terça-feira, 29 de maio de 2018

.: Entrevista com Wesley Guimarães, um dos protagonistas do filme "Tungstênio"


"É possível ver o negro assumindo papéis como juiz, advogado e artista, entre outros. Antigamente os negros apenas representavam a empregada, o mordomo, o garçom, o figurante. Hoje me vejo em alguns trabalhos artísticos sendo muito bem representado. É possível ver os avanços, mas precisamos de muito mais", Wesley Guimarães.

Ator baiano invade as telas em ritmo frenético na pele de Cajú, pequeno traficante de drogas que representa um Brasil onde não cabe o maniqueísmo.

O soteropolitano Wesley Guimarães assume papel de protagonista em "Tungstênio", filme do diretor Heitor Dhalia que estreia dia 21 de junho nos cinemas. A trama homônima, baseada na premiada HQ de Marcello Quintanilha, foi gravada na Cidade Baixa, que segundo o jovem ator é representa “uma Salvador livre de estereótipos e mostra a ação que há no dia a dia do povo soteropolitano, mas que é escondida por trás da ideologia do Paz, Carnaval e Futebol, vendida com frequência para o exterior”.

Wesley Guimarães soube do processo de seleção para o elenco do filme por meio de um amigo. Após encantar a equipe de produção e o próprio Dhalia nos testes, ele deu vida à Cajú, um traficante de drogas de pequeno porte, “que tenta ser durão, mas na verdade tem um coração muito mole, capaz de lhe dar um quê heroico”, conta o ator. O que mais chamou sua atenção no personagem foi “a realidade a qual está submetido e a sua essência, que não se perde mesmo ao estar num lugar vulnerável às repressões da sociedade e do sistema. É mais um menino da periferia que, devido às circunstâncias da vida, a falta de oportunidades e a ausência uma figura paterna, acaba se metendo em situações bem quentes”, explica.

Cajú está mergulhado em um universo caótico transposto em papel por Quintanilha e agora adaptado para as telonas. Ocupando o núcleo principal da trama ao lado de Richard (Fabricio Boliveira), Seu Ney (José Dumont) e Keira (Samira Carvalho), o personagem, assim como os demais, acaba por mergulhar numa tensão crescente. Situações aparentemente banais são capazes de refletir consequências absolutamente imprevisíveis, colocando em alta voltagem, no caso de Cajú, o sentimento de só querer “viver mais um dia”.


Para encontrar a alma do personagem, Wesley Guimarães contou com preparação de Chico Accioly, além da direção de Dhalia. Leituras detalhadas do roteiro, improvisação com todo o elenco, além de muito cuidado foram elementos primordiais para que o ator encarasse a figura de Cajú. A vivência própria também se fez parte essencial do personagem, já que ator e personagem compartilham similaridades: ambos são moradores de bairro periférico e criados apenas pela mãe. Para o papel ele ainda mentalizou “cada colega que estudou comigo na infância e cada jovem da periferia sem a oportunidade de criar as suas próprias oportunidades na vida e que, por influência disso, se jogaram na ilegalidade pela pressão e repressão psicológica inerentes a sua realidade”.

"Tungstênio" é, segundo o ator, “reflexo de muitas pessoas que vivem em nosso país” e já rendeu a Wesley Guimaraes, antes mesmo de chegar aos cinemas, entrevistas e visibilidade na comunidade local. Ele já foi convidado para dar palestra a alunos de uma escola pública da região. O filme tem produção da Paranoid, coprodução da Globo Filmes e do Canal Brasil, e distribuição da Pagu Pictures.


Nascido em Salvador, Wesley Guimarães encontrou a arte em 2006 com o trabalho voluntário realizado por Mônica Sansil no Engenho Velho da Federação, e em 2007 começou a se apresentar com o grupo TOPA em paróquias locais, onde pela primeira vez, subiu em um palco de teatro. Em 2008, o jovem, que cada vez mais se entendia como ator, passou a integrar o CRIA (Centro de Referência Integral de Adolescentes), onde entrou em contato com sua negritude. Foi nesse ano que Wesley teve a oportunidade de viajar em prol da arte e monetizar na atividade que o contemplava e gravar seu primeiro longa chamado Trampolim do Forte, dirigido por João Rodrigo. No ano de 2012, retornou as telonas com João e Vandinha, filme de Aurélio Grimaldi. Tungstênio será o terceiro filme do ator, que não só atua, mas também é músico, capoeirista e estudante de educação física.

Como Cajú surgiu em sua vida? 
Um amigo, que inclusive faz parte do elenco, me informou sobre a seleção para o filme e me incentivou a participar. Esse incentivo foi muito importante, pois eu já estava a um tempo sem fazer teatro, por conta das responsabilidades e cobranças internas “de Wesley para Wesley” advindas da maturidade. Eu precisava de grana, coisa que apenas com teatro, é muito difícil de conseguir. Então estava muito mais focado em procurar um trabalho de carteira assinada e estudar as matérias da faculdade. Na época dos testes, estava no primeiro semestre e mesmo assim fui lá participar do casting e fui selecionado. Cajú sempre existiu em pessoas próximas de minha realidade e em mim também, mas precisava buscar essa essência em algum lugar. Nesse instante entra o trabalho maravilhoso de Chico Acciolly, que me mostrou os caminhos a seguir, enquanto respeitava as possibilidades criadas por mim, baseadas em minhas vivências. Cajú surgiu assim.

Você já conhecia a HQ de Marcello Quintanilha? 
Já conhecia a capa, mas nunca havia desbravado essa estonteante história.

O que te chamou mais atenção no personagem e no roteiro? 
O que me chamou muita atenção no Caju foi a realidade a qual está submetido e a sua essência, que não se perde mesmo ao estar num lugar vulnerável, às repressões da sociedade e do sistema. Chama atenção também a forma com que ele sai de alguns problemas ou pelo menos tenta sair. Já no roteiro, encanta a resistência de pessoas esquecidas e por muitas vezes ignoradas pela sociedade. Os personagens protagonizam e conduzem uma história quente, “real” e empolgante. Os personagens causam identificação.

Tungstênio marca sua revelação ao grande público e, logo de cara, como protagonista. Como você encara essa responsabilidade? 
Não sei se estou preparado e não sei o tamanho dessa responsabilidade. Espero descobrir depois da estreia. Estou muito feliz e com bons pressentimentos. Já fiz outros trabalhos, mas nenhum com o tamanho de Tungstênio que, antes mesmo do lançamento, já me rendeu entrevistas e visibilidade na comunidade. Agora as pessoas perguntam bastante sobre o filme. A repercussão é grande. Fui até convidado para conversar com os alunos de uma escola pública local. É possível sentir que agora vivenciarei um algo diferente. Estou bem tranquilo e com os pés no chão. Vai dar tudo certo!


Como você se preparou para interpretar o personagem?  
No processo de preparação Chico Accioly foi muito cuidadoso comigo e com a história do personagem. Fizemos leituras detalhadas do roteiro, improvisações com todos os outros atores e conversamos para entendermos a história. Tudo isso foi de grande ajuda para encontrar a essência do Cajú. O trabalho excepcional de Chico me ajudou demais. Além disso, as cenas de agressão foram todas coreografadas por Dani Hu. Fui para o set muito bem preparado e seguro do que fazer. 

Quais foram os principais desafios?
Acho que Cajú se aproxima de mim em alguns aspectos. O fato dele ser morador de bairro periférico e sido criado só pela sua mãe, são provas da similaridade entre nós. Para compor o personagem, mentalizei cada colega que estudou comigo na infância e cada jovem da periferia sem a oportunidade de criar as suas próprias oportunidades na vida e que, por influência disso, se jogaram na ilegalidade pela pressão e repressão psicológica inerentes da sua realidade. Creio que isso me ajudou muito a sentir a essência do Cajú. Posso dizer que o pavio foi aceso dessa maneira e “BUUUUUMMMM” - Cajú explodiu dentro de minha caixinha de pandora.

Como foi contracenar com José Dumont e com Fabrício Boliveira? 
Fabrício é espetacular. José é muito experiente e extremamente cuidadoso, o que foi possível perceber durante as cenas em que me batia no chão e tinha o cuidado de me perguntar se estava tudo bem e se a intensidade precisava ser diminuída. José é pura paz. Ele me batizou de Denzel Washington, um apelido que Heitor Dhalia aderiu durante toda a gravação. Em meu primeiro encontro com os dois protagonistas, fiquei em admirável local. No primeiro momento, admito ter ficado nervoso, mas ao longo do processo fiquei mais à vontade. Já Fabrício sempre foi representatividade para mim, assim como Lázaro Ramos e Luís Miranda. Não só por serem negros, mas por terem vindo de minha terra e participado de uma história de resistência e luta. Esses atores sempre foram referência para mim e me deparar com alguém que sempre admirei em uma sala de ensaio, trabalhando comigo. Imagina? Pois é. Desenvolvemos um trabalho que acreditamos ter resultado satisfatório.

E como foi a relação com Heitor Dhalia no set? 
Muito boa. Era uma relação sadia. Ele me dava muitas indicações fazendo com que eu entendesse rapidamente o que ele queria e preocupava-se com as cenas, pois queria que fossem fiéis às imagens dos quadrinhos. Heitor era muito disponível para os atores e estava sempre por perto para tirarmos dúvidas. Foi bastante paciente comigo e soube nos dirigir com maestria, manipulando cada peça do filme como se fossem peças de xadrez. Acho que por isso ele fez tão bem, resultando em um xeque-mate.

Como você define o Cajú? 
Cajú é mais um menino da periferia que, devido às circunstâncias da vida, a falta de oportunidades e a ausência uma figura paterna, acaba se metendo em situações bem quentes. Meu personagem a todo o tempo é discriminado. Cajú desde a infância é afastado das oportunidades. O rapaz é vítima de uma educação pública defasada e da repressão dentro de sua comunidade, onde a polícia confunde qualquer um com um vagabundo e, por vezes, atira sem nem ao menos se preocupar com quem está à frente. Nesse momento, vivem vários “Cajús” nas periferias do Brasil, mas se for para defini-lo em palavras, eu diria que Cajú é fruto de uma explosão de sentimentos ocultos que precisam de um pequeno tombo para deixarem de ser invisíveis.

Na visão do espectador, Caju é um traficante, malandro, cujo principal interesse é sobreviver mais um dia, mas, ao mesmo tempo, é um rapaz com algum sentido de moralidade, já que mantém sua mãe longe de suas atividades ilícitas. Em sua opinião, como Caju deve ser visto pelos espectadores? O público acolherá o personagem, levando em consideração os últimos acontecimentos do país? 
Cajú tem que ser visto exatamente como ele é! Um traficantezinho de drogas que tenta ser durão, mas na verdade tem um coração muito mole, capaz de lhe dar um quê heroico. Mas esse ponto de vista depende da interpretação de cada espectador. Muitos irão se identificar com o personagem, muitos irão sentir pena, outros raiva. Cada um terá o seu ponto de vista e a sua forma de acolhimento. O grande lance de um personagem é a capacidade de tocar várias pessoas, mas de formas diferentes, graças as nuances diretas de sua vivência.

Os personagens são intensos e compartilham a violência (seja física ou verbal) como reação às suas fraquezas, gerando uma explosão de caos e sentimentos. Visivelmente, são personagens contemporâneos. Como você enxerga a relação Tungstênio x sociedade atual? 
Relação total! "Tungstênio" mostra a realidade de muitas pessoas que vivem em nosso país. Ainda são registradas muitas ocorrências de violência contra a mulher no Brasil, muitos meninos dos bairros periféricos vivem da mesma forma que o Cajú vive e compartilham da mesma realidade. O filme retrata uma Salvador livre de estereótipos, mostra a ação que há no dia a dia do povo soteropolitano, mas que é escondida por trás da ideologia do “Paz, Carnaval e Futebol”, vendida com frequência para o exterior. Não estou dizendo que o carnaval e o futebol não são bons, muito menos que não temos paz, mas afirmo que a realidade do soteropolitano vai além e "Tungstênio" mostra isso através dos quadrinhos e das grades telas. Se Deus permitir, essa realidade será mostrada pra muita gente.

O que significa para o cinema nacional ter um filme com o elenco predominantemente negro e uma equipe quase 100% baiana? 
A história se passa na Bahia, as figuras que fazem parte da história vivem aqui, então nada mais justo que selecionar um elenco baiano para dar vida a esses personagens. Para o cinema nacional é um grande avanço o fato de boa parte do elenco ser formado por atores negros. A cada dia estamos ganhando mais espaço e saindo do lugar de coadjuvantes para assumir o de protagonistas. É possível ver o negro assumindo papéis como juiz, advogado e artista, entre outros. Antigamente os negros apenas representavam a empregada, o mordomo, o garçom, o figurante. Hoje me vejo em alguns trabalhos artísticos sendo muito bem representado. É possível ver os avanços, mas precisamos de muito mais. Quero ver os atores negros em mais trabalhos de grande visibilidade, mas não como a empregada, o motorista o mordomo ou o marginal, mas sim no elenco principal, como protagonista de uma trama que, por exemplo, fala sobre um rei. Qual a visão que as pessoas têm de um rei? Por que o padrão europeu está sempre em primeiro plano quando se fala de um rei? O cinema e a televisão possuem grande responsabilidade pelas respostas da maioria das pessoas frente a essas questões, pois são grandes influenciadores e formadores de opinião da massa, que raramente veem o negro em papéis de tamanha importância.

"Tungstênio" aposta na força de um retrato social da Bahia que se reflete por todo o País. Cada história contada tem como personagem uma figura que vive às margens da sociedade e é tratada com descaso na vida real. Pensando no cenário atual do Brasil, como você acha que as pessoas reagirão ao assistirem ao longa? Qual sua expectativa? 
Creio que muitos vão se identificar, mas muitos terão um choque de realidade ao se depararem com a situação de Keira, com a história de Richard, de Cajú e de Ney, além do resultado que há quando esses caminhos se cruzam. Mas acho que no final de tudo, eles irão se impressionar.


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