sábado, 28 de abril de 2018

.: Entrevista: João Vitti, o ator sem medo da desconstrução do galã


"Eu sou um ator e me coloco disponível para ser desafiado e criar",
 João Vitti 

Por Helder Moraes Miranda, em abril de 2018.

João Vitti é, sem sombra de dúvida, um grande ator. Aos 35 anos de carreira,  interpretou grandes personagens no teatro e na televisão. Um dos mais marcantes é o Xampu, da novela "Despedida de Solteiro", gravada em 1992. 

Sem medo de mudanças, ele desconstruiu o rótulo de galã que lhe conferiram ao aceitar ser um dos protagonistas de "Senhora dos Afogados", peça teatral de Nelson Rodrigues, em que interpreta, com toda a segurança em que os anos de atuação lhe conferem, um dos personagens mais densos de sua carreira: Misael Drummond, até esse final de semana no Teatro Porto Seguro. 

É nesse espetáculo que o público pode conferir um dos momentos mais emocionantes de sua carreira: ele contracena com o filho, Rafael Vitti, e protagoniza um dos embates mais tensos do teatro dos últimos tempos. Depois de uma temporada brilhante, e bem-sucedida, em São Paulo, excursionam pelo país. A direção é de Jorge Frajalla e é um encontro de grandes nomes das artes cênicas e da dramaturgia, como Alexia Dechamps, Karen Junqueira e Leticia Birkheuer em um papel que define o divisor de águas em sua carreira. 

Nessa entrevista exclusiva, em que se mostra um operário à disposição de seu ofício, o de atuar e encantar pessoas, João Vitti mostra toda a integridade de alguém que se dedicou às artes cênicas e levar histórias de qualidade para milhares de plateias que o assistiram ao longo de mais de três décadas, contribuindo e fazendo a sua parte para um mundo de pessoas melhores e mais pensantes.


RESENHANDO - Do Xampu em "Despedida de Solteiro" para o Misael, de "Senhora dos Afogados". Qual é a maior diferença, e o que permaneceu, entre o ator do passado e o do presente?
JOÃO VITTI - Sem dúvida, a diferença é o meu amadurecimento e desenvolvimento como ator, a despeito das linguagens serem diferentes, Xampu na TV e Misael no teatro. O que permaneceu é a paixāo pelo meu oficio e o frio na barriga antes de entrar em cena. 

RESENHANDO - Como é contracenar com o filho em um papel tão denso? 
J.V. - O Rafael é um ator vivo e tem uma inteligência cênica que me surpreende. É um ator criativo e muito disponível para o jogo na cena. Isso é maravilhoso, pois todos os dias quando contracenamos existe um frescor, uma provocação consensual que torna o momento do encontro dos nossos personagens sublime, único e novo, de novo. Sempre conversamos depois do espetáculo sobre o jogo, que como atores, propusemos aos nossos personagens. Aprendo muito com ele e sou grato por isso.



RESENHANDO - O fãs já podem esperar um projeto que envolva o Francisco?
J.V. - O desejo de trabalharmos juntos no teatro existe, sim, e nāo só com o Francisco, mas com a Valeria Alencar, minha companheira e māe dos meninos, também. Em algum momento essa oportunidade se realizará. Já trabalhei com o Francisco em um curta e um longa-metragem:  "Amor de Mula"e o O Mergulho". Atualmente, o Francisco está no teatro com a comédia "Édipo e o Rei, Um Acidente Mitológico". Essa semana fui consultado para substituir o ator que faz o pai do Édipo (Francisco) em nova temporada que reestreiará no Teatro dos Quatro, aqui no Rio, mas a agenda de viagens do "Senhora dos Afogados" não possibilitou. Bateu na trave (risos).



RESENHANDO - O que você tem em comum, e qual a principal diferença, com o personagem que está interpretando no teatro?
J.V. - Em comum, eu diria o fato de tanto eu como o Misael sermos humanos e toda a dialética que isso envolve. Nelson Rodrigues expõe com crueza e ironia essas contradições humanas, o que o torna assustador e ao mesmo tempo fascinante. Agora, como homens, somos completamente diferentes: Misael carrega culpa e se atormenta com elas provocando dor e sofrimento. Já eu, o João, sou bem equilibrado e feliz.

RESENHANDO - É a primeira vez que interpreta uma peça de teatro de Nelson Rodrigues. Por que esse autor, ainda hoje, é necessário para o mundo moderno?
J.V. - Sim, é a minha primeira incursão na obra do Nelson Rodrigues e o que me fascina nele é a maneira como ele desnuda o ser humano revelando suas contradições. Nelson é um sádico masoquista que nos assombra e nos faz pensar (risos)



RESENHANDO - Você está habituado a interpretar galãs. O Misael, enquanto personagem, chegou para desconstruir essa imagem - já tão conhecida pelo grande público? De que maneira?
J.V. - Nāo me vejo como galā embora me confiram esse rótulo. Eu sou um ator e me coloco disponível para ser desafiado e criar. Nesse sentido, o Misael de "Senhora dos Afogados" me permitiu vasculhar outras gavetas dentro de mim. Por exemplo, a prosódia de Pernambuco (técnica), a barba imensa (aspecto) que que esconde a feiçāo do "galā", mas sobretudo, a riqueza da fragilidade humana de um homem prepotente que é a matéria prima para a construção do personagem Misael (investigaçāo e autoconheciemento). E me excita ir ao teatro e me encontrar com o Misael Drumond por 1h e 20 todos os finais de semana! Está sendo uma experiência incrível.

RESENHANDO - Os seus dois filhos também têm o talento de atuar e viver dessa profissão. A que atribui essa influência?
J.V. - Valeria e eu sempre moramos longe de nossas famílias; então não tínhamos com quem deixar os meninos quando eram muito pequenos. Por conta disso, ambos passaram boa parte da infância em coxias de teatro ou sets de filmagem. Em casa, Valeria também sempre nutriu neles o prazer pela leitura, fazíamos contação de historias antes de dormir, muitas atividades manuais como pintura, escultura, modelagem. Durante quatro anos, estudaram música na escola de Musica Villa Lobos, enfim... Acredito que o fato de eles estarem imersos nesse universo das artes deve-se muito à influência da Valeria, que é uma alma artista nata aqui dentro de casa,  e também, sem dúvida, é fruto da experiência deles nos acompanhando e assistindo aos nossos trabalhos. 

RESENHANDO - Em uma entrevista, você disse que vê eles - os seus dois filhos - não repetindo erros que cometeu na idade deles. Quais seriam esses erros?
J.V. - Eu aceitei fazer trabalhos que me apareciam colocando, muitas vezes, o  dinheiro na frente, e hoje vejo meus filhos adotando uma outra postura, mais corajosa, com mais discernimento e olhando para o futuro imbuídos do espírito de que eles são os autores e protagonistas de suas próprias histórias. Enquanto no inicio da minha carreira eu me tornei prisioneiro das minhas circunstâncias, vejo neles o pulsar da liberdade. Meus filhos me tornaram mais corajoso. Sou grato por isso.  



RESENHANDO - Você tem 35 anos de carreira e ficou marcado pelo personagem Xampu. Isso chegou a incomodá-lo? 
J.V. - De modo algum. O Xampu foi minha estreia na TV, e da noite para o dia eu virei uma pessoa pública, admirada e com grande alcance, o que confesso, foi um tremendo susto. Mas percebo no dia a dia que sou bastante lembrado por outros papeis na TV, como o jornalista Serafim da novela "O Cravo e a Rosa" ou o personagem Joabe em "Rei Davi". Isso na televisāo. Já no teatro, posso afirmar que tenho uma carreira respeitosa com trabalhos marcantes como o diabo no "Concilio do Amor", ou Prior Walter em "Angels in America", ou Rimbaud em "Polvora e Poesia", ou até mesmo o Misael Drumond atualmente em "Senhora dos Afogados", só para citar alguns trabalhos. Nāo tenho como me sentir incomodado. Eu amo gente.

RESENHANDO - O que falta você interpretar na TV, no teatro e no cinema? Quais seriam os papéis dos seus sonhos?
J.V. - Na TV, fazer um vilão ou um tipo cômico será desafiador. Cinema fiz muito pouco e tenho vontade de me aproximar mais desse universo, sou muito flexível na escolha de papéis. Já no teatro, começo a namorar o texto "Frankenstein" para dar vida, quem sabe em 2019, à personagem "Criatura". 

*Helder Moraes Miranda escreve desde os seis anos e publicou um livro de poemas, "Fuga", aos 17. É bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.


#Crítica: Em "Senhora dos Afogados", mulheres são forças da natureza Texto publicado na íntegra no Resenhando.com. Confira um trecho abaixo: "Nenhuma peça em cartaz hoje conversa tão diretamente com o empoderamento feminino quanto a desse autor, que notoriamente sempre escreveu papéis femininos muito fortes. Em cartaz até dia 29 de abril no Teatro Folha, o espetáculo gira em torno dos Drummond, uma família de 300 anos, com mulheres que se gabam de nunca terem traído os maridos. Tudo começa quando elas choram a morte de Clarinha, a caçula das filhas de Dona Eduarda (Alexia Dechamps) e Misael Drummond (João Vitti). Mas, ao mesmo tempo, algumas prostitutas do cais do porto interrompem suas atividades para lamentar a impunidade do assassinato de uma delas, que morrera há 19 anos." Carrossel de fotos 📸📷 #resenhandoindica #Resenhando #Resenhanders #entretenimento #SãoPaulo #smile #fun #teatro #teatroportoseguro #teatroporto #Santos #litoralpaulista #SãoVicente #PraiaGrande #cultura #portalResenhando #15anosdoresenhando
Uma publicação compartilhada por Resenhando.com (@portalresenhando) em

Uma publicação compartilhada por Joao Vitti (@joaovitti) em


Uma publicação compartilhada por Joao Vitti (@joaovitti) em


Uma publicação compartilhada por Joao Vitti (@joaovitti) em
← Postagem mais recente Postagem mais antiga → Página inicial

0 comments:

Postar um comentário

Deixe-nos uma mensagem.

Tecnologia do Blogger.