Primeiro filme dirigido pelos irmãos belgas Jérémie e Yannick Renier, ambos atores, o longa mostra a relação conflituosa de duas irmãs atrizes, que tem percursos opostos nas suas carreiras e nas vidas pessoais. E, quando passam a morar juntas, essas diferenças e rivalidades se acentuam e acabam por interferir na vida de ambas.
“Você não tem vida, não tem homem, não tem filho, não tem nada! Você não é nada, Mona!”, diz Sam à Mona, em cena do trailer de “Carnívoras”. Premiada com o César de Melhor Atriz Promissora em 2016 por “Fátima!”, Zita Hanrot interpreta Sam, atriz reconhecida profissionalmente, casada e mãe de um menino, mas que não consegue dar conta de sua própria vida.
Ela recebe em sua casa a irmã mais velha, Mona, personagem de Leila Bekhti, que também é atriz, mas que não teve sucesso na carreira e está sem trabalho e sem dinheiro. Aos poucos uma ambiciona a vida da outra. O tema dos irmãos inimigos, explorado em “Carnívoras”, reflete a própria experiência dos irmãos Yannick e Jérémie, ambos atores, um com uma carreira mais consolidada do que o outro.
Jérémie e Yannick sempre tiveram vontade de trabalhar juntos como diretores. A ideia para o roteiro original surgiu após um acontecimento vivido pelos dois. Em uma viagem de divulgação de um filme no qual contracenavam, Jérémie, o caçula que alcançou sucesso mais cedo, recebeu um telefonema e, por causa disso, Yannick o ajudou com sua bagagem.
Ele relembra: “Quando desliguei, eu vi toda a equipe do filme nos observando como um clichê vivo: o ator de cinema seguido por seu irmão mais velho e menos conhecido, cheio de bagagem de ambos. Foi tão patético quanto hilário porque não reflete em nada a natureza do nosso relacionamento. Mas essa anedota foi a inspiração para o tema de um filme que, a princípio, seria uma comédia”.
Jérémie explica: “Antes de trabalharmos juntos, não estávamos cientes de que falar sobre nossa relação como irmãos iria forçosamente revelar afetos complexos. Foi somente quando começamos a escrever que entendemos que, como todos os irmãos e irmãs do mundo, tínhamos velhas contas a serem acertadas”. Yannick acrescenta: “O entusiasmo um pouco ingênuo com o qual tínhamos começado a escrever progressivamente se transformou em uma introspecção mais sombria. Bem rapidamente, o mito dos irmãos inimigos Abel e Cain se impôs como uma fonte de inspiração. Sam e Mona não podem brilhar juntas, uma eclipsa a outra, e isso não depende da vontade delas. Eu vejo lógico então que a comédia inicial se tornou aos poucos um filme de gênero, que ia nos dar a latitude necessária para deixar nossas pulsões – até as mais sombrias – se expressarem".
Um elemento que faz com que o filme se pareça a um thriller é também a sua economia de diálogo: tudo se expressa através dos corpos e dos olhares, e a relação entre as irmãs é quase carnal, animal. A diferença na personalidade delas e a relação misturada de amor e ciúmes que vivenciam se traduzem sobre tudo pelas atitudes. É mais como um filme de gênero que como um filme de autor que “Carnívoras” encontra sua identidade. Ele consegue ir além do assunto tratado e se tornar parte de uma história maior, mais geracional, se dirigindo a um público mais amplo.
Sinopse
Mona sempre sonhou em ser atriz, mas é Sam, sua irmã mais nova, que rapidamente consegue sucesso na profissão. Aos trinta anos e sem recursos, Mona é forçada a se mudar para a casa de sua irmã, que mora com o marido e o filho, e leva a vida que ela tanto cobiça. Fragilizada por uma filmagem desgastante, Sam contrata Mona como sua assistente, e começa a negligenciar seus papéis como atriz, esposa e mãe, que são assumidos pela irmã mais velha.
Diretores
Jérémie Renier começa sua carreira de ator com 10 anos. Seu papel forte em “A Promessa”, dos irmãos Dardenne, em 1996, o torna conhecido. Em 1999, atua em “Os Amantes Criminais”, de François Ozon e, depois, estrela tanto grandes produções, como “O Pacto dos Lobos” (2001) quanto filmes independentes, como “Violence des échanges en milieu tempéré” (2002). Estoura, em 2004, no filme dos irmãos Dardenne “A Criança”, que ganha a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Em 2008, Jérémie está em cartaz em três filmes dirigidos por grandes nomes do cinema, “Horas de Verão”, de Olivier Assayas, “O Silêncio de Lorna”, dos irmãos Dardenne e “Culpado”, de Laetitia Masson.
Em 2012, atua em dois longas-metragens muito diferentes: faz o papel de um assassino consumido pelo ciúme em “Possessions”, de Eric Guirado, papel pelo qual engorda 18 quilos. No mesmo ano, Jérémie se transforma no cantor pop Claude François, no filme de Florent Emilio Siri “My Way – O Mito Além da Música”.
Em 2013, filma com Jean-Baptiste Andréa o suspense “La Confrérie des Larmes”. No ano seguinte, está em cartaz no filme “Saint Laurent”, no qual encarna o amante do costureiro, Pierre Bergé, papel pelo qual é indicado ao César de Melhor Ator Coadjuvante. Rénier é visto no mesmo ano no drama “Le Grand Homme” na pele de um legionário esquentado que tem dificuldade em achar seu lugar na sociedade. Em 2017, filma novamente com Ozon, no papel principal de “O Amante Duplo”.
Yannick Renier é formado em teatro e passa a ser conhecido pelo público belga em 2006, graças a sua participação na série para televisão “Septième Ciel”. Os cinéfilos o notam em “Nue Propriété”, de Joachim Lafosse, um filme intenso, apresentado a portas fechadas na Mostra de Veneza. O cinema independente francês não demora a ficar atraído por esse belo moreno meio sombrio.
Visto em filmes de Christophe Honoré e Laetitia Masson, Yannick Rénier encarna o companheiro de Laetitia Casta em “Nascidos em 68”, de Ducastel e Martineau. Em 2009, faz um papel pequeno em “Bem-vindo”, no qual interpreta o namorado do filho da família em “Une Petite Zone de Turbulences”, e se vê no meio de um road-movie iniciático em Plein sud, de Sébastien Lifshitz. É visto novamente em 2017 no muito aplaudido “Patients”, dirigido pelo slammer Grand Corps Malade.
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