O escritor norte-americano Paul Auster é autor de vários best-sellers, como "Timbuktu", "O Livro das Ilusões", "Noite do Oráculo", "Desvarios no Brooklyn e Invisível", entre outros. A influência do cinema norte-americano é evidente em seus livros, e suas histórias se desenrolam umas no interior das outras, numa sucessão que faz lembrar um thriller. Atualmente, Auster vive com sua mulher, a escritora e crítica de arte Siri Hustvedt, no distrito do Brooklyn, em Nova Iorque, onde o dia 27 de fevereiro, desde 2006, é conhecido como "Paul Auster Day". A Companhia das Letras, que já editou vários livros do autor no Brasil, comemora a data concedendo 30% de desconto em vários livros do autor nesta sexta-feira.
"Homem no Escuro"Os fãs de Paul Auster e da melhor literatura norte-americana moderna têm muito que comemorar com este romance do festejado autor de "A Trilogia de Nova York", "A Invenção da Solidão" e "Leviatã", todos publicados pela Companhia das Letras.
Cruzando as memórias de um homem de setenta e dois anos que viveu intensamente cada instante de sua vida com as realidades iníquas e violentas de um mundo em pé de guerra, e ainda por cima encontrando espaço para uma subtrama labiríntica de corte fantástico e orwelliano, Auster mostra aqui, em grande estilo, toda a sua maestria ficcional.
Fala sobre August Brill, crítico literário aposentado, que recupera-se na casa da filha, em Vermont, Estados Unidos, de um acidente de carro em que quase perdeu uma perna. Quando o sono se recusa a dar as caras, Brill permanece na cama e libera a imaginação para tecer histórias que o ajudem a desviar o foco mental das vicissitudes que ele gostaria de esquecer: a morte recente da mulher, o assassinato do namorado da neta no Iraque e a dolorida solidão da única filha, abandonada pelo marido.
Em meio a divagações de toda ordem, Brill constrói um mundo paralelo em que os Estados Unidos se acham mais uma vez numa guerra civil sangrenta. À medida que a noite em claro avança, adensa-se a trama do insone, ameaçando engolfar seu próprio criador numa delirante vertigem autopunitiva. No fim da madrugada angustiante, a neta Katya vem lhe fazer companhia, com perguntas incisivas que o remetem a um torvelinho de lembranças, boas e más, do casamento dele com a falecida Sonia, cantora lírica e mãe de Miriam, com quem dividiu os grandes momentos de sua vida. Com prosa a um tempo refinada e contundente, é o romance dos tempos atuais, um livro que força o leitor a se confrontar com a noite sombria até mesmo quando celebra uma existência feita de alegrias comuns.
"Invisível"Adam Walker recorda os acontecimentos da primavera e do verão de 1967, quando era um jovem poeta e estudante de letras na Universidade de Columbia, Nova York. Quarenta anos depois, os fatos incontornáveis daquele ano, em que se vivia a Guerra Fria e a crescente oposição à Guerra do Vietnã, somam-se a eventos pessoais decisivos, que o vão acompanhar até o fim da vida.
Ele rememora o estranho encontro em uma festa e a posterior relação tumultuada que desenvolve com dois estrangeiros: o suíço Rudolf Born, professor visitante de relações internacionais na universidade, e sua enigmática e sedutora companheira, a francesa Margot. O professor Born propõe ao jovem poeta financiar um projeto de revista literária, acalentando a ideia de ter sua biografia escrita por Walker.
O rapaz fica intrigado com a rápida simpatia que desperta no casal, mas a oferta é boa demais para ser recusada. Aos poucos, porém, passa a desconfiar das intenções de Born, uma combinação de raivoso analista político, intelectual cínico e dândi espirituoso.
Um evento imprevisto e trágico vai fazer com que a relação entre o estudante prodígio e o enigmático professor se torne áspera e, depois, doentia, levando a história de ambos a Paris. A narrativa de Adam Walker, hoje com mais de sessenta anos, porém, mostra-se incapaz de dar conta da complexidade dessa história revisitada nos meandros da memória e nos limites da linguagem.
Vozes de outros personagens ganham o primeiro plano: Jim, antigo colega de Adam, que se tornou James Freeman, escritor de sucesso, a quem Walker recorre para que lhe ajude a terminar a narrativa; a irmã Gwyn, por quem ele sente um irresistível desejo incestuoso; Cécile, enteada francesa de Born, que manteve um diário dos tempos em que conheceu e se apaixonou por Walker. Um romance feito de diferentes vozes e tempos narrativos. Narradores e formas narrativas se alternam, aceleram o ritmo da leitura, reservando descobertas e mudanças de rumo até as últimas frases do livro e deixando o leitor sem fôlego.
"Noite do Oráculo"
Palavras podem matar. Nenhuma outra descoberta poderia ser tão terrível para um escritor em crise. O futuro assume uma face assustadora para Sidney Orr quando ele volta a escrever, estimulado pelas páginas de um caderno azul comprado na papelaria de um chinês em Nova York.
Sob o efeito misterioso do caderno e ainda convalescente após uma grave doença, Orr tenta retomar a carreira, interrompida cerca de um ano antes. Sua escrita volta a fluir com espontaneidade nas convidativas páginas em branco.
Aos poucos, porém, ocorre-lhe uma suspeita: as narrativas imaginadas por ele podem conter uma relação secreta e inexplicável com o futuro das pessoas que lhe são mais próximas, como sua esposa e seu melhor amigo.
Episódios fortuitos, palavras ditas e ouvidas ao acaso, notícias de jornal - tudo, de uma hora para outra, parece se relacionar com o drama pessoal de Orr, a crise de inspiração por que passou e a fase difícil que atravessa no casamento.
Composto na forma de uma história de mistério, Noite do oráculo é um dos mais engenhosos livros de Paul Auster. O autor constrói uma rede de narrativas em que personagens e situações se espelham e se sobrepõem. O leitor se pergunta constantemente se o chão que pisa é ficção ou realidade, se aquilo que presencia se passa no presente, no passado ou no futuro.
O ritmo vertiginoso da escrita é potencializado pelas sucessivas surpresas da história e pelo poder narrativo do autor, que desdobra o romance em muitos romances encadeados. A última palavra cabe à imaginação: nela soa a voz do oráculo, como se a escrita fosse uma forma de prever e produzir o futuro.
"Sunset Park"
O livro uma celebração, um passeio afetivo desse quase nova-iorquino pela sua vizinhança. Sunset Park é um bairro de imigrantes no Brooklyn, onde quatro jovens beirando os trinta anos decidem encarar a aventura de ocupar ilegalmente um imóvel vazio.
Os quatro, embora sem condições de pagar nem mesmo os baixos aluguéis da região, têm um background de classe média, são instruídos e nutrem veleidades artísticas e intelectuais. Entre eles está Miles Heller, que encontra no amor pela adolescente Pilar o primeiro impulso para pôr um ponto final nos anos de isolamento que se seguiram a um trágico acidente pelo qual, desde a adolescência, se sente culpado.
Mas enquanto Miles quer juntar os pedaços e reabrir os olhos para o futuro, tudo à sua volta está coberto pela melancolia e o abandono; a crise americana de 2008 - quando o crédito imobiliário entra em colapso - é um dos pontos centrais desse romance, que fala sobre casas esvaziadas e ocupadas, desfeitas e refeitas. Ainda assim, se as coisas obsoletas falam de morte, em Sunset Park uma multiplicação erótica de corpos humanos embebe tudo das potências de vida.
"Todos os Poemas"
No final da década de 1970, Paul Auster ainda era um nome quase desconhecido das letras norte-americanas. Havia publicado somente algumas coletâneas de poemas, com escassa repercussão fora dos círculos de connaisseurs agrupados em torno de revistas especializadas, tais como Daimone The Mysterious Barricades.
Poucos anos depois, o jovem poeta seria catapultado à fama internacional com o grande êxito de público e crítica dos romances filosófico-policiais da "Trilogia de Nova York", que inauguraram uma brilhante carreira na prosa de ficção.
À diferença dos escritores que iniciam suas carreiras com a composição de poemas e costumam renegar sua produção juvenil quando se tornam ficcionistas consagrados, Auster não se esqueceu dos versos que ganharam versão para o português pelo mesmo tradutor do Ulysses de James Joyce, com que se lançou na exploração da escrita literária.
Ao contrário, o autor de Timbuktu costuma ressaltar a relevância pessoal e estética de sua poesia. “Continuo muito ligado à poesia que escrevi [...]. Pensando bem, pode ser a melhor coisa que eu já fiz”, como afirmou em entrevista na década de 1990.
"Viagens no Scriptorium"
Fechado num pequeno quarto e vigiado o tempo todo por câmeras e microfones, um homem de certa idade busca reconstituir sua memória. Ele não sabe onde está - hospital, prisão, asilo? - e muito menos o que faz ali.
Todos os dias recebe a visita de uma enfermeira que lhe desperta lembranças imprecisas e dolorosas e, mais esporadicamente, de um ex-policial. Aos poucos, descobre que no passado foi alguém com o poder de enviar pessoas a missões difíceis e perigosas das quais muitas não voltaram com vida. Sobre a escrivaninha do quarto o homem encontra um manuscrito inacabado.
É a história de um agente de uma grande potência, numa época indeterminada, que ultrapassa clandestinamente a fronteira entre seu país e as terras bárbaras a fim de investigar uma possível insurreição dos povos independentes. Uma história ilumina obliquamente a outra, e o protagonista sai de sua letargia ao imaginar uma continuação para o manuscrito. Ao lado do persistente desejo sexual, a fabulação literária parece ser a única força que o mantém vivo.
Desse início intrigante, mero fiapo de história que sugere uma trama de espionagem, Paul Auster torna a surpreender seu leitor, encaminhando-o sutilmente a uma reflexão sobre o ato de escrever ficção. Não por acaso, o nome do protagonista é Blank, que em inglês indica o papel em branco, o espaço vazio, o vácuo a ser preenchido, o alvo a atingir. Um dos encantos dessa pequena narrativa está justamente no fato de colocar o leitor numa posição análoga à de Blank, que tem que descobrir aos poucos quem é e o que faz naquele local.
Saindo um pouco de seu registro habitual, de ambientação realista, urbana e contemporânea, mas sem perder o encanto envolvente de sua prosa, o autor da "Trilogia de Nova York" compartilha com o leitor, em "Viagens no Scriptorium", as agruras e delícias do ofício de inventar e escrever histórias.
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
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