Por: Ruy Martins Altenfelder Silva*
A expressão reforma política aparece no glossário da maioria dos políticos brasileiros quase sempre em duas circunstâncias: ou é desculpa para deixar tudo como está ou é uma daquelas promessas de campanha eleitoral a ser esquecida assim que se desmontarem os palanques. Mas na percepção da sociedade a história muda de figura, como evidenciaram as grandes manifestações que tomaram as ruas em junho do ano passado e como confirmaram várias pesquisas de opinião que colocam na rabeira dos rankings de credibilidade os políticos e o Congresso Nacional.
Os mais otimistas chegaram até a acreditar que esses sinais alertariam os mandatários para que, pelo menos, começassem a costurar, efetivamente, a reforma política – aliás, uma reivindicação recorrente de organizações civis preocupadas com as fissuras que o descrédito nas instituições públicas pode provocar na consolidação do estado democrático de direito. Reivindicação essa endossada por 61% dos brasileiros que apoiam as campanhas pela reforma política, segundo pesquisa do Ibope e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Em 2014, a confiança nas instituições melhorou alguns pontos, porém esse alento deverá durar pouco. O recrudescimento de graves denúncias de corrupção, o abandono das promessas de campanha e o embate entre os quadros traçados pelos candidatos e realidade bem menos rósea quase certamente causarão impacto negativo na percepção da população. Além disso, o que se vê nesta transição de mandatos denota que os recados de junho de 2013 parecem já ter caído no esquecimento. Desde o palavreado chulo e agressões frequentes nas declarações até a troca de apoio no Congresso por liberação de verbas ou por cargos, vem a público uma série de fatos que só contribuem para aumentar a desmoralização da classe política perante o eleitorado. Com isso, os bons e os maus representantes do povo acabam jogados na mesma vala comum, numa avaliação injusta, pois desconsidera as exceções.
Enfim, essas são algumas das linhas gerais de um melancólico quadro que só faz confirmar os defeitos do atual sistema eleitoral, reforçando a urgência de uma reforma política, à frente de outras que também são necessárias para lastrear o desenvolvimento social e econômico a que todos os bons cidadãos aspiram. Por mais que seja tentador avançar aos poucos, na chamada medida do possível, a reforma política realmente eficaz para produzir efeitos salutares num prazo relativamente curto deverá contemplar um conjunto de mudanças – reconheça-se, num processo difícil que exigirá cortes na carne do sistema atual. Alguns vão buscar no longínquo 8 de novembro de 63 AC palavras do cônsul Marco Túlio Cícero contra o senador Lúcio Sérgio Catilina para defender as mudanças. Lembra que, primeiro, Cícero pergunta: “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia mostra?” (até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?) e depois dispara a famosa exclamação “O tempora! O mores!” (oh tempos! oh costumes!), para caracterizar o que via como corrupção, improbidade, ameaça de tomada de poder, entre outras mazelas da Roma antiga.
Deixando de lado a retórica, até hoje apontada como exemplar, do discurso de Cícero e utilizando palavras mais simples, o conjunto de medidas que restituirão a confiança no Poder Legislativo inclui a adoção do voto distrital (puro para os municípios e misto para as esferas estadual e nacional); o fortalecimento da fidelidade partidária, penalizando o parlamentar com a perda do mandato se abandonar a sigla antes de concluí-lo; a redução do número de partidos, com a fixação de novas normas para a fundação de agremiações e a adoção de cláusulas de barreira, com base no desempenho; e o fim puro de simples das coligações partidárias durante o processo eleitoral. Mudança significativa alteraria o mandato de senadores, que passariam a ser de quatro anos, como o dos deputados, e seria suprimida a figura do suplente – em caso de substituição seria convocado o candidato mais votado nas eleições correspondente ao período do mandato.
Diante da sucessão de escândalos envolvendo denúncias de propinas, talvez o ponto mais urgente e também mais delicado da reforma política seria a questão do financiamento de campanha. É quase consensual que deveria ser proibida a contribuição de empresas. Mas quando se chega à proposta de financiamento público, as opiniões se dividem. Uma parte a vê como o fim do influência do poder econômico nas eleições. Outros argumentam que já basta o dinheiro público dispendido com o horário eleitoral, que nada tem de gratuito, pois é compensado com renúncia fiscal concedida às emissoras de rádio e TV. Outros, mais radicais, acham que os militantes e os apoiadores do partido deveriam financiar integralmente as campanhas de seus candidatos, com doações pessoais, sujeitas a limites legais. Enfim, essa seria uma excelente questão para um referendo, que auscultasse a relevante opinião do contribuinte – que, no final das contas, arcará com mais essa despesa dos cofres públicos.
*Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente do Conselho de Administração do CIEE e da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ).
A expressão reforma política aparece no glossário da maioria dos políticos brasileiros quase sempre em duas circunstâncias: ou é desculpa para deixar tudo como está ou é uma daquelas promessas de campanha eleitoral a ser esquecida assim que se desmontarem os palanques. Mas na percepção da sociedade a história muda de figura, como evidenciaram as grandes manifestações que tomaram as ruas em junho do ano passado e como confirmaram várias pesquisas de opinião que colocam na rabeira dos rankings de credibilidade os políticos e o Congresso Nacional.
Os mais otimistas chegaram até a acreditar que esses sinais alertariam os mandatários para que, pelo menos, começassem a costurar, efetivamente, a reforma política – aliás, uma reivindicação recorrente de organizações civis preocupadas com as fissuras que o descrédito nas instituições públicas pode provocar na consolidação do estado democrático de direito. Reivindicação essa endossada por 61% dos brasileiros que apoiam as campanhas pela reforma política, segundo pesquisa do Ibope e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Em 2014, a confiança nas instituições melhorou alguns pontos, porém esse alento deverá durar pouco. O recrudescimento de graves denúncias de corrupção, o abandono das promessas de campanha e o embate entre os quadros traçados pelos candidatos e realidade bem menos rósea quase certamente causarão impacto negativo na percepção da população. Além disso, o que se vê nesta transição de mandatos denota que os recados de junho de 2013 parecem já ter caído no esquecimento. Desde o palavreado chulo e agressões frequentes nas declarações até a troca de apoio no Congresso por liberação de verbas ou por cargos, vem a público uma série de fatos que só contribuem para aumentar a desmoralização da classe política perante o eleitorado. Com isso, os bons e os maus representantes do povo acabam jogados na mesma vala comum, numa avaliação injusta, pois desconsidera as exceções.
Enfim, essas são algumas das linhas gerais de um melancólico quadro que só faz confirmar os defeitos do atual sistema eleitoral, reforçando a urgência de uma reforma política, à frente de outras que também são necessárias para lastrear o desenvolvimento social e econômico a que todos os bons cidadãos aspiram. Por mais que seja tentador avançar aos poucos, na chamada medida do possível, a reforma política realmente eficaz para produzir efeitos salutares num prazo relativamente curto deverá contemplar um conjunto de mudanças – reconheça-se, num processo difícil que exigirá cortes na carne do sistema atual. Alguns vão buscar no longínquo 8 de novembro de 63 AC palavras do cônsul Marco Túlio Cícero contra o senador Lúcio Sérgio Catilina para defender as mudanças. Lembra que, primeiro, Cícero pergunta: “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia mostra?” (até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?) e depois dispara a famosa exclamação “O tempora! O mores!” (oh tempos! oh costumes!), para caracterizar o que via como corrupção, improbidade, ameaça de tomada de poder, entre outras mazelas da Roma antiga.
Deixando de lado a retórica, até hoje apontada como exemplar, do discurso de Cícero e utilizando palavras mais simples, o conjunto de medidas que restituirão a confiança no Poder Legislativo inclui a adoção do voto distrital (puro para os municípios e misto para as esferas estadual e nacional); o fortalecimento da fidelidade partidária, penalizando o parlamentar com a perda do mandato se abandonar a sigla antes de concluí-lo; a redução do número de partidos, com a fixação de novas normas para a fundação de agremiações e a adoção de cláusulas de barreira, com base no desempenho; e o fim puro de simples das coligações partidárias durante o processo eleitoral. Mudança significativa alteraria o mandato de senadores, que passariam a ser de quatro anos, como o dos deputados, e seria suprimida a figura do suplente – em caso de substituição seria convocado o candidato mais votado nas eleições correspondente ao período do mandato.
Diante da sucessão de escândalos envolvendo denúncias de propinas, talvez o ponto mais urgente e também mais delicado da reforma política seria a questão do financiamento de campanha. É quase consensual que deveria ser proibida a contribuição de empresas. Mas quando se chega à proposta de financiamento público, as opiniões se dividem. Uma parte a vê como o fim do influência do poder econômico nas eleições. Outros argumentam que já basta o dinheiro público dispendido com o horário eleitoral, que nada tem de gratuito, pois é compensado com renúncia fiscal concedida às emissoras de rádio e TV. Outros, mais radicais, acham que os militantes e os apoiadores do partido deveriam financiar integralmente as campanhas de seus candidatos, com doações pessoais, sujeitas a limites legais. Enfim, essa seria uma excelente questão para um referendo, que auscultasse a relevante opinião do contribuinte – que, no final das contas, arcará com mais essa despesa dos cofres públicos.
*Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente do Conselho de Administração do CIEE e da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ).
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