Últimos dias para conferir a exposição "As Meninas do Quarto 28", no Museu Histórico Nacional do Rio. Mostra traz desenhos de crianças que viveram no campo de concentração durante a segunda guerra.
Até domingo, dia 17, os cariocas podem visitar a exposição “As Meninas do Quarto 28” no Museu Histórico Nacional, no Centro. Adaptada do livro homônimo da jornalista alemã Hannelore Brenner, a mostra relata o dia a dia de cerca de 50 meninas que viveram por dois anos no campo de concentração de Theresienstadt, na República Tcheca, durante a Segunda Guerra Mundial. Cerca de 30 mil pessoas já visitaram a exposição que passou por São Paulo, Porto Alegre e Brasília.
A mostra reúne 50 desenhos e uma réplica de 18m² do quarto em que as crianças judias ficaram aprisionadas, além de painéis com detalhes históricos da época. Das mais de 15 mil crianças, entre 12 e 14 anos, que viveram no campo de concentração, de 1942 a 1944, somente 93 sobreviveram, 15 delas sobreviventes do "Quarto 28".
“Trouxemos uma exposição para o Brasil que emociona muito. É muito tocante ver o poder transformador da arte, mesmo para aqueles que viveram numa realidade tão difícil. Por todos os lugares que passou, a mostra foi recebida com muito carinho, tem algo humano que ela transmite e que foi inteiramente compreendido pelos visitantes nas três edições que fizemos. Nesta quarta edição, no Rio, vamos mostrar um pouco dos resultados e reações que tivemos nas demais capitais”, explica Karen Zolko, familiar de uma das meninas que habitou o "Quarto 28" e representante da exposição no Brasil, junto com a amiga e sócia Dodi Chansky.
A situação miserável, desde o racionamento de comida ao onipresente medo de ir para o “Leste” (Auschwitz-Birkenau), não foi capaz de abalar os prisioneiros que encontraram na arte uma maneira de sonhar com um futuro melhor. Coube aos professores, compositores e artistas – todos judeus presos em Theresienstadt – manterem a esperança viva na imaginação daquelas crianças.
A artista plástica Friedl Dicker Brandeis foi uma das precursoras nesse trabalho. Deportada para o campo de concentração tcheco em 42, ela levava na bagagem poucos pertences pessoais e muitos materiais artísticos. Frield percebeu cedo que a arte seria uma ferramenta fundamental para ajudar as crianças a lidar com a dor da perda, com o medo e com a incerteza do futuro. Para isso, dava aulas técnicas de desenho e pintura para ala infantil do campo. Enquanto contava histórias, as crianças faziam ilustrações com base no que ouviam. As narrativas em nada retratavam o terror vivido diariamente pelos presos ou eram relacionadas à realidade do campo de concentração.
Nos quase dois anos que esteve presa, a artista conseguiu esconder os cinco mil desenhos dos seus alunos antes de ser levada para Auschwitz, em 1944. Dez anos depois, esses desenhos foram encontrados e encaminhados para um museu em Praga, na República Tcheca. Das meninas que passaram pelo Quarto 28, foram encontrados cerca de 500 desenhos e 40 foram selecionados para fazer parte da mostra que viaja o mundo e chega ao Rio pela primeira vez, depois de ter passado por diversos países da Europa e por Israel. Em 2013, a exposição foi escolhida pela União Europeia para a tradicional homenagem realizada anualmente no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) também a selecionou para lembrar as vítimas do genocídio cometido pelos nazistas.
A relação do Brasil com as meninas do "Quarto 28"
Não foi à toa que Hannelore Brenner, a idealizadora e detentora dos direitos da exposição e autora do livro “As Meninas do Quarto 28”, lançado pela da Editora LeYa, incluiu o capítulo "Ecos Tardios do Brasil em Sua Obra". A relação entre o país e essa história de amizade e amor à arte está intimamente ligada por conta de Erika Stránská, filha do primeiro casamento do judeu George Stransky.
Em 1938, a mãe deixou Erika aos cuidados do pai para sair em busca de melhores condições de vida na Inglaterra. George acabou se apaixonando por Valeria, então primeira bailarina do Teatro de Viena, com quem se casou e teve Monika, sete anos mais jovem que a meia-irmã. As duas costumavam brincar juntas até que Erika e seu pai foram levados para campos de concentração mantidos pelo regime nazista. Ele foi para um campo de trabalho forçado e Erika foi encaminhada para Theresienstadt, mais precisamente para o "Quarto 28".
Enquanto a mãe e a filha mais nova se refugiaram na pequena Boskov, George conseguiu escapar do campo de trabalho e ir ao encontro delas. Após o final da guerra, ele começou a procurar Erika, chegando, inclusive, a ir até a Suíça atrás de uma pista de seu paradeiro. Mas, acabou descobrindo que sua filha mais velha tinha sido deportada para Auschwitz, onde foi morta numa câmara de gás.
Após a tragédia, a família tentou retomar a vida da maneira que podia e, em 1946, se mudou para São Paulo. Alguns anos depois, a caçula se casou com GregorioZolko, criando seu próprio clã: as filhas Sandra e Karen Zolko e os netos André, Adriana e Lara.
Em 1974, a família viajou para a Checoslováquia e, durante um passeio pelo Museu Judaico de Praga, visitou uma exposição de desenhos de crianças feitos durante a Segunda Guerra no campo de concentração de Theresienstadt.
A enorme surpresa se deu quando Monika reconheceu a assinatura da sua irmã, Erika Stránská, em um deles. Começou, então, a busca por detalhes de como teria sido a sua vida. Mas, quase nada foi descoberto naquela época devido ao regime comunista que vigorava.
Em 2012, incentivada por um amigo, Karen Zolko resolveu mais uma vez procurar informações sobre o paradeiro da meia-irmã de sua mãe. Com a dissolução da Checoslováquia e as facilidades da internet, a brasileira conseguiu entrar em contato com o diretor do museu e descobriu que lá não estava apenas um desenho de Érika, mas sim 30 deles.
“Montar esse quebra-cabeça era um presente que eu queria dar para a minha mãe. Consegui 70 anos depois, com a ajuda fundamental de amigos e familiares”, conta Karen Zolko que, junto com Dodi Chansky, representa o projeto da exposição no Brasil.
Além de um link para acessar as imagens, o diretor do museu mandou uma lista de contatos de pessoas que poderiam ajudar com mais informações sobre a história. Uma delas era a jornalista Hannelore Brenner, que trocou dados e documentos com a brasileira e mostrou para a família que Erika era uma das meninas que morou no "Quarto 28".
Dessa ligação surgiu uma amizade e a ideia de trazer a exposição para o Brasil. “Nosso objetivo agora é levá-la para mais capitais do país e, quem sabe, ajudar outras famílias a conhecer e finalizar suas histórias pessoais, como aconteceu com a minha”, revela Karen.
Serviço da exposição:
“As Meninas do Quarto 28”
Curadoria: Karen Zolko, Dodi Chansky, Roberta Alexander Sundfeld
Museu Histórico Nacional - Praça Marechal Âncora, s/n Centro, - Rio de Janeiro – RJ
Visitação: até 17 de julho de 2016
De terça a sexta, das 10h às 17h30m
Horário: sábados e domingos, das 14h às 18h
Entrada do Museu: R$ 8 (inteira)
Entrada na exposição: gratuita
Classificação: livre
Educativo: agendamentoquarto28@gmail.com.
Projeto aprovado pela Lei Rouanet – Pronac 1410791– artigo 18 publicado no Diário Oficial no dia 28 de maio de 2013.
Serviço do livro:
Editora: LeYa
Autora: Hannelore Brenner
Páginas: 416
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