Por Helder Bentes*
Em julho de 2016
A primeira cena de sexo gay da televisão brasileira não foi uma cena de sexo.
Nem o tempo da narrativa dramatúrgica de Mário Teixeira (o século XIX) justifica uma cena tão alheia à realidade do desejo sexual entre duas pessoas.
Há que se entender que o desejo não pertence à categoria das máscaras de nosso superego. O desejo é natural, instintivo, selvagem, primitivo, genuíno. É uma força poderosa que derruba até mesmo as convicções pequeno-burguesas que sustentaram o romantismo do século XIX.
A novela inspirada no livro "Joaquina, Filha do Tiradentes", de Maria José de Queiroz, tenta reproduzir o repertório sócio-cultural do século XIX, onde, mesmo em obras de ficção realista, a despeito de todo o cientificismo da época e da crise religiosa provocada pela teoria darwinista da evolução, a homossexualidade não é tratada como algo pertinente. Simplesmente era ignorada. Pelos românticos, porque não atendia aos paradigmas burgueses; pelos realistas, porque estes se ocupavam mais da desconstrução de padrões românticos. Então se pode afirmar que a homossexualidade é um fenômeno humano que atravessa o século XIX meio que na periferia da inspiração literária. Exceção feita a Adolfo Caminha que publica neste período o romance "Bom Crioulo", mas ainda assim apresenta as personagens homossexuais meio que influenciado pela medicina oitocentista que associava a homossexualidade a patologias psiquiátricas nocivas ao ordenamento social.
Na novela de Mário Teixeira ambientada no século XIX, o "romance" entre André (Caio Blat) e Tolentino (Ricardo Pereira) parece reproduzir os conflitos pressupostos pelo naturalismo da época. Mas a questão é que o recuo após o beijo compulsoriamente instintivo trocado entre as personagens, aquela troca de olhares meio seca entre eles, o despir-se sem se tocarem, a nudez dos atores (não das personagens) e aqueles toques mais tímidos, sóbrios e contidos que carinhosos não convenceram ninguém, nem sob o pretexto temporal.
Fiquei a pensar que as cenas de sexo hétero que a televisão exibe são bem mais próximas da sensualidade subjacente ao desejo sexual, em qualquer contexto espaço-temporal, e cheguei a duvidar do profissionalismo dos atores que protagonizam as cenas de sexo hétero.
Haja visto que os atores que já fizeram cenas de beijo e sexo gay não conseguiram estar totalmente em suas personagens, como vemos em personagens héteros. Enfim, achei que foi muito barulho pra pouca cena. Mas mesmo assim, valeu a pena ver a bunda do Ricardo Pereira e acompanhar as expectativas e frustrações do público nas redes sociais. Os protestos moralistas também foram importantes, porque sempre provocam reações inteligentes e ensejam uma retórica reativa que pode até não agradar a gregos e troianos, mas vale pelo debate.
Sobre o autor
Helder Bentes* é escritor, professor e jornalista. Formado em Letras e Comunicação Social na UFPA - Universidade Federal do Pará. Sua escrita clama pela igualidade de direitos e pela inclusão das minorias. É um militante das causas que acredita mas, acima de tudo, da vida e dos temas que falam ao coração.
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