segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

.: Produção em série de serial killers, por Jacinto Flecha

Por: Jacinto Flecha

Vem sendo recolhido rapidamente do mercado americano o videogame School boys killer. Lançado há três semanas, tornou-se um sucesso de vendas imediato. Reproduz imagens semelhantes às que aparecem na televisão quando um serial killer ataca crianças indefesas numa escola, matando muitas delas. Durante o jogo os contendores disputam o título de mais eficiente em eliminar crianças numa escola virtual. Os tiros dos contendores se alternam, enquanto as crianças, professores e outras pessoas tentam se defender, jogando-se ao chão ou escondendo-se atrás e debaixo de móveis. Os responsáveis pela segurança escolar também participam, porém com armas ou meios de ação limitados por restrições legais.

Dois estudantes foram barrados quando tentaram entrar armados numa escola em Silent shot, e durante o interrogatório afirmaram que prosseguiriam na escola a disputa iniciada na internet. Essas declarações alertaram as autoridades para a periculosidade desse jogo eletrônico, e logo se conseguiu uma liminar judicial ordenando recolhê-lo em todo o país.

Já foram recolhidas todas as cópias colocadas em pontos de venda. Mas um complicador para atingir todos os jogos já vendidos é a falta de endereços de muitos compradores, que não foram todos anotados. Por meio de espionagem eletrônica, os computadores do país estão grampeados a fim de localizar quem está usando o jogo. Calcula-se que por esta via possam ser recolhidos ou inativados, numa primeira fase, cerca de 92% dos jogos vendidos, mas outros podem estar desconectados da internet ou sendo usados em dois ou mais computadores ligados diretamente entre si.

Até o momento não foi questionada a decisão de proibir a venda do perigoso videogame, mas esperam-se para breve manifestações de fanáticos do politicamente correto, que não admitem restrições à liberdade.

Para evitar inquietação, a opinião pública só será alertada sobre o assunto depois de concluída a primeira fase. Enquanto são tomadas essas providências, o serviço de segurança das escolas foi orientado a intensificar discretamente a vigilância. Espera-se que isso seja suficiente para evitar nova catástrofe, que no entanto pode ser iminente.
         Prezado leitor, tranquilize-se. Tudo o que descrevi é invenção minha. A única pista proposital que deixei, para você desconfiar do enredo, foi o nome da cidade onde se teria passado o fato. Silentshot não existe, pelo menos não a encontrei na minha memória. Você pode indagar por que me atrevi a tomar o seu tempo com uma invenção de tão mau gosto. E já vou respondendo que minha intenção é didática, de advertência. Estou empenhado em ressaltar os perigos dos jogos eletrônicos. De todos os jogos eletrônicos, não apenas do inexistente School boys killer.

Antes de prosseguir, devo esclarecer que nunca joguei nenhum videogame, nem sequer acompanhei quem estivesse jogando. Não preciso disso para entender como esses jogos cativam a mente dos contendores infantis, criam um mundo virtual bem próximo do real, apresentam situações que exigem perícia e rapidez para obter bom resultado. Isso não difere das situações criadas e desenvolvidas no cinema, embora os filmes não permitam variações do enredo nem decisões à escolha dos contendores.

Em um cenário qualquer, o jovem é estimulado a eliminar os inimigos que surgem, e vencerá se abater mais do que o contendor. Assim ele se habitua a matar por matar, sem qualquer consideração de ordem moral ou legal. Situações concretas podem fazer emergir na sua mente o desejo de eliminar um ou muitos obstáculos, para resolver uma hostilidade ou dificuldade. Em crianças com escasso discernimento moral, sobretudo quando já têm tendência para a violência, isso pode tornar-se um desejo obsessivo e gerar mais catástrofes.

Você acha que crianças mergulhadas nesse mundo virtual conseguem distingui-lo inteiramente do mundo real? Seu filho adepto de videogames consegue isso? Sempre? Devo sugerir que a sua dúvida seja tão grande quanto a minha, pois neste caso  é perfeitamente possível ele se transformar em assassino. Mas não menospreze também a probabilidade, até maior, de ele se tornar uma das próximas vítimas.

Imagino que alguém possa considerar fantasioso esse risco que apontei. Se lamentavelmente for este o seu caso, devo trocar por um conselho a recomendação de tranquilidade que fiz acima: Prezado leitor, não se tranquilize!

(*) Jacinto Flecha é médico e colaborador da Abim

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