Por João Tavares Neto
Em setembro de 2015
Ninguém está livre. Cedo ou tarde você vai encontrar alguém que tem a fórmula mágica e a resposta para todas as suas questões. Não, não, não... Eu não estou falando de um homem que possui certificados e mais certificados em diversas aéreas do conhecimento humano, que tem à sua disposição os mais importantes tratados de filosofia.
Falo do cidadão simples, aquele que nunca leu um livro, cujo aprendizado filosófico se resume, no máximo, há quatro anos de estudos. Às vezes, por vontade própria, ele nem perdeu tanto tempo assim em salas de aula. Frequentou o suficiente para aprender assinar o seu nome e ler as placas de ruas, desde que estejam escritas em letras de forma, mas por experiência e conhecimento adquirido na estrada da vida, se apresenta também como "doutor" em quase tudo.
— Você é muito jovem. Não conhece as coisas da vida. Eu já passei por isso e sei como termina...
Falava sem qualquer sinal de arrogância. Eu podia sentir em suas palavras e pelo olhar que o seu desejo era apenas o de ensinar algumas verdades.
Assim, como tantos outros mestres, era o meu tio Abdias. Ele não bebia, mas era visto com frequência nos bares, no dia da feira, para conversar com amigos e colocar o papo em dia, gostava de andar à cavalo e trabalhava como agricultor. Depois de certa idade, passou a exercer o ofício de artesão, fazendo enfeites de couro e metal para animais, mas o seu forte mesmo era o debate de ideias.
Ele já não está mais entre nós, mas recordo muito bem alguns dos seus conselhos, apresentados entre amigos ou em reunião familiar.
— Filho, de onde apenas se tira um dia não restará mais nada;
— Para colher, primeiro, é preciso plantar.
A primeira frase ele usava para ensinar a todos que o dinheiro precisa ser trabalhado, cuidado e investido em coisas certas — boas ações — para que a fonte não venha a secar por falta de atenção. A tese era perfeita na época e continua sendo até hoje. Economistas renomados, do mundo inteiro, aconselham que ninguém pode gastar mais do que arrecada.
Sua segunda verdade, tenho a certeza de que ele não aprendera nos seus "longos" dias de estudante, poderia ser usada também como tese de mestrado. Segundo suas palavras, a experiência de vida lhe dava o embasamento para afirmar, categoricamente, o que poderíamos, hoje, chamar de pressupostos teóricos. Deve ser por isso que nove entre dez economistas nos ensinam que não existe almoço grátis. E, por mais benemerente que seja sua ação, você sempre espera algo em troca.
Eu não recordo a maioria de suas frases filosóficas, mas a lista era enorme assim como era grande também o seu senso de humor. Certo dia, depois de um almoço, ele disse para as crianças, eu estava entre elas, que se nós plantássemos um pedaço de osso nasceria carne. A euforia foi geral entre a molecada. No mesmo instante, pegamos os maiores ossos que estavam sobre os pratos, cavamos buracos na terra, proporcional em profundidade ao que fazíamos para plantar mandioca, e ali mesmo no quintal, bem próximo de casa, efetuamos a plantação.
Depois de sete dias, período de gestação da maioria das plantas, nada de aparecer a carne. Tristes e preocupados eu, Ivaldo e o Bileck, fomos cobrar ao mestre Abdias uma explicação.
— Por qual motivo o nosso investimento agropecuário não dera certo?
Para não ficar numa saia justa, ele nos disse que esquecera de mencionar que, em hipótese alguma, não devíamos ter molhado a plantação durante o dia.
— Ah, tio, foi por causa disso que não nasceu nenhum dos ossos que plantamos?
— Sim, meu filhos, foi por isso. Da próxima vez, não esqueçam, nada de molhar durante o dia, hein!
Ele sabia que dormíamos cedo e, por isso, cuidar da plantação no período noturno era impossível para nós.
Mas nem houve tempo para outra tentativa de produção de carne, através de ossos, porque os meninos adolescentes — primos e primas —já haviam passados pelo mesmo trote, logo começaram a rir da nossa cara e, dessa forma, descobrimos que tudo era apenas brincadeira.
Isso já faz muito tempo, mas até hoje "frases feitas", como a que eu li num para-choque de caminhão, me trazem boas recordações.
— Homem é bobo feito cachorro e mulher é esperta que nem gato.
A frase não é do meu tio e nem era a primeira vez que eu lia, mas, por algum motivo, fiz um paralelo com os ensinamentos do matemático, consultor financeiro e filósofo, tio Abdias.
Nesse mesmo dia, à tarde, a tese foi comprovada. Uma mulher de branco, precisou de menos de um minuto comigo para que eu ficasse de boca aberta por quase meia hora. E, olha, ela nem era tão bonita assim, como muitas deusas, provocantes, sensual, dona de um corpo escultural, como as que vemos nas capas de revistas ou na televisão. Ela era simplesmente a minha dentista.
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