Em maio de 2015
A meu ver, o potencial de André Argolo foi descoberto tardiamente. Seu livro de estreia, "Vento Noroeste", assim como a crônica homônima de Vinicius de Moraes, deixa a gente com a boca seca e o coração gelado.
E um coração frio só cativa pela fineza com que lida com instrumentos como “cinismo”, “sarcasmo”, “ironia” etc. Pois há também o livro que é doce na boca, mas desce amargo. A sede de chupar limão, nas palavras de Vinicius. "Yesterday I woke up sucking a lemon", nas de Thom Yorke. Uma alteridade implacável, mas que não deixa de rir, inclusive de si mesma. É a isso que "Vento Noroeste" se propõe e o faz com naturalidade.
A obra de Argolo, assim como na crônica do “poetinha”, evoca de um fenômeno da natureza o humor da sociedade, que infelizmente leva à constatação de que mais de meio século depois, o vento noroeste persiste em ameaçar os brios de nosso cotidiano.
O livro começa com “Umidade Relativa”, confirmando logo na primeira estrofe do primeiro poema, “A Cores”, a expectativa gerada em torno da proposta do título:
"Sempre nessa época do ano
a vida fica
insuportável."
Eis aí também a amostra de um talento para poucos, o arte da simplicidade. Os versos de André condensam toda a estrutura do intertexto que virá adiante. Um panorama que não preciso descrever, pois estamos todos sentindo isso hoje, pouco mais de seis meses depois da publicação do livro.
A última parte do livro, chamada “Evolução”, contém apenas sete poemas que marcam uma tentativa de abranger voos mais altos, ainda em consonância com a natureza dessa escrita. André Argolo mostra que fez o dever de casa e tem assinatura.
Talvez sejam a modéstia em detrimento do potencial e, em alguns momentos, um tom confessional o que havia por dispensar na execução da proposta. Ainda assim, "Vento Noroeste" mostra que não deve à tradição que evoca e que pode tratá-la com autenticidade.
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