"Os mais jovens da era digital não se incomodam em pagar por uma cerveja que vai virar urina, mas a maioria não quer gastar um real pra baixar uma obra musical", Leno Azevedo
Por Luiz Gomes Otero
Em junho de 2016
Em sua trajetória, Leno teve parcerias marcantes com Raul Seixas que, aliás, ajudou a produzir um de seu álbuns nos anos 70, "Vida e Obra de Johnny McCartney", que é cultuado até hoje pelos colecionadores. Em entrevista para o Resenhando, Leno conta detalhes da sua trajetória na música e seus planos para o futuro.
Fale sobre seu início na Jovem Guarda na década de 60. Que lembranças marcaram dessa época?
Leno Azevedo - Boas lembranças! Pela primeira vez, senti que realmente era parte de algo, que estava com minha turma. Um grupo de pessoas legais que gostava do tipo de música que eu gostava. Durante minha infância, morei em diferentes cidades do Brasil. Uma experiência emocionante, mas um tanto solitária. E a turma do "iê iê iê" foi de uma enorme receptividade e carinho quando nossa dupla começou... Altíssimo astral de todos. Sem contar com Renato Barros que nos apresentou ao Evandro Ribeiro, presidente da gravadora CBS, para um primeiro teste sem repertório próprio, que só funcionou na segunda vez quando mostramos “Pobre Menina" e"Devolva-me ". Simplesmente demais... Fomos contratados na hora. Assim que eu e a Lilian "bombamos" na mídia com os nossos discos, foram novamente muitas viagens pelo país, inclusive nas cidades onde eu havia morado. Os romances de adolescente também foram marcantes, mas ao contrário do que se dizia, não com minha amiga Lilian... Era muita música, ensaios e gravações... A Jovem Guarda foi uma grande escola pra mim. E deixou tantas músicas boas, de autores brasileiros, que nem a patrulhagem de uma ridícula passeata conta a guitarra elétrica feita pela mesma mentalidade de esquerda que, no poder, estuprou a economia brasileira, conseguiu apagar a Jovem Guarda da nossa cultura.
Você mantém até hoje uma amizade com a ex-parceira, Lilian. Há planos de se apresentarem juntos novamente?
Leno Azevedo - Sim, temos um link existencial de infância, que supera nossas eventuais divergências a nível profissional. Às vezes nos reunimos para eventos especiais, como fizemos na Virada Cultural de São Paulo no aniversário do movimento em 2015. Foi bem legal ver o público tão emocionado como nós...
Muito embora você tenha surgido na Jovem Guarda, seu trabalho solo sempre se mostrou um passo a frente, haja visto o cultuado álbum dos anos 70, "Vida e Obra de Johnny McCartney". Como você vê essa transição da Jovem Guarda para seu trabalho seguinte?
Leno Azevedo - Ali, por volta de 1970, na virada de uma década absolutamente fantástica na música, parecia que todas as possibilidades criativas estavam pedindo para serem concretizadas... Decidi que meu terceiro álbum solo teria novas direções e foi o que fiz, de modo intuitivo e deixando as ideias fluírem. Com um novo estúdio de 8 canais(!) da CBS colocado à minha disposição para experimentações sonoras, foram dois meses de muito trabalho.
Você manteve uma amizade também com Raul Seixas, dedicando inclusive um disco com as parcerias feitas com ele. Fale sobre essa relação e como ela afetou o seu trabalho musical.
Leno Azevedo - Conheci Raulzito no Rio ainda em 1968 bem antes dele estourar em 1973. Eu e o meu querido Jerry Adriani fomos os grandes amigos dele na época das vacas magras. Inteligente e divertido. Fui seu primeiro parceiro como compositor e gostávamos de trabalhar juntos, tivemos músicas gravadas por vários artistas na época. Mas o divisor de águas, para mim e para ele, foi quando comecei a compor "Sentado no Arco-Íris" para o meu LP de 1970. Já tinha a primeira estrofe e refrão quando mostrei pra ele, e gostou tanto que quis prosseguir na letra. O que fez tão bem que considerava "a primeira letra que tinha orgulho de ter feito" , abordando um tema mais complexo e transgressivo. Tanto que essa e outras parcerias nossas foram censuradas (no LP "Vida e Obra de Johnny McCartney"). Hoje esse álbum virou cult, após os tapes terem sido encontrados em 1994 pelo pesquisador Marcelo Fróes sendo lançado inclusive nos Estados Unidos. Já li coisas estranhas como "um disco de Raul sem Raul", mas o fato é que com todas as influências mútuas, este é um disco de Leno com Leno. E talvez o motivo de ele me incluir entre seus "mestres" , como deixou escrito do próprio punho em "O Baú do Raul Revisitado"... Em 2012, juntei nossas parcerias, outras inéditas que ele fez para eu gravar, e lancei o CD "Canções com Raulzito". Raul sempre foi ótimo compositor e um intérprete único. Está fazendo falta...
Sua fase atual conta com a canção "Poeira Interestelar", que revela uma vertente mais pop rock. Há planos para lançar um novo disco?
Leno Azevedo - Estou preparando material para um novo CD, incluindo "Poeira Interestelar", que é uma das minhas composições favoritas desde que o Erasmo gravou a minha primeira composição no LP "Você me Acende". Aliás, ela se chamava "O Disco Voador"! Pelo visto, não é de hoje que sou fascinado pelo Cosmos... E pelo velho rock (risos)!
Hoje em dia as plataformas virtuais (Itunes, Spotify, etc.) suprem esse contato com o público? Ou será que os shows ainda são a melhor forma de divulgação para o artista?
Leno Azevedo - Boa pergunta. A coisa ainda precisa ser legalmente regulada, mas não há dúvida que quem se deu bem com isso foi a indústria da informática, os verdadeiros piratas que faturam bilhões disponibilizando o que não é deles. E como controlar streamings e os royalties de downloads "nas nuvens"? Prejudica os artistas e principalmente os talentosos compositores profissionais que não são cantores e não podem fazer shows, que atualmente são fundamentais para músicos e cantores, além do prazer da música ao vivo "latejando" no palco! Atualmente o artista precisa bancar a gravação em estúdio do próprio bolso, disponibilizar na internet e ainda se dar por feliz por alguém curtir. De graça. Os mais jovens da era digital não se incomodam em pagar por uma cerveja que vai virar urina, mas a maioria não quer gastar um real pra baixar uma obra musical. Não é a toa que os grandes compositores parecem estar mudando de ramo pra sobreviver, enquanto a mediocridade vai tomando conta. E não é só no Brasil, tem um livro que fala muito bem disso: "Culture Crash", do autor americano Scott Timberg. Não sou saudosista, mas pessoalmente prefiro o formato físico do CD masterizado de fábrica, ou o bom e velho LP de vinil, com suas capas maravilhosas, encartes com ficha técnica e letras das músicas. Além do prazer de entrar numa boa loja e futucar aqueles tesouros de catálogo.
Como estão os planos para os shows desse novo trabalho?
Leno Azevedo - Estou preparando a banda para apresentações depois do trabalho inicial de TV e imprensa.
É verdade que seu filho também segue carreira profissional na música?
Leno Azevedo - Meu filho, Diogo Strausz, gravou o CD "Spectrum 1", bastante elogiado pela crítica. Por méritos próprios, vem conquistando seu espaço, inclusive como produtor. Excelente ouvido musical. Foi fundamental a participação dele em seu estúdio na minha música "Poeira Interestelar".
Que mensagem você gostaria de transmitir para o público que acompanha seu trabalho?
Leno Azevedo - Só tenho a agradecer aos novos fãs e, principalmente, aos que nunca deixaram de me acompanhar através dos anos, mesmo quando entro em meus períodos de "Ermitão". Um forte abraço para todos!
Leno Azevedo - "Poeira Interestelar"
Sobre o autor
Luiz Gomes Otero é jornalista formado em 1987 pela UniSantos - Universidade Católica de Santos. Trabalhou no jornal A Tribuna de 1996 a 2011 e atualmente é assessor de imprensa e colaborador dos sites Juicy Santos, Lérias e Lixos e Resenhando.com. Recentemente, criou a página Musicalidades, que agrega os textos escritos por ele.
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