segunda-feira, 15 de agosto de 2016

.: A nova edição de "A Balada do Cárcere", de Bruno Tolentino

Um dos grandes nomes da poesia brasileira, Bruno Tolentino ficou conhecido não apenas por suas proezas literárias – ele venceu três vezes o Prêmio Jabuti – mas também pelas polêmicas. Ficaram famosas suas desavenças com os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, o músico Caetano Veloso, e com diversos professores da USP. Definia-se como “uma língua ferina entortada pelo vício da ironia”.

Agora, vinte anos depois da primeira publicação de “A Balada do Cárcere”, as novas gerações poderão conhecer este que é um de seus livros mais importantes. O título chega às livrarias pela Record em agosto: é uma edição comentada, com apresentação do poeta Érico Nogueira, e notas e organização de Juliana P. Perez, Jessé de Almeida Primo, Guilherme Malzoni Rabello, Renato José de Moraes e Martim Vasques da Cunha.

“A Balada do Cárcere” nasceu da experiência de Tolentino durante os 22 meses que passou na prisão de Dartmoor, no Reino Unido. O escritor morou por quase 30 anos na Europa, onde lecionou literatura em universidades inglesas. Tolentino faleceu em 2007, não sem antes deixar um legado literário que inclui obras como “As Horas de Katharina”, “O Mundo como Ideia” e “A Imitação do Amanhecer”.

Orelha:
“É lugar-comum a ideia de que a poesia dá ao leitor as ferramentas necessárias para a expressão daquilo que, de outro modo, permaneceria inexpresso. Quanto maior a apropriação dos recursos de linguagem pelo indivíduo, portanto, maior seria o grau de autoconsciência do qual ele é capaz.

O presente livro mostra que esse lugar-comum tem muito de verdade. O encontro entre o narrador que fala na primeira parte bem como no epílogo de A balada do cárcere e o Numeropata (companheiro seu de reclusão no presídio britânico de Dartmoor) é, afinal, o encontro entre a linguagem articulada, expressiva, devassadora, e uma massa existencial informe, caótica, afásica. É assim quase uma parábola sobre o nascimento da cultura.

Quando o poeta empresta sua voz para que o “monstrengo”, o “Minotauro”, fale na segunda parte desta Balada tripartite, o Numeropata se descobre assassino da Beleza (recordada, na imagem de sua mulher, como “sempre mais obscura, / cada vez mais amada”). Isso ao mesmo tempo que descobre que até para o seu crime, uma materialização cruel do que em abstrato cometemos dia após dia, existe redenção: o crime de não compreender que o “visível” é a “derrota do invisível”, que o Belo não é deste mundo e que guardá-lo, impedir sua dissipação, é coisa impossível. Quando se tenta guardá-lo, mais rápido se dissipa — tal como a vida da amada que o Numeropata estrangulara.

É por isso que este livro, se nos mostra o nascimento da cultura por meio do encontro de duas pessoas, nos mostra também a insuficiência da cultura por meio do encontro de uma pessoa (o assassino, o amante) e a recordação de outra que se foi (a assassinada, a amada). Existiria uma faixa de vida, de verdade fundamental, que a palavra só mata e o símbolo elude; tenta dizê-la, e o pouco que consegue apenas trai sua totalidade. Mas só a própria linguagem seria capaz de nos conduzir a esta lição paradoxal, que aqui se alcança inclusive através de releituras de mitos gregos e do simbolismo de animais heráldicos. Tudo, enfim, para que compreendamos por que “um corpo // sacrificado à linguagem / que os amantes não entendem / passou boiando ante a margem / do Nunca Mais. Para sempre”.

“A Balada do Cárcere” é o menos prolixo e mais bem estruturado dos livros que Bruno Tolentino escreveu. É também livro que o situa, contra a impressão de leitores negligentes, no topo da modernidade literária brasileira, com sua fusão de imagens imprevistas e ideias complexas, seu verso plástico (da redondilha ibérica à construção aparentemente “livre”) e sua sobreposição de tom elegíaco e episódica autoironia.” (Ronald Robson)

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