quarta-feira, 22 de abril de 2015

.: "Delírio", uma crônica de João Tavares Neto

Em frente ao espelho do banheiro eu sou surpreendido dando bom dia a mim mesmo. E para minha surpresa, ouço que alguém responde. Devo estar delirando? Estou com febre? Para tirar a prova, ponho a mão em meu pescoço e percebo que ainda tenho os sintomas. Sinto que os comprimidos não fizeram o efeito esperado e a gripe teima em deixar o meu nariz estranho, escorrendo às vezes, e o peito dolorido pelas inúmeras quantidades de espirros.

No entanto, tomado por um senso de responsabilidade que eu nem sabia se tinha, afirmo que uma simples gripe não é o fim do mundo.

— Vou tomar um banho. Quem sabe não melhore antes de sair para o trabalho.


É claro que o milagre não aconteceu, mas o banho cura, temporariamente, a sensação estranha de dor e a vontade de espirrar. Chego ao trabalho sem apresentar nenhum sintoma alérgico.

A quantidade de coisas pendentes, acumuladas, em cima da mesa, provoca um desânimo enorme, mas a lembrança dos dias em que fiquei em casa me recuperando da febre não deixa alternativa.

— Tenho que trabalhar – digo baixinho.

Textos e mais textos para revisar e a diagramação de uma revista inteira têm prioridade zero.

Mergulho de cabeça e quando percebo que já passa do meio dia. A sirene do jornal A Tribuna toca e eu quase nem ouço.

— Hora do almoço.


Vou almoçar e volto quase que imediato. Nesse intervalo, penso nela e deixo que as palavras falem por mim.

— Queria tanto conversar com você sobre a noite passada. Tentei ligar, coração, mas não consegui.
Recordo que mais uma noite vou dormir sozinho e depois decido que o melhor a fazer para esquecer é trabalhar. Tento terminar o máximo de pendências possíveis quando o relógio marca 18 horas.

Todos os textos estavam corrigidos e metade da diagramação também. Cansado, muito mais pela gripe do que pelo trabalho, decreto que o que ficou será terminado no dia seguinte.

Volto para casa e, enquanto o sono não chega, debaixo do meu cobertor, termino o diálogo de delírio que comecei pela manhã.




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