segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

.: Entrevista com Ricardo Tozzi, a emoção de "Os Guardas do Taj"


"O ator é um bicho exposto”,
Ricardo Tozzi

Por Helder Moraes Miranda, em janeiro de 2018.

Há 12 anos, Ricardo Tozzi estreou na televisão como o médico Harold da novela "Bang Bang". No horário das 19h, a novela do escritor Mário Prata foi um fracasso de audiência, mas o revelou para o grande público. Desde então, vem emplacando um personagem de sucesso atrás do outro, como o Komal de "Caminho das Índias", o engraçado Douglas de "Insensato Coração", o motorista Inácio e o cantor Fabian em "Cheias de Charme", o oportunista Thales de "Amor à Vida" e o vilão Herval de "Geração Brasil". No teatro, fez várias peças, como "Colapso" e Hell", dirigido por Hector Babenco, ao lado de Bárbara Paz. 

Mas nenhum personagem tratou da amizade masculina de uma maneira tão intensa quanto o Babur de "Os Guardas do Taj". No espetáculo, enquanto Reynaldo Gianecchini interpreta Humayun, um personagem que simboliza a razão, Ricardo Tozzi representa a emoção. Nos bastidores, durante as leituras, ambos pensaram que estavam interpretando papéis trocados, já que, segundo afirmaram na coletiva de imprensa, concedida no dia 7 de janeiro, no Teatro Raul Cortez, em São Paulo, o ator que interpreta a razão é, na verdade, coração... E o que interpreta o lado emocional, no caso o próprio Tozzi, é mais racional. Depois, ambos chegaram à conclusão de que têm muito dos personagens que interpretam. O Resenhando.com transcreve a íntegra das respostas dadas por Tozzi aos jornalistas. 


"Os Guardas do Taj" fica em cartaz até 25 de março, no Teatro Raul Cortez (rua Dr. Plínio Barreto, 285 – Bela Vista / São Paulo). O texto original é de Rajiv Joseph, traduzido e adaptado por Rafael Primot, que divide a direção com João Fonseca. A produção é da Morente Forte Produções Teatrais. 

Como foi o processo de criação de cada personagem?
RICARDO TOZZI – Eu acho muito oportuno que dois amigos de verdade tenham feito a história desses dois amigos porque a construção, na verdade, foi muito simples. O texto é genial, escrito de uma forma que leva para um lugar completamente diferente e passa uma mensagem por si só. A gente jogou na mão desses diretores maravilhosos. É um privilégio trabalhar com eles, e é tudo verdade: a gente não está fazendo nenhuma apologia aqui, a gente ama eles e super admira. Então, de uma forma geral, só nos coube ir aprofundando as camadas dos personagens. É muito gostoso fazer isso. 

Qual é a mensagem que o espetáculo propõe?
R.T. – O mundo de hoje estimula a olhar muito o que vem de fora. Em nenhum momento alguém estimula a olhar para dentro e saber quem você é... Olhar para dentro e escutar a própria opinião, para realmente saber se as decisões que você escolhe são feitas pra você, se o seu mundo, a sua vida, é escolhida por você... Se você realmente sabe quem você é. E isso eu acho que é a mensagem mais importante da peça. A gente fala sobre escolhas, e as escolhas são feitas pelo coração do meu personagem, e pela razão, do personagem do Giane. De um modo geral, é mais ou menos isso. 

Como essa peça se concretizou?
R.T. – É muito engraçado. Essa peça tem uma coisa que, para mim, é muito contundente. O brasileiro vai atrás, vai com ganas para conseguir as coisas, e nós não pretendíamos fazer nada. O universo fez com que essa peça existisse. A gente simplesmente leu o texto, não fizemos força nenhuma… E quando a gente olhou, em uma semana, a temporada estava marcada. Então a gente entende que é quase que um presente, que essa peça tinha que acontecer, da forma que aconteceu e com quem aconteceu... 

"Os Guardas do Taj" fez com que você refletisse um pouco mais sobre o verdadeiro valor da amizade?
R.T. - Já que a gente fala de beleza nessa peça, eu acho que a grande beleza da peça não é o Taj Mahal, nem a grandiosidade dele. A grande beleza pela qual o imperador faz mil coisas, no final das contas, é a amizade dos dois. E a gente vai saber o que vai acontecer com essa amizade e o que as influências externas fazem com essa amizade. Para a gente talvez dar valor para o que realmente importa. É por isso que no cartaz está escrito: “o que realmente importa?”.


Essa peça aprofundou a sua amizade com Reynaldo Gianecchini?
R.T. - Quando você vai entrando nas camadas do espetáculo, você realmente fica muito exposto. O ator é um bicho exposto. A gente tem que estar com o coração aberto, com tudo aberto, e aí ficam muito claras as fraquezas. São dois atores no palco, que não saem nunca, construindo um espetáculo juntos... Por mais que os diretores tenham orquestrado tudo, e o espetáculo é deles, quem sobra lá, na hora da campainha, somos nós, atores. A gente estreou em Portugal, uma coisa inusitada para mim, o Giane já tinha feito, mas... Esse desafio a gente viveu juntos e isso, sem dúvida, fortalece. Porque na hora da estreia a gente falava: "Meu Deus, o que vai ser?… Eu não sei se eles entendem o que eu falo!”... E vamos lá, nessas horas é que dá aquele medo e ataca a fragilidade. O espetáculo é uma maratona. A gente acaba exaurido. Mas é uma delícia tão grande… Em Portugal a gente fazia de quarta a domingo, vocês têm noção do que é isso? Só tinha dois dias para descansar e o espetáculo é muito puxado, mas a alegria e o amor de estar fazendo essa peça, que a gente acredita muito, acho que fica acima de tudo. Não tem esforço que se compare ao prazer que é fazer essa peça.

O texto aprofunda a discussão sobre a amizade masculina...
R.T. - E pela ótica de dois soldados rasos, né? Nós interpretamos dois soldados imperiais, os piores que existem. A ótica de um espetáculo inteiro para falar sobre a simplicidade de dois caras que são muito simples. E tem uma beleza enorme na relação deles. É engraçado porque o Rajiv Joseph, autor da peça,  quando foi escrever o texto, colocou um monte de gente, montou um monte de personagem e de repente olhou para o texto e falou: "caramba, eu só quero contar a história desses dois aqui!"... Que eram os guardas do Taj Mahal, super coadjuvantes do espetáculo. De repente, eles se tornaram a história inteira! E, realmente, vale muito a pena contar essa história porque a amizade é muito linda.

Você falou do medo de os portugueses não entenderem o que estavam falando. Que outros medos apareceram em Portugal e agora nesse desafio em São Paulo?
R.T. - A gente está tão confiante e gosta tanto do espetáculo… Eu acho que a gente, quando leu, foi tão arrebatado por esse texto, e não tinha a ideia de como ele iria chegar às pessoas. Mas uma certeza a gente tinha: é isso o que a gente quer falar. Eu acho que o artista tem que se posicionar de uma forma que ele tem que dizer o que quer comunicar, porque em tantos trabalhos a gente não tem a opção dessa escolha… E quando você vai fazer teatro, vai produzir teatro, vai escolher o teatro, cara! Esse texto nos arrebatou. Então, acho que não rolou medo. A gente só ficou curioso…

Como a peça foi recebida em Portugal?
R.T. - Nossa estreia foi muito engraçada porque os portugueses começaram a rir de tudo. A gente falou: “gente, é uma comédia! O que é isso?” (risos).  E aí a gente falou: “o que está acontecendo?”. Eu ficava desesperado. E a gente foi equalizando, porque é muito engraçado como ela comunica. Não tem que fazer graça, o texto chega nas pessoas… Então não tem medo, tem ansiedade só de saber. E eu estou realmente muito curioso para saber… Porque lá em Portugal perguntavam muito: “vocês acham que o povo português vai entender a peça ou receber a peça de forma diferente do brasileiro?”. Agora que eu sei como eles receberam, eu não sei se o brasileiro vai ter a mesma reação do português. Eu estou supercurioso para saber.



Há diferença na dedicação de um ator para papéis na televisão e no teatro?
R.T. -  O teatro tem uma demanda diferente. Quando você acorda para fazer TV, você acorda de manhã e vai trabalhar na sua empresa. No teatro, não. Você sabe que tem um ritual a cumprir. Você acorda, você tem que cuidar da sua voz, você sabe que você vai encontrar um público que não sabe qual é… E, para mim, eu acho que ritual pertence a teatro. E é um ritual de alma, mesmo. É completamente diferente de você trabalhar no cinema e n a TV. Para mim, tem essa diferença. 

É seu segundo papel de indiano. A novela "Caminho das Índias" influenciou em alguma coisa?

R.T. - Cara, engraçado... Não tem nenhuma relação. Zero... zero! Eu fiz o Komal, de "Caminho das Índias", da Glória Perez, que foi até nos assistir em Portugal. Ela é uma pessoa maravilhosa, eu a amo demais... Mas é muito engraçado, cara, porque eu acho que nessa história o pano de fundo é o Taj Mahal, mas não é sobre isso. Esses dois caras podiam estar no World Trade Center, na construção, na reconstrução, que seja, sabe? Não me influenciou em nada, eu nem lembrava muito disso, para ser bem sincero. Engraçado, né? Claro que eu sabia que para o personagem ter um pouquinho de uma melodia é porque eu sei como é que é. Tive essa aula dos indianos lá, que falavam "are baba" e tal...Eu não falo nada disso na peça, mas como teve essa melodia, veio um pouco dessa musicalidade do personagem daquela época. Só isso, o resto não tem muita conexão.

Que grande papel da vida você gostaria de interpretar?

R.T. - Cara, eu sou mega clichê, mas eu adoro Shakespeare. Eu sempre sonhei em fazer "Hamlet", porque eu adoro aquela conspiração do mal. Um dia eu quero fazer "Rei Lear"... Eu assisti Raul Cortez fazendo "Rei Lear" e a gente está no Teatro Raul Cortez... uma super conexão. São dois sonhos, sei lá. Depois que eu fiz tragédia com João Fonseca, eu fiz "Eletra", eu fiz Orestes, eu matei minha mãe no palco (risos)! Quer dizer, agora, eu não tenho medo de nada!

As escolhas dos personagens, em que você faz o mais leve, e o Reynaldo o mais pesado... É isso?
R.T. - Eu faço o cara que é coração, ele faz o cara que é razão.

Mas quem fez essas escolhas, o Rafael (Primot, diretor)?
R.T. - Os diretores escolheram os nossos papéis. 

Existe uma diferença desde o início, mas depois um vai contaminando o outro. E essas diferenças vão desaparecendo, os dois vão começando a se transformar. É isso?

R.T. - O papel da amizade é esse, né? Eu acho que, por mais que eles fiquem brigando o tempo todo, porque meu personagem é muito livre e o dele é muito preso às regras, o Babur traz uma leveza para a vida do Humayun que só ele poderia trazer. Realmente, de verdade, uma alegria! E que o personagem do Giane traz uma disciplina que o meu não teria, mas precisa para ser um guarda imperial. Então, eu acho que essa é a amizade: quando um influencia e consegue transformar o outro.

Vocês questionaram quem está certo e errado no espetáculo?

R.T. - Acho que é o público quem vai decidir. Porque na verdade, o personagem do Giane, realmente... Vou fazer um aparte só: a gente, na verdade, achava que era trocado. Na verdade, na vida real, a gente é invertido. Mas depois de tantas camadas que a gente chegou na peça a gente já não tem certeza de quem que é quem (risos). É engraçado, porque todo mundo tem um pouco de cada um. Mas, com relação ao que eu ia dizer, o personagem do Giane, teoricamente, é o Apolo. É o cara que você diria: "ele está certo". Ele faz tudo direito. Ele é o melhor filho, o melhor soldado, o mais focado, cumpre tudo. Aí assista a peça e veja se você sai com a mesma opinião...



+ "Os Guardas do Taj":

.: Entrevista com Reynaldo Gianecchini, a razão de "Os Guardas do Taj"

.: Crítica de "Os Guardas do Taj", com Reynaldo Gianecchini e Ricardo Tozzi


*Helder Moraes Miranda escreve desde os seis anos e publicou um livro de poemas, "Fuga", aos 17. É bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.

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