O livro “Nós Somos a Mudança que Buscamos”, que a editora BestSeller lança agora no Brasil, reúne 27 de suas falas, começando em 2002, antes de sua primeira eleição ao governo, quando ele fez uma severa crítica à guerra no Iraque, ainda como senador. O último texto é o de despedida, lido em Chicago, em janeiro de 2017.
Com a posse de Donald Trump, os discursos ganham ainda maior significado histórico pelo contraste com as falas e as medidas que estão sendo colocadas em prática pelo republicano, totalmente contrárias ao que pregava seu antecessor nos seus oito anos de mandato. No discurso do Estado da União de 2013, por exemplo, Obama pregava a necessidade de uma reforma nas leis de imigração, não só para tentar barrar a entrada em massa, mas para acolher os que já estavam no país, desde que em condições de trabalho e de se regularizar. Em Washington, Trump começa a cumprir suas promessas de campanha e já anunciou que vai acabar com o programa de proteção aos filhos de imigrantes ilegais.
“Nossa economia fica mais forte quando canalizamos os talentos e as habilidades de imigrantes esforçados e cheios de expectativas. E, neste exato momento, líderes das comunidades empresariais, trabalhistas, jurídicas e religiosas concordam que chegou a hora de aprovar uma abrangente reforma da imigração. É agora o momento de fazê-lo. (...) Uma verdadeira reforma significa estabelecer um caminho responsável para a cidadania conquistada — um caminho que inclua se submeter à verificação de antecedentes, ao pagamento de impostos e a uma penalidade significativa, a aprender inglês e entrar no fim da fila, depois das pessoas que tentam entrar legalmente no país. E uma verdadeira reforma significa reformar o sistema de imigração legal para diminuir os períodos de espera e atrair os empreendedores e engenheiros altamente especializados que nos ajudarão a criar empregos e expandir nossa economia”, discursou o ex-presidente.
No momento em que o país vê ressurgirem movimentos de supremacia branca e conflitos raciais que pareciam relegados ao passado sangrento voltarem à tona, é crucial revisitar as falas de Obama sobre o assunto. No início deste mês de agosto, Trump foi criticado por dizer que havia culpa dos dois lados, ao se pronunciar sobre os confrontos entre grupos neonazistas e antirracistas em Charlottesville, na Virgínia. Em junho de 2015, Obama foi até a histórica igreja metodista de Mother Emanuel, onde o reverendo Clementa Pinckney fora assassinado, junto com oito dos seus paroquianos, e fez um de seus mais belos discursos. Ele emocionou a plateia também ao cantar com a congregação a oração fúnebre “Amazing grace”.
“Durante muito tempo nos mantivemos cegos à dor que a bandeira dos Confederados causava em um número muito grande dos nossos cidadãos. Claro que uma bandeira não causou esses assassinatos. Mas como reconhecem hoje pessoas de todas as camadas da sociedade, republicanos e democratas — entre elas o governador Haley, cuja eloquência recente nessa questão é digna de elogio —, como todos nós temos de reconhecer, a bandeira sempre representou mais que apenas um orgulho ancestral. Para muitos, negros e brancos, essa bandeira era um lembrete de uma opressão sistêmica e da subjugação racial. É o que vemos agora. Retirar a bandeira da assembleia estadual não seria um ato de correção política; não seria um insulto ao heroísmo dos soldados confederados. Seria simplesmente o reconhecimento de que a causa pela qual lutaram — a causa da escravidão — era equivocada, de que a imposição de Jim Crow depois da Guerra Civil e a resistência aos direitos civis para todos eram coisas equivocadas. Seria um passo para um relato honesto da história dos Estados Unidos; um bálsamo modesto mas significativo para tantas feridas ainda abertas. Seria uma expressão das incríveis mudanças que transformaram este estado e este país para melhor, em virtude da ação de tantas pessoas de boa vontade, pessoas de todas as raças lutando para formar uma união mais perfeita. Retirando essa bandeira, nós manifestamos a graça de Deus”.
Em outro momento pujante do livro, Obama fala, em julho de 2013, sobre o julgamento do assassino de Trayvon Martin, jovem morto a tiros por um vigia na Flórida, quando voltava para casa depois de fazer compras. “Como sabem, quando Trayvon Martin foi morto, eu disse que ele podia ser meu filho. Outra forma de dizer a mesma coisa é que Trayvon Martin podia ter sido eu 35 anos atrás. E quando tentamos entender por que há tanta dor na comunidade afro-americana em torno do que aconteceu aqui, acho importante reconhecer que a comunidade afro-americana encara essa questão por meio de um conjunto de experiências e de uma história que se recusa a ir embora. São poucos os homens negros em nosso país que não tiveram a experiência de ser seguidos ao fazer compras em uma loja de departamentos. E isso me inclui. São poucos os homens negros que não tiveram a experiência de percorrer uma rua e ouvir as trancas serem acionadas nas portas dos carros. É o que acontecia comigo — pelo menos até eu ser eleito senador. São poucos os negros que não tiveram a experiência de entrar em um elevador e ver uma mulher agarrando a própria bolsa, nervosa, ou contendo a respiração até poder sair dali. Isso acontece com frequência. Não quero exagerar, mas todas essas experiências informam a maneira como a comunidade afro-americana interpreta o que aconteceu certa noite na Flórida. E é inevitável que essas experiências se reflitam no julgamento das pessoas. A comunidade afro-americana também sabe que existe uma história de disparidades raciais na aplicação das nossas leis penais — desde a pena de morte até a aplicação da legislação sobre drogas. E isso acaba tendo um impacto no modo como as pessoas interpretam o caso”.
No discurso de despedida, que nem todos os presidentes americanos fazem ao deixarem os cargos, Obama fez questão de defender o seu legado diante da campanha de difamação feita por Trump durante a campanha presidencial, e se mostrou preocupado com os rumos da democracia americana. Ele elogiou os progressos alcançados na saúde, nos direitos dos LGBT, dos imigrantes e no combate às mudanças climáticas.
“(...) Para que nossa democracia funcione em um país cada vez mais diversificado, cada um de nós precisa tentar ouvir o conselho de um grande personagem da ficção americana — Atticus Finch —, que disse: “A gente não entende realmente uma pessoa enquanto não encarar as coisas do seu ponto de vista [...] enquanto não entrar na sua pele e andar por aí nela”. *
Os discursos foram organizados por E.J. Dionne Jr., colunista do Washington Post e professor da universidade de Georgetown; e pela analista política Joy-Ann Reid. Nos textos, Obama fala de sua trajetória na política, de economia, desigualdade, questões raciais, violência armada e direitos humanos. Cada discurso é precedido de notas e contexto histórico. O livro chega às livrarias em outubro.
*Do romance “O Sol é Para Todos”, de Harper Lee (José Olympio)
Sobre os autores:
- E.J. Dionne Jr. é membro sênior da Brookings Institution, colunista do Washington Post e professor da universidade de Georgetown e autor de seis livros.
- Joy-Ann (Joy) Reid é analista política, apresentadora do programa AM Joy, e autora do livro “Fracture: Barack Obama, the Clintons, and the Racial Divide”.
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