álbum, dão um clima e servem de transição de uma faixa pra outra. Eu amo música sem vocal, elas descansam meu ouvido e me colocam em sintonia apenas com os sons. Letras não são necessárias sempre.

RESENHANDO - Nesse novo trabalho, há um questionamento permanente que respinga em praticamente todas as canções: "Como a gente vai ser brasileiro?". Como você, como homem e como artista, responderia a essa pergunta?
SILVA - Lutando diariamente contra o preconceito, a injustiça, a intolerância e tendo uma visão mais profunda sobre nós mesmos. O álbum, mesmo levantando esses questionamentos, é um álbum sobre amor. E tudo que a gente tá precisando nesse momento é de um pouco mais de amor. Pode parecer romântico e utópico, talvez, mas prefiro entrar para o grupo dos sonhadores.

RESENHANDO - Em algum momento você se sente um estrangeiro no próprio país? 
SILVA - Já me senti estrangeiro quando era bem novo, porque não me esforçava pra me sentir parte daqui. Quando comecei a me aprofundar um pouco mais na nossa história, pude me sentir mais brasileiro e firmar minhas raízes aqui.


*Helder Moraes Miranda escreve desde os seis anos e publicou um livro de poemas, "Fuga", aos 17. É bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando e assina a coluna dominical DOM.

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