Quando Pedro Collor de Mello deu a sua primeira entrevista à imprensa, em dezembro de 1991, criticando Paulo César Farias, o tesoureiro da campanha presidencial de seu irmão, Fernando, o já presidente Collor, disse que tudo não passava de “questões da paróquia, da província”. Mas o fato é que a famosa República das Alagoas, grupo de empresários e políticos locais que foram com Collor para o Planalto, ainda lhe daria muita dor de cabeça dali em diante.
Collor começava a viver, sem perceber, o início de uma derrocada que começara, a bem da verdade, desde o início de seu governo, com planos econômicos mal-sucedidos, medidas que desagradavam tanto aos empresários quanto aos trabalhadores, além do desprezo pelas negociações políticas no Congresso. No livro "Collor Presidente", o historiador Marco Antonio Villa revisita todo esse período, traçando um painel rigoroso do primeiro governo democraticamente eleito no Brasil após os mais de 20 anos da ditadura militar instaurada em 1964.
Villa acompanha todas as principais ações de governo, desde a edição do primeiro Plano Collor, anunciado pela então ministra Zélia Cardoso de Melo e que confiscou a poupança de milhares de brasileiros, até as intrigas palacianas, a falta de tato com os principais líderes políticos do país, a tentativa frustrada de aproximação com o PSDB, o início do afastamento do vice-presidente Itamar Franco, as corridas dominicais com cobertura ampla da imprensa e as brigas iniciais com o Fundo Monetário Internacional para driblar a dívida externa e conseguir mais financiamento para o país.
Num dos trechos mais eletrizantes do livro, Villa descreve a briga familiar que envolveu até a matriarca dos Collor, dona Leda. Pedro Collor estava injuriado com a pretensão de PC Farias de criar um jornal concorrente em Alagoas. Com várias entrevistas bombásticas, ajudou a engrossar o caldo político que levaria à criação da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigaria PC Farias e que, ao chegar nas reformas da Casa da Dinda, nas denúncias do motorista Eriberto França e na descoberta dos cheques fantasmas assinados pela secretária Ana Acioly, respingaria no presidente.
Collor passou à história como um político corrupto e maldito. Villa conclui a obra ressaltando que seu governo combinou atraso e modernidade, mas também deixou marcas importantes, como a abertura econômica aos produtos estrangeiros, a tentativa de enxugamento do Estado, a extinção do Serviço Nacional de Informações (o temido SNI), a demarcação de terras indígenas, o encerramento do programa de construção da bomba atômica e a política de defesa do meio ambiente. O livro chega às livrarias em maio, pela Record.
Trecho:
A 11 de dezembro, a Folha de S.Paulo publicou uma entrevista, em forma de reportagem, com chamada na primeira página. Nela, Pedro Collor, seu irmão, atacava Paulo César Farias, que estava para lançar o jornal Tribuna de Alagoas, que iria concorrer com a Gazeta de Alagoas, de propriedade da família Collor. Na entrevista de uma hora e meia de duração, Pedro estava nervoso, fumou nove cigarros e ameaçou PC com um dossiê que teria elaborado: "Vou defender o patrimônio da família com as armas de que disponho".
O outro Collor, o Fernando, também fazia o possível para defender seu patrimônio político. E com todas as armas de que dispunha, especialmente o verbo. Em entrevista coletiva atacaria mais uma vez, duramente, os empresários. (...) Quanto aos economistas que criticavam o governo, tachou-os de “ignorantes de plantão”. Perguntado sobre a entrevista do irmão, considerou que tudo não passava de “questões da paróquia, da província”.
Sobre o autor:
Marco Antonio Villa é historiador com mestrado em Sociologia e doutorado em História. Foi professor universitário durante 30 anos. É comentarista do Jornal da Cultura (TV Cultura de SP), da rádio Jovem Pan e da TVeja. Escreve em O Globo e no seu próprio blog. Publicou diversos livros, entre os quais Década perdida: dez anos de PT no poder, também pela Editora Record; "Ditadura à Brasileira: a Democracia Golpeada à Esquerda e à Direita"; "Jango, Um Perfil"; "Canudos, o Povo da Terra"; "Vida e Morte no Sertão: História das Secas no Nordeste nos Séculos XIX e XX"; "A História das Constituições Brasileiras: 200 Anos de Luta Contra o Arbítrio"; e "Um País Partido. 2014: a Eleição Mais Suja da História".
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