terça-feira, 27 de janeiro de 2015

.: Crônica "A Primeira Vez", de João Tavares Neto

Por João T. Neto
Em janeiro de 2015 


Às vezes, quando estou sozinho, como agora, eu fico pensando na minha infância. Já se passaram tantos anos e eu ainda lembro o meu primeiro dia na escola, por exemplo. Recordo a nossa mãe nos deixando em frente ao portão e os três patetas que ali ficaram parados, em silêncio: eu e meus dois irmãos.

— Se comportem meninos. Obedeçam à professora!

Eu usava calça cumprida azul, de linho, e camisa branca de dois bolsos, um em cada lado. Isso me enchia de orgulho. Naquela época, quase todos os garotos frequentavam à escola de bermuda.

— Eu só vou se você me comprar uma calça cumprida.

Essa tinha sido uma exigência, porque o que mais poderia eu aprender numa sala de aula se já sabia ler, argumentava.

Aos sete anos, graças ao auxílio do meu cunhado Dorgival, eu sabia ler quase tudo. Conhecia boa parte da Literatura de Cordel e, livros como "Cidrão e Helena", "O Pavão Misterioso", e "O Gato de Botas" entre tantos outros que tinham na minha casa, eram todos devorados diariamente por mim.

Esses livros eram todos comprados, na feira, pela minha avó, Dona Zezé, com a qual eu morei alguns anos da minha vida. Talvez, como forma de agradecer o presente, eu lia os livros em voz alta para que ela ouvisse as histórias.

A vovó Zezé não sabia ler, mas entendia tudo. Era também muito sensível e emotiva. Foram muitas as lágrimas derramadas pelos dramas nos quais os personagens se envolviam.


Mas o argumento de saber ler não adiantou nada. No dia certo e na hora marcada, acompanhado pelos meus irmãos Adilson e Lucineide, eu fui levado à escola pela primeira vez.

No portão, um homem de farda toca uma sirene e todos os meninos, inclusive meus irmãos, correm em direção à sala de aula. Permaneci ali parado. Depois resolvi entrar.

Tudo transcorria em calmaria... Estudar sílabas quando já se sabe ler palavras era moleza. Mas um imprevisto marcou definitivamente esse dia. Após a lição, entra uma senhora na sala, com vestido bege — soube um tempão depois que era uma freira —, que disse essas palavras:

— Muito bem crianças. Agora vamos rezar!

A primeira parte foi fácil. Era em grupo. Tentei disfarçar que não sabia apenas batendo os lábios, porém logo fui identificado, acredito. O que mais eu temia aconteceu. Mal pude crer quando ouvi chamar meu nome:

 — Pedro, venha rezar aqui na frente.

Eu não sabia rezar e, por medo ou falta de opção, não contive a vontade de chorar. Chorei, chorei e chorei...

Agora eu era novamente uma criança indefesa. De repente, uma mulher alta, de cabelos ruivos e longos, que chegavam quase a sua cintura, tinha um rosto perfeito, embelezado ainda mais por seus lindos olhos verdes, veio me consolar.

Era a professora. Os carinhos da Solange me ajudaram muito, mas não por muito tempo. E eu fui para casa com meu rosto banhado em prantos. Para piorar a situação, antes de sair da escola, pude ver alguns meninos gritarem:

— Chorão, chorão, chorão...

E isso não foi nada. Nem o apelido durou por muito tempo. O pior é ter que aguentar essa história até hoje. Todas as vezes que eu vou à casa dos meus pais, em reunião de família, sempre surge um engraçadinho para relembrar.

— E aí, chorão?
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