Por Sérgio Sayeg, em novembro de 2017.
“Desafio para a formação educacional de surdos no Brasil”. Este foi o tema da prova de redação que os elaboradores do ENEM/2017 desencavaram para aterrorizar os postulantes a ingressar no ensino superior.
Não que deficientes auditivos não sejam merecedores do melhor de nossa atenção. A questão é: proposições dessa natureza possibilitam efetivamente que os estudantes brasileiros aprendam a escrever melhor e a desenvolver suas ideias, de modo a deixar de figurar no ranking mundial entre os piores do mundo, onde foram colocados justamente pelo atual sistema falido de ensino?
Os surdos certamente se sentiriam mais gratificados se suas demandas fossem temas de políticas públicas consequentes ao invés de redações para adolescentes que mal sabem construir uma sentença com nexo até o fim. Resolver problemas pertinentes aos que têm deficiência auditiva deveria ser função de nossos ineptos governantes, esses sim surdos da pior espécie, aqueles que não auscultam os clamores da sociedade. Só têm ouvidos para o canto da sereia do poder e para o tilintar da grana que transita solta nas altas esferas. Na falta de vontade política para lidar com as questões espinhosas geradas por legiões de surdos, mudos, cegos, enfermos, miseráveis e analfabetos, nossos mandatários repassam-nas, através dos burocratas do MEC, aos coitados dos estudantes cuja única aspiração é ter uma formação universitária decente para poder engrossar com dignidade a multidão de desempregados com diploma na mão.
Não é de hoje que os sádicos elaboradores dos exames do ENEM levantam temas excruciantes para torturar a molecada e iniciar-lhe em assuntos inextricáveis ou insolúveis: a violência contra a mulher (2015), o trabalho infantil (2005), a valorização do idoso (2009), os abusos da mídia (2004), a intolerância religiosa (2016), o racismo (2016, 2ª prova), a publicidade infantil (2014), a lei seca (2013), a preservação da floresta (2008), a violência (2003), a imigração (2012). Certamente, os pupilos sentir-se-iam mais à vontade discorrendo sobre games, música, filmes, esportes ou sentimentos universais como amor, amizade, medo, alegria em que talvez pudessem fazer extensas e criativas dissertações, exercer sua expressividade e, com mais propriedade, manifestar suas opiniões.
Mas quem está interessado em sua opinião, Zé Mané? O ENEM quer apenas que o noviço recite a cartilha adotada, colocando-lhe na boca (e na ponta da caneta preta) lemas do receituário politicamente correto para homogeneizar o entendimento da molecada. Ao mesmo tempo em que glorificam teses de diversidade e liberdade de opinião, preconizam, quando se trata de educação, uma modorrenta unicidade de pensamento.
Faz parte dos objetivos dos educadores de plantão desde cedo assombrar a galera com questões "adultas", repletas de "responsabilidade social" (seja lá o que eles acham que isso possa ser) e abortar impiedosamente seu mundo de sonhos e fantasias despolitizado ("alienado").
Afinal, o objetivo do nosso sistema de ensino não é formar pessoas felizes, realizadas, cheias de vida, de bem com o mundo, e sim "Guevarinhas" raivosos, militantes engajados em promover passeatas, incitar ocupações e substituir regimes corruptos de direita por regimes corruptos de esquerda.
Resta-nos oferecer dicas aos jovens para sobreviver a isso. Para agradar aos julgadores com "consciência social" do ENEM, lance mão de frases de efeito mas sem nenhum conteúdo efetivo como: “é necessário efetuar a mobilização da sociedade para pressionar as autoridades”, “é preciso assegurar os direitos constitucionais inalienáveis aos menos favorecidos”, “que seja adotada uma política de inclusão que respeite os direitos humanos de todos os cidadãos”, “é imprescindível estabelecer diálogo com os movimentos sociais representativos para aprofundar o processo de democratização”. Decore tais frases e insira-as aleatoriamente no meio do seu texto.
São sempre bem vindas menções a pensadores chiques de esquerda como Sartre, Lukács ou Foucault. Não perca tempo lendo as obras dos ditos cujos pois você obviamente não vai entender nada. Basta pegar uma citação extraída de algum livro, pinçada no buscador do Google. Não se preocupe em checar a autenticidade pois os julgadores também nunca leram. Não se arrisque a citar autores supostamente ‘de direita’ nem mesmo ficcionistas como Borges, Vargas Llosa ou Nelson Rodrigues. E se você, quando criança, foi educado com o "Sítio do Picapau Amarelo" ou "Reinações de Narizinho", apague-os da memória para não incorrer no perigo de citar involuntariamente alguma passagem. Monteiro Lobato passou a ser considerado racista por causa da empregada afrodescendente Tia Nastácia, explorada até a alma pela avó latifundiária, Dona Benta.
Lembre-se que, apesar da proibição pela Justiça de zerar redações que firam “direitos humanos”, o julgador pode dar nota 1 se considerá-lo um ‘coxinha’. Em hipótese alguma, deixe transparecer qualquer traço de aceitação ao sistema vigente para não angariar antipatia dos professores, cuja formação foi herdada da resistência à ditadura militar.
Por fim, não permita que o trauma da redação do ENEM destrua seu desejo por escrever e ler poesias, contos ou obras de ficção e realidade fantástica. Assim que passar o pesadelo das provas, saiba que há milhares de lindos e inspiradores livros que lhe permitem voar alto para longe da tragédia social pela qual, apesar do empenho em envolver-lhe feito pelos mestres politizados, você não deve carregar nenhuma culpa. De Machado de Assis a Drummond de Andrade, de Gonçalves Dias a Paulo Leminsky, de Lewis Carroll a George R R Martin, do "Pequeno Príncipe" a Harry Potter, do Superman ao Dragon Ball. Leituras deliciosas, motivadoras e sem compromisso, eivadas de liberdade e beleza que passam a quilômetros de distância do mundo em permanente putrefação trazido pelos educa(stra)dores do ENEM.
domingo, 19 de novembro de 2017
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