Em agosto de 2015
Assisti a reestreia de "Cada Dois Com Seus Pobrema", espetáculo de Marcelo Medici, com colaboração de Ricardo Rathsam e direção de Paula Cohen. Antes de falar da peça, queria citar algo que Chico Anysio dizia. Só existem dois tipos de humor: o engraçado e o sem graça.
Concordo totalmente com ele e, por isso, acho completamente inútil querer classificar o humor, já que "graça" é algo absolutamente pessoal. O que é engraçado pra mim, pode não ser pra você e vice-versa. Isso significa que se eu disser que o espetáculo é engraçado demais e que você vai morrer de rir do começo ao fim, não quer dizer nada porque, pra você, pode não ter graça. Então eu vou partir do princípio de que você (inacreditavelmente) não vai achar engraçado. Mas, ainda assim, eu diria que você não pode deixar de assistir.
Primeiro porque o texto vai muito além do humor. Você vai identificar naqueles oito personagens, não apenas o que eles representam explicitamente, mas o simbolismo de diversas outras figuras que habitam a selva humana.
Segundo porque da boca desses personagens, saltarão "pérolas" que extrapolam o óbvio, que surpreendem, que fazem a gente dizer baixinho "poatz, é assim mesmo", que desafiam a chatice do politicamente correto e nos fazem pensar. Porque dizem muito (se não tudo) que todo mundo queria dizer, mas que nesses tempos em que a moda é "ser do bem", em que se declara "gratidão" pra tudo, que é cool ser solidário à todas as causas do mundo, a gente apenas pensa, quietinho, fingindo que não é esse tipo de gente.
Terceiro porque você vai ver estampado na cara de Marcelo e Ricardo, o prazer de estar ali. Vocês, não sei... mas eu me comovo quando vejo qualquer profissional exercendo seu ofício com prazer. E sendo também um ator, como é comovente ver a entrega, a disposição, o esforço, o respeito em exercer esse ofício tão sacrificante, mas que nos é tão especial.
Quarto porque, em tempos de crise, "chororôs", "mimimis"... de enxurrada de gente subindo em qualquer palco pelado, de cara pelada, com microfone pelado... de uma suposta "estética" que cultua a pobreza e o improviso, é admirável ver o cuidado com a produção. Eles poderiam simplesmente colocar dois sofás emprestados no palco e usar um ou outro adereço pegos na gaveta de casa e o espetáculo aconteceria do mesmo jeito (e tem muita gente por aí fazendo isso). Mas não... há um cuidado com cada detalhe. Cenário, adereços, objetos de cena, figurino, caracterização, tudo. Mais que profissionalismo, isso quer dizer "olá, público, preparamos isso pra você". Respeito!
E se isso já não bastasse, há o talento. Ah, o talento... aquilo que hoje em dia todo mundo acha que tem. Aliás, se você é um desses, cuidado! A chance de você entender que talento é uma coisa que vai muito além de ser engraçado nas festinhas, ou ser o palhaço da turma, ou de postar videozinho na internet é enorme. Ricardo Rathsam assume o papel mais difícil do espetáculo: fazer um só personagem, quase que naturalista, contracenando com um louco (no melhor sentido) que faz seis personagens diferentes já consagrados pelo público. Aí você pensa que ele vai ser engolido e, ao contrário... ele tira de letra.
Na voz, no corpo, no tempo, no tom e na total ausência da sua conhecida e enorme timidez que, simplesmente, desaparece. E Marcelo Médici que faz sete personagens. Ou melhor.. não faz... vive! Marcelo não existe. Você só enxerga os personagens. É como se cada um fosse feito por uma pessoa diferente. A caracterização é impecável. E a construção de cada um, incrível. Chico Anysio, o mestre dos personagens, admiraria o trabalho de Marcelo.
E aí entra outra personagem nessa história que é a direção de Paula Cohen. Eu fico imaginando que a sensação deve ser a de entrar numa jaula com duas feras. Nesse caso, duas feras que dominam o palco. Ou seja: se você não souber o que está fazendo, elas vão te morder. Tem que saber o momento certo de estalar o chicote. Tem que ser precisa nos comandos, nos movimentos e mostrar pras feras que você não tá ali de bobeira. É fácil perceber que ela não foi mordida e deu conta do recado com maestria.
Não sou crítico, nem porcaria nenhuma que avalize minha opinião como importante. Sou apenas um ator, apaixonado pela minha profissão, grato por poder viver do meu ofício, que não consegue se conter e precisa expressar toda emoção que sente quando vê algo que realmente o emociona. E é isso que eu sinto cada vez que vejo verdadeiros artistas no palco.
Se você gosta de teatro, se gosta de ver profissionais trabalhando, se gosta de se sentir respeitado, então você não pode deixar assistir. E eu arriscaria dizer que além de tudo isso, ainda acho que você vai morrer de rir.
Falei de Chico Anysio lá em cima, e acabo com ele: "O humor é irmão da poesia, o humor é quem denuncia, eu não tenho possibilidade de consertar nada, mas eu tenho a obrigação de denunciar tudo, o humor é tudo, até engraçado". "Cada Dois com seus Pobrema" é humor. Dos bons!
"Cada Dois Com Seus Pobrema", com Marcelo Medici
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