quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

.: Entrevista com André Medeiros Martins, escritor transgressor

Por Helder Miranda
Em novembro de 2014



Está aberta a temporada de livros extremamente conceituais cuja nudez é o pano de fundo. Depois de Fernanda Young ter lançado um livro em que aparece nua em pelo, “A Louca Por Baixo do Branco”, e o conceituado diretor Lars Von Trier ter lançado filmes com cenas de sexo explícito, parece que a arte está enveredando para um caminho que, para uns, é negativo e para outros, extremamente libertário e transgressor. 

Dentro deste panorama, surge André Medeiros Martins, ator profissional e fotógrafo, que vem fazendo barulho ao colocar em prática um projeto que vem deixando a ala conservadora de boca aberta e até os mais liberais de queixo caído. Foi desse jeito que chamou atenção do jornal Folha de S.Paulo e ficou ainda mais conhecido. Trata-se do projeto “Flexões”, que surgiu na internet, em que ele explora, com fotos para lá de ousadas, todas as possibilidades de amor e sexo. 


Alguns são críticos ferrenhos e consideram o trabalho dele pura pornografia, na mesma medida em que há os defensores ferrenhos, que o defendem. O trabalho gerou o livro “Flexões: Um Estudo Sobre a Sexualidade Plural”, da NVersos Editora, que tem um ar performático, com máscaras e objetos compondo o quadro que revela como as pessoas encaram a própria sexualidade e a sexualidade alheia.


RESENHANDO - Para você, o que diferencia arte da pornografia?
ANDRÉ MEDEIROS MARTINS - O que conceitua arte e pornografia são coisas bem diferentes, mas o limite nelas no meu trabalho específico não importa muito. Utilizo de recursos das artes para expressar minhas questões sobre a sexualidade. E o que eu faço se é chamado de arte ou pornografia só diz respeito aos enquadramentos de cada um, não interferem no meu ato e muito menos são utilizados como norteadores para construção dessas imagens.


RESENHANDO - Mas você considera arte ou pornografia?
A.M.M. - O quê?


RESENHANDO - O trabalho que você vem desenvolvendo...
A.M.M. - Não considero nenhuma em específico, pois eu trabalho justamente com a quebra de caixinhas que querem compartimentar tudo.



RESENHANDO - As reações das pessoas diante do seu trabalho, positivas ou negativas diante de seu trabalho, revela muito sobre elas mesmas?
A.M.M. - A pele exposta assusta. A roupa cria uma série de armadilhas e proteções e nos forçamos a acreditar nelas. Quando elas somem começamos a sentir medo do que o corpo pode dizer. Lidar com sexualidade não está fácil, então é bem conflitante para muitos lidar com obras que suscitam isto.


RESENHANDO - Você participa de muitos ensaios. Como lida com a própria exposição?
A.M.M. - Assim como registro muitas pessoas neste processo de desnudamento, também sempre senti necessidade de me colocar, não apenas como um voyer. Por pertencer a muitos ensaios também provoco minhas fragilidades e vasculho meus desconfortos. Acho importante essa minha exposição.


RESENHANDO - E o que deixa você desconfortável?
A.M.M. - A insegurança, a rejeição, a inadequação, a ausência. Essas coisas que nos rondam diariamente.



RESENHANDO - E como faz para convencer as pessoas a se exporem tanto nas imagens?
A.M.M. - A noção de exposição hoje em dia esta equivocada. O que tento fazer nas minhas imagens é um registro de intimidades. E se elas acontecerem verdadeiramente tudo flui em uma medida que possibilita a comunicação, o debate. Não faço este trabalho apenas para produzir material erótico, mas sim incluir o tesão de uma maneira mais sincera.


RESENHANDO - Mas você, e os fotografados, se colocam algum limite?
A.M.M. - O limite do respeito mútuo.


RESENHANDO - Já aconteceu de alguém reclamar, ou dizer: "isso não faço"?
A.M.M. - Faço um registro de intimidades. E depois, com o retratado, definimos o que será colocado em público. Tudo são acordos. Foram mais de 250 retratados e fico bem feliz que sempre consegui boas parcerias.



RESENHANDO - E como este trabalho se transformou em livro?
A.M.M. - O livro “Flexões - Um Estudo Sobre Sexualidade Plural” é um estudo feito a partir dos primeiros 80 ensaios de nu que eu fiz. O meu trabalho inteiro é feito a partir de colaboradores, tanto os modelos como autores, dramaturgos, pesquisadores, artistas plásticos em geral. Ali sentimos a necessidade de registrar este momento.


RESENHANDO - O estudo que gerou o livro tinha o objetivo de buscar que respostas?
A.M.M. - Embaralhar todas essas caixinhas que tentamos definir a sexualidade. Assumir o caos e todas as suas possibilidades.


RESENHANDO - E você consegue ganhar dinheiro com este trabalho?
A.M.M. - Nunca paguei e nem ganhei nada com ele. Minha trabalho diário é como ator, e este estudo sobre sexualidade é algo que lido em paralelo.



RESENHANDO - Qual a conclusão que chegou sobre esse caos que você disse, depois de tantos ensaios?
A.M.M. - Que é muito mais excitante e verdadeiro viver nele do que passar uma vida inteira tentando se adequar a formatos que não existem de fato.


RESENHANDO - O que a sua obra diz a respeito da afetividade humana?
A.M.M. - Eu só espero que com o meu trabalho alguns de nós possam ser soltos e que as pessoas consigam deixar a pele apta para delicadezas. É essencial se permitir afetar-se.
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