terça-feira, 17 de março de 2015

.: "Sozinho", um conto de João Tavares Neto sobre o medo de...

No primeiro dia que você viajou eu quase não senti sua falta. Voltei do aeroporto direto para o trabalho. Fiquei o tempo todo envolvido com as rotinas burocráticas e, de forma automática, no fim do expediente, voltei para casa. Tudo transcorreu tão normal que nem me dei conta de que estava sozinho.

Antes de anoitecer você me ligou de Salvador. A tua presença em mim estava ainda forte e vibrante. Podia sentir a tua presença e ouvir tua voz forte e suave a me dizer para não deixar cair às raspas de pão no sofá enquanto tomava um chá, sentado em frente à televisão.

Depois do chá, ligo o computador, vejo as manchetes do Estadão, respondo alguns e-mails e, em seguida, volto novamente para o sofá.

Não sei que horas eram, mas percebo que termina o CQC, programa que sempre assisto nas noites de segunda-feira na TV Bandeirantes. Assim que vejo o final, me preparo para ir dormir e, nessa hora, me surpreendo com a cama que está totalmente desarrumada.

Era um sinal de que algo não estava bem. Nunca, em todos esses anos juntos, ela deixara a cama do jeito que acordávamos. Mesmo passando o dia no trabalho ou, às vezes, quando chegávamos de um evento, alta madrugada, antes de deitarmos, nosso leito era devidamente preparado.

A ficha caiu.

- Estarei só por esses longos quinze dias.

Pensei também no barulho do silêncio que tem toda casa vazia e decidi que na primeira noite, acompanhado apenas por mim mesmo, a luz ficaria acesa.

Não que eu tivesse medo do escuro, mas vai que eu acordasse preocupado e não encontrasse a tomada.

- Melhor prevenir - disse para mim mesmo, em silêncio.

Mas o medo de ter medo sempre traz mais medo! Eu acordo assustado com a luz que invade o quarto. Demorou centésimos de segundos para que recordasse que quem provocara toda aquela sensação havia sido eu mesmo. E, perdido em meus pensamentos algo me prendia aquela cama, pois mesmo acordado não sabia como me levantar para solucionar o problema da forte iluminação. Permaneci assim, inerte, por longos segundos.

Não sei precisar exatamente quanto tempo. Mas, graças ao súbito despertador da televisão, eu consigo me levantar e, novamente, tenho a certeza de que estou sozinho. São 7h30 da manhã e a cama está fria, mesmo assim adoraria poder ficar ali deitado por, no mínimo, mais uma hora. Sei que não posso. O relógio me chama. Tenho que ir trabalhar.

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