terça-feira, 9 de janeiro de 2018

.: Entrevista com Reynaldo Gianecchini, a razão de "Os Guardas do Taj"

"Às vezes, fracassos são ótimos. Em novela a gente vê muito isso”,
Reynaldo Gianecchini

Por Helder Moraes Miranda, em janeiro de 2018.


Por trás da imagem de galã admirado por milhões de telespectadores da Rede Globo, Reynaldo Gianecchini é pura emoção. Completando 20 anos de carreira, ele protagoniza, com Ricardo Tozzi, o espetáculo "Os Guardas do Taj", texto original de Rajiv Joseph, traduzido e adaptado por Rafael Primot, que divide a direção com João Fonseca. A produção é da Morente Forte Produções Teatrais. O Resenhando.com foi convidado para a coletiva de imprensa do espetáculo, que estreia no próximo dia 13 de janeiro, no Teatro Raul Cortez, e transcreve a íntegra das respostas dadas por Gianecchini aos jornalistas. 

Essa é a primeira da série de entrevistas que serão publicadas ao longo da semana sobre a peça, que terminará com a crítica do ensaio do espetáculo, apresentado no último domingo, dia 7 de janeiro. Na entrevista, o ator fala sobre o espetáculo, em que interpreta o guarda que representa o lado da razão em contraponto ao de Ricardo Tozzi que, na peça, é totalmente emocional. Também fala sobre envelhecimento, o lado bom dos fracassos nas novelas e até sobre o personagem que sempre o perseguiu, mas que já não pode mais interpretar. 


Como foi o processo de criação de cada personagem?
REYNALDO GIANECCHINI - Essa peça tem muitas nuances. Então o processo foi bem intenso. Eu gosto de jogar muito com os diretores. No caso, a gente teve sorte porque são dois diretores incríveis que a gente admira pra caramba, que a gente é amigo, e a gente confia. Então basicamente o processo foi muito assim, de troca, mesmo. Eles já tinham muito certo o que queriam como linha para ajudar a gente a abrir todas as nuances dos personagens. E foi surgindo muito desse contato com a direção. Claro que a gente está sempre aberto para trabalhar com a nossa criatividade, a gente acrescenta alguma coisa, joga fora ou aproveita. Mas quando a gente tem diretores que têm uma pegada e uma sensibilidade forte como eles, fica muito mais fácil o nosso trabalho.

Qual é a mensagem que o espetáculo propõe?
R.G. - A peça fala de muitas coisas. Acredito que a coisa mais importante, mais atual, é essa reflexão sobre de onde vem as nossas escolhas. Como a gente está escolhendo as coisas de acordo com o nosso desejo, a nossa verdade mesmo… ou está seguindo o que esperam da gente, ou propuseram para a gente? Estamos repetindo as histórias dos nossos pais, dos nossos avós? E tudo tem uma consequência. As nossas escolhas têm uma consequência. Às vezes, as consequências são muito pesadas quando elas não vêm do coração. Quando a gente escolhe coisas que, no fundo, vão nos ferir, mas a gente prefere se machucar, às vezes, do que deixar de seguir o que esperam da gente. É uma loucura, né? Acho que esses tempos são perfeitos para a gente refletir sobre isso. Eu às vezes faço um paralelo... Vejo essa loucura da Coreia do Norte. Tem um maluco lá e tem milhões de soldadinhos prontos...

RICARDO TOZZI interrompe: Chama ele de maluco, ele vai adorar! (risos) Ele que disse isso, eu não concordo! (risos)

R.G. - (risos) Mas é isso... Qualquer outro vai lá e está pronto para apertar o botãozinho e começar uma guerra... Mas os soldados querem essa guerra? Ou eles estão só obedecendo uma ordem que nem gado? Acho que a peça é bastante sobre isso. Para mim, a mensagem principal é essa. Mas fala também de amizade, que é muito bonito...


A peça fez com que refletisse um pouco mais sobre o verdadeiro valor da amizade?
R.G. - É muito interessante essa questão de amizade, porque, na peça, a gente fala sobre dois “amigos-irmãos” e a gente é, eu e o Tozzi, “amigos-irmãos”. A gente ficou agora convivendo muito, dia a dia, por causa dos ensaios, depois Portugal e, como toda boa amizade, é maravilhoso porque teve todos os conflitos, todos os atritos. Mas daqui a pouco a gente estava discutindo sobre tudo, estava se abraçando, pedindo perdão, crescendo junto. Eu acho que essa é a verdadeira amizade, como é na peça. Na peça, a gente briga toda hora e fica muito evidente o amor, a amizade, e que um complementa o outro, às vezes com visões diferentes. Mas não tem certo e errado, existem vários pontos de tudo e sempre é legal você conversar sobre as coisas. Então, curiosamente, a vida fez assim: meio que deu uma entrelaçada com a peça, a ficção e a realidade. E tem uma coisa que eu falei do Tozzi, porque realmente a gente ficou muito tempo juntos, mas esses dois (os diretores Rafael Primot e João Fonseca) também são amicíssimos da gente. Como a gente reforçou os laços de amizade e como é difícil, mesmo. Eu dou muitos parabéns para eles. Como é difícil estar no comando, e ser amigo, e ser gentil, mas ser firme, porque o diretor tem esse trabalho de dizer "está uma merda isso que você está fazendo", sem a gente ficar melindrado. A gente passou por tudo isso de uma forma grandiosa. Para mim, isso é o que mais fica: como a gente cresce junto, como a gente aprofunda a amizade nesse processo...

Há diferença na dedicação de um ator para papéis na televisão e no teatro?
R.G. - É bem diferente. Particularmente, eu gosto sempre de fazer uma novela, dar um tempinho e fazer teatro. São processos diferentes e os dois são maravilhosos. Os três, aliás, porque o cinema também entra. Não existe nem comparação, é tudo muito diferente inclusive. Eu já estava morrendo de vontade de fazer teatro, eu estava cansado. Tanto é que dei um tempinho de televisão mesmo. O Tozzi vai começar a gravar uma novela agora, eu vou demorar um tempinho. Eu estou bem triste de fazer só a peça... Mas também com a idade (risos)... A gente não quer fazer dez coisas ao mesmo tempo (risos). O “tio” está velho.


Gianecchini, pegando “Cacilda” como o início da sua carreira profissional que vai completar 20 anos agora, com José Celso Martinez... Você deu uma entrevista sobre o personagem que interpretou nesta peça, Ubiratan, e fala que sempre foi muito aberto ao mundo. De que maneira esse personagem faz você olhar sua carreira? 
R.G. - Engraçado, todo personagem que interpreto, de alguma forma, parece que está sempre associado com algum momento muito importante em minha vida. As questões dos personagens se misturam com as minhas sempre. Parece que foi escolhido a dedo pelo destino. Isso eu tenho percebido. Toda vez que eu estou com um personagem, por acaso aquela questão está muito latente na minha cabeça. É muito louco quando você pensa. Vinte anos de carreira não são nada, na verdade. Eu me lembro como se fosse ontem. Estava estreando, totalmente verde, lá com o Zé Celso, tremendo, mas totalmente apaixonado. Para mim, sempre é muito importante você estar apaixonado pelo que está fazendo. Não tem sentido fazer uma coisa burocrática, ou só fazer... Quando a gente é jovem, quer fazer mil coisas ao mesmo tempo. Eu estou agora bem numa fase em que quero escolher a dedo o que eu quero falar. E essa peça tem muito a ver com o que eu quero falar nesse momento. Eu, na verdade, estava querendo até tirar um ano sabático, parar de trabalhar para curtir algumas coisas, e esta peça meio que atropelou esse ano sabático, mas estou tão feliz de fazer... Por isso eu falo em ser flexível. Eu faço alguns planos, mas eu deixo a vida me mostrar um outro lado que eu não planejei direito. Isso é maravilhoso: você entender esse fluxo da vida, a simplicidade que vai levando aos caminhos e fazer as suas escolhas.

Teve alguma concessão que você fez e se arrependeu? 
R.G. - Cara, eu não me arrependo de nada. Claro que teve coisas que não resultaram do jeito que eu queria, ou processos que não foram tão felizes quanto a maioria, mas tive sorte, fiz coisas em que fui muito feliz. E algumas coisas que nem tanto, mas essas também me fizeram aprender muito. Essa coisa de ser bom ou ruim, para mim, esse julgamento eu não tenho muito. Acho que tudo faz parte de um grande processo para você amadurecer como pessoa e como profissional. Eu sinto que, a cada personagem, a cada processo, eu vou crescendo muito. Todos são muito importantes, até os fracassos. Às vezes, fracassos são ótimos. Em novela a gente vê muito isso. Tem novela que é ruim, mas que a gente faz e aprende tanto... Porque é tão difícil de “se virar” naquela bagunça... Não foi um grande sucesso, mas, ao mesmo tempo, foi um sucesso porque a gente foi lá e conseguiu “se virar” naquilo e fez relações maravilhosas ali dentro. 

Como é o Gianecchini de hoje contando como foi o início para o Gianecchini do passado?
R.G. - Definitivamente, eu posso falar: o de hoje é muito mais relaxado. Quando você é muito jovem, a natureza é sábia porque dá uma energia enorme, que vem com uma ansiedade insuportável. Hoje em dia eu sou muito mais tranquilo. É muito bom dar uma relaxada...


E para aquele Gianecchini que estava sendo dirigido pela Marília Pêra em "Doce Deleite" (2009)?
R.G. - Ali foi o começo de tudo, por incrível que pareça. Foi ali que eu comecei a sentir uma maturidade no meu trabalho e um relaxamento... E olha que a Marília era difícil... Ela dava uma alfinetada, uma cutucada... Mas ali foi a primeira vez que eu pude me divertir, a peça era uma delícia de fazer. Porque eu sempre ouvi isso: "ator tem que se divertir e se não se divertir, se levar a sério demais, é muito chato para ele e para o público". E eu sempre concordei. Foi ali que eu comecei a me divertir. Por exemplo, eu nunca consegui me divertir fazendo televisão. O peso da responsabilidade era muito grande. Você sabendo que milhões de pessoas estão assistindo, eu não tinha nohall nenhum, era muito "verde". Eu estava muito tenso, não sabia como podia me divertir ali. E, com o tempo, o teatro foi me dando isso. E eu me lembro que foi justamente com "Doce Deleite" que eu pensei: "Que delícia se divertir, contar com o erro”. Essa peça era legal porque, quanto  mais você errava, mais era legal.  Esse negócio de assumir o erro em cena, isso pra mim foi um aprendizado enorme. Todo processo de teatro tem uma certa angústia. Enquanto você não encontra o personagem do jeito que você quer é uma angústia. Mas eu sofria demais, passava do ponto. Hoje em dia, eu sofro no limite dessa angústia, que  é a angústia do artista, mesmo. De buscar, não uma perfeição porque não existe, mas o que idealizou e conseguir chegar naquilo. Mas mesmo assim tem uma diversão. Por exemplo, esse processo de “Os Guardas de Taj”, para mim, foi superdivertido. Foi tenso, mas foi divertido também. Até lidar com as dificuldades, sabe? Isso que eu acho bacana, você tirar esse peso da responsabilidade

Que grande papel da vida você gostaria de interpretar?
R.G. - Eu não tenho um personagem dos sonhos... Um personagem que me perseguiu a minha vida inteira que eu adoraria ter feito é o Pedrinho do "Sítio do Picapau Amarelo" (clássico da literatura infantil de Monteiro Lobato). Mas esse não vai dar mais (risos). Mas eu não tenho... Esses personagens clássicos, acho maravilhosos, mas hoje em dia eu não tenho uma grande vontade de fazer. Gosto muito de coisa contemporânea. Muito. Eu respeito toda a bagagem que a gente tem, dos clássicos, mas a chama que me move é o contemporâneo. O que a gente tem urgência de falar agora e com toda a nossa realidade, com todos os recursos atuais. Sou super a favor de usar tudo, não tenho o menor preconceito com nada. Tem gente que é super purista de teatro, eu acho que pode ter microfone, pode ter vídeo... Tudo é para contar uma história, e da melhor forma, criando todas as sensações possíveis nas pessoas. 

*Helder Moraes Miranda escreve desde os seis anos e publicou um livro de poemas, "Fuga", aos 17. É bacharel em jornalismo e licenciado em Letras pela UniSantos - Universidade Católica de Santos, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura, pela USP - Universidade de São Paulo, e graduando em Pedagogia, pela Univesp - Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Participou de várias antologias nacionais e internacionais, escreve contos, poemas e romances ainda não publicados. É editor do portal de cultura e entretenimento Resenhando.


Ensaio



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