sábado, 30 de junho de 2018

.: Crítica de Teatro: "O Leão no Inverno" e a temática da "sagrada família"


Por Helder Moraes Miranda, em junho de 2018.


Quem assiste à peça teatral "O Leão no Inverno" - em cartaz até o dia 29 de julho no Teatro Porto Seguro - inevitavelmente fará uma pergunta crucial: quem é o grande felino, o personagem título? 

Se, a exemplo de "Game of Thrones", seriado de sucesso que vem atraindo uma legião de fãs ao longo de sete temporadas, "the winter is coming"... Sabe-se que esse leão só chega uma vez por ano e, no caso do espetáculo, em ocasiões festivas. E esse leão é mulher.

Dentro desse contexto, Regina Duarte brilha absoluta em um papel denso, que parece ter sido escrito para ela. Ao contrário das mocinhas com poucas nuances que pendiam para o lado da heroína épica, nesse espetáculo ela incorpora, de uma só vez, mocinhas e vilãs que têm em comum algo que as liga: o amor-próprio ferido por um homem que as rejeitou e que por ele nutrem algum afeto que pode ser recíproco, ou não.



No papel da rainha Eleanor, de Aquitânia, confinada em uma torre por alta traição, preterida pelo marido e à mercê do destino e da vontade dos filhos, é Regina Duarte quem devora todos os personagens masculinos da peça teatral. Estão reunidos no palco todos os elementos para se construir uma grande tragédia que dialoga com a contemporaneidade do Brasil atual. 

Mas não é isso que acontece, porque apesar de tratar de política do início ao fim, o espetáculo é sobre a família e todas as implicações boas e ruins do que acontece na intimidade de uma "sagrada família" - o que torna tudo mais leve, engraçado e com as características de um bom folhetim.  

Se por um lado a personagem de Regina Duarte representa empoderamento feminino em uma época em que as mulheres não tinham voz nem valor nenhum, outra personagem faz o contraponto, é a princesa Alais, interpretada com doçura e algum amargor por Camila dos Anjos que, no tom certo da personagem, aceita tudo, inclusive se casar com o filho do amante, o Rei Henrique II, interpretado pelo ator Leopoldo Pacheco em uma performance segura e consistente.



Na pele de um rei em crise existencial e na meia idade que busca maneiras de se autoafirmar, Pacheco está entre os alicerces da trama, ao lado de Regina Duarte. Tal qual como o felino que dá nome ao espetáculo, é ele quem oficialmente dita as regras, embora quem de fato faça as coisas acontecerem, mesmo que nos bastidores, por meio de tramoias, conchavos e maledicências é Eleanor. Isolada em uma torre após tramar contra o marido, ela é convidada para se se juntar à família nas festas de fim de ano.

É o momento ideal para ela voltar a conspirar, pois pretende influir na sucessão de Henrique ao trono. Ela pretende que o filho mais velho, Ricardo, o futuro “Coração de Leão”, seja o próximo rei. Caio Paduan, interpretando o personagem, apresenta algo bem diferente do que costuma mostrar nas novelas, com um tema delicado e muito ousado para um galã. Ele subverte na força de um personagem corajoso e intenso que não explode, mas implode por dentro, um desafio para um ator fazer com que o público perceba essas mudanças em cena. 

Henrique II, por sua vez, prefere o filho caçula, o único que tem o seu afeto, assuma o trono. Na pele de um príncipe mimado, Filipe Bragança, que fez sucesso ao interpretar o youtuber Christian Figueiredo no filme "Eu Fico Loko", também demonstra maturidade em cena e pronto para alçar personagens cada vez mais desafiadores. 

Nem Henrique, nem Eleanor, consideram o filho do meio, Geoffrey, para o trono. Michel Waisman, nesse papel do príncipe menos valorizado na família, tem o mesmo desafio que o próprio personagem: como fazer com que ele se sobressaia no meio de uma família repleta de personagens tão extremos? O personagem ora se alia a um irmão, ora a outro, de acordo com o que considera que lhe proporcionará mais vantagens, independentemente de quem será o próximo rei. O desafio do ator está na sutileza e em como ele interpreta um personagem tão maniqueísta e manipulador, tarefa que faz com muita competência.

Sidney Santiago, o anjo do seriado da TV Cultura "Tudo o Que É Sólido Pode Derreter" no episódio "Auto da Barca do Inferno" (de Gil Vicente) representa Philip, o rei da França, e é responsável pela força do personagem que traz uma reviravolra à trama.



Escrita por James Goldman, "O Leão no Inverno" começou na Broadway e deu origem a um filme estrelado por Peter O'Toole , Katharine Hepburn, John Castle, Anthony Hopkins (pela primeira vez em um papel de destaque no cinema), Jane Merrow e Timothy Dalton (em sua estreia no cinema) e Nigel Terry . O filme foi um sucesso comercial (o 12º de maior bilheteria de 1968) e ganhou três prêmios da Academia, incluindo um para Hepburn como Melhor Atriz (empatado com Barbra Streisand). Foi realizado um remake do filme para a televisão em 2003, estrelado por Glenn Close e Patrick Stewart.

Muitas vezes, a peça lembra o seriado "Empire", rodeado de intrigas que movimentam a relação entre um homem às voltas com a ex-mulher que pretende passar a presidência de uma grande gravadora para um dos três filhos ambiciosos que, por sua vez, é assumidamente inspirada em "Rei Lear", de William Shakespeare. As intrigas dentro de casa sempre renderam clássicos na arte. Mas quem resume bem os conflitos é a própria Regina Duarte, no auge do deboche e do cinismo de Eleanor: "Que família não têm problemas?".



Ficha Técnica 
"O Leão No Inverno"
Autor: James Goldman
Tradução / Adaptação: Marcos Daud
Concepção e Direção Geral: Ulysses Cruz
Direção e Criação Sonora: John Boudler, Gilberto Rodrigues, Nelton Essi
Elenco: Regina Duarte, Leopoldo Pacheco, Caio Paduan, Filipe Bragança, Camila dos Anjos, Michel Waisman e Sidney Santiago
Execução Musical: Gilberto Rodrigues e Nelton Essi
Designer de Som: Rafael Caetano 

Cenário: Ulysses Cruz
Figurino: Ulysses Cruz e Elenco
Designer de Luz: Caetano Vilela
Direção de Produção: Henrique Benjamin
Operador de Luz: André Pierre
Operador de Som: Rafael Caetano
Assessoria de Imprensa: Renato Fernandes
Realização: Benjamin Produções

Serviço
Gênero: Drama 
Duração: 100 minutos
Classificação Etária: 12 anos 
Sextas e sábados, às 21h. Domingos, às 19h.

Teatro Porto Seguro
Al. Barão de Piracicaba, 740 – Campos Elíseos – São Paulo.
Telefone: (11) 3226.7300.
Bilheteria: De terça a sábado, das 13h às 21h e domingos, das 12h às 19h.
Capacidade: 496 lugares.
Formas de pagamento: Todos os cartões de crédito e débito (exceto Cabal, Sorocred e Goodcard).
Acessibilidade: 10 lugares para cadeirantes e 5 cadeiras para obesos.
Estacionamento no local: Estapar R$ 20 (self parking) - Clientes Porto Seguro têm 50% de desconto.

Serviço de Vans: transporte gratuito Estação Luz - Teatro Porto Seguro - Estação Luz. O Teatro Porto Seguro oferece vans gratuitas da Estação Luz até as dependências do Teatro. Como pegar: na Estação Luz, na saída Rua José Paulino/Praça da Luz/Pinacoteca, vans personalizadas passam em frente ao local indicado para pegar os espectadores. Para mais informações, contate a equipe do Teatro Porto Seguro. Bicicletário – grátis.

Gemma Restaurante: terças a sextas-feiras das 11h às 17h; sábados das 11h às 18h e domingos das 11h às 16h. Happy hour quartas, quintas e sextas-feiras das 17h às 21h.




*Helder Moraes Miranda escreve desde os seis anos e publicou um livro de poemas, "Fuga", aos 17. É bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.

3 comentários:

  1. Das apresentações teatrais que assiste nesse primeiro semestre de 2018, esse é o espetáculo do ano, para mim. Texto bem elaborado, atores inseridos nos personagens e a Regina Duarte arrebenta. Vale muito assistir!

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    1. *Das apresentações teatrais que assisti

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  2. Gente peça horrível 90% do público estava dormindo, só se salvou a gloriosa Regina não pela peça , mas por trabalhos anteriores.nao recomendo.

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